• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II O artigo 318º-A: regime, limites e problemas

2. O aditado artigo 318º-A – Uma solução em defesa do interesse público, face aos problemas

2.1 Regime legal

Como sublinhado, o presente estudo assenta na leitura da cessão da posição contratual como figura, também, de reação ao incumprimento do cocontratante135, a par de outros instrumentos indicados no Capítulo 1, Parte I da presente dissertação.

Com a revisão do Código dos Contratos Públicos operada pelo Decreto-Lei n.º 111- B/2017, de 31 de agosto, o legislador passou a prever a aplicação da cessão de posição contratual num cenário de incumprimento contratual, por imposição do contraente público.

135 Importa referir, a título de mera curiosidade, que o Código dos Contratos Públicos italiano de 2016 contempla

no artigo 110º, com a epígrafe “Procedimentos de contratação em caso de falência do executor ou rescisão do contrato e medidas de gestão extraordinárias” [tradução nossa], um regime muito semelhante ao estatuído pelo legislador nacional, prevendo nos acasos aí elencados a substituição do adjudicatário pelo concorrente ordenado em lugar subsequente no procedimento que deu origem ao contrato em causa. V. Codice dei contratti Pubblici, de 18 de abril de 2016. Disponível em: https://www.codiceappalti.it/Home/Legge/?legge=DLGS_50/2016

57 O CCP trata a matéria num aditado artigo 318.º-A, sob epígrafe de cessão da posição

contratual por incumprimento do cocontratante.136

Pedro Matias Pereira refere que a possibilidade introduzida pelo legislador nacional não é uma “(…) opção de risco zero (...)”137, observando que a Diretiva Contratos indica no Considerando 110 que o adjudicatário não poderá ser substituído em razão do incumprimento do contrato, sendo o que precisamente o aditado artigo 318º-A autoriza.

Impõe-se questionar se assim é efetivamente, isto é, se o Considerando impede a previsão de um mecanismo tal qual o refletido no artigo 318º-A. Ora, da análise literal ao Considerando em apreço, não parece claro este argumento, é que aí se alude aos casos em que o contrato foi rescindido em virtude de deficiências de execução. Percebe-se, em nossa opinião, que o legislador comunitário tenha destacado a necessidade de novo concurso, em respeito aos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, a que acrescentamos o da concorrência.

Já o artigo318º-A trata das situações em que o contrato deficientemente executado não é resolvido138 sendo, ao invés, transmitido a outro adjudicatário, através do mecanismo da

cessão da posição contratual. Esta possibilidade parece-nos deter suporte normativo no disposto na alínea d) do artigo 72º da Diretiva Contratos, mais precisamente na subalínea i), desde previamente prevista em cláusula de opção de revisão ou opção clara, precisa e inequívoca.

O nº 1 do artigo 318º-A começa por apontar para a necessidade de previsão prévia da cessão da posição contratual no contrato e, por contrato, leia-se, peças de procedimento (atendendo, aliás, à configuração de contrato que é dada pelo artigo 96º).

Alude-se, em seguida, à ocorrência de uma situação de incumprimento das obrigações

do cocontratante que permita a resolução contratual.

Não basta, assim, um qualquer incumprimento. Tem de ser suficientemente grave, um incumprimento tal que reúna os pressupostos para a resolução do contrato, vertidos nos artigos

136 A reflexão feita por Paulo Otero afigura-se, em nossa opinião, muito importante para o estudo deste artigo. Este

autor define três tipos de pressupostos que autorizam a utilização da prerrogativa contida no artigo em apreço: pressupostos objetivos, pressupostos procedimentais e pressupostos subjetivos. V. OTERO, Paulo, “Incumprimento e cessão da posição contratual: alguns problemas decorrentes do novo artigo 318º-A do CCP”, Revista de Contratos Públicos, nº 16, 2018, pp. 5-15 (7).

137 V. PEREIRA, Pedro Matias “Modificação subjetiva, pagamentos diretos a subcontratados e resolução do

contrato: novidades do CCP revisto”, Revista de Contratos Públicos, nº 17, 2018, pp. 23-45 (33).

58 325º e 333º, a ponto de permitir ao contraente público um exercício de ponderação entre a resolução do contrato e a cessão da posição contratual.

Pedro Leite Alves critica esta solução por entender que, para além de aumentar a litigiosidade, opera em momento em que o contrato já está em prestes a ser resolvido.139

Percebe-se a crítica. De facto, porque não o recurso a esta figura quando o interesse público não resultou, ainda, demasiado beliscado?

Como já se referiu, propendemos para uma solução que promova, não uma simples utilização dos mecanismos de conformação da relação contratual, voltados apenas para a punição do cocontratante, mas o salvamento do contrato na forma e tempos acordados e, consequentemente, do interesse público que o motivou. Ainda assim não desconhecemos que o adjudicatário tem o direito a executar o contrato que venceu, recuperar atrasos e corrigir deficiências de execução e, nesta medida, temos de reconhecer faltar argumento suficiente a autorizar outro instrumento que não o ora previsto pelo legislador nacional.

Uma outra exigência, que se antecipa não oferecer dificuldades de interpretação, é a que obriga, para o efetivo funcionamento do instituto, à existência de concorrentes preteridos a quem o contraente público possa recorrer.

O contraente público interpela, gradual e sequencialmente os concorrentes que participaram no procedimento pré-contratual original, de acordo com a respetiva classificação final, a fim de concluir um novo contrato para a adjudicação da conclusão dos trabalhos. É o que se prescreve no nº 2 do artigo 318º-A.

O legislador balizou, deste modo, a escolha do contraente público. Se é verdade que pode recorrer ao procedimento pré-contratual que serviu de base ao contrato, não pode, através da cessão da posição contratual, escolher o cessionário sem critério ou a seu gosto. Nesta medida, o contraente público é forçado a seguir a ordenação fixada de propostas, assim como o havia feito nesse mesmíssimo procedimento pré-contratual.

Exige-se, também, a prática de um ato administrativo por parte do contraente público, através do qual este determina a cessão da posição contratual com o chamamento do potencial cessionário. É o que resulta da versão atual do código, onde foi introduzida uma nova alínea ao

139V. ALVES, Pedro Leite, “Alguns problemas em sede de execução e (in)cumprimento do contrato”, Carla

Amado Gomes/Ricardo Pedro Tiago Serrão, Marco Caldeira (Coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos,1ª reimpressão, Lisboa: AAFDL, 2018, pp. 933 a 957 (935).

59 elenco do nº 2 do artigo 307º, aí prevendo, especificamente, o caso de cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.

Segundo Paulo Otero, tem de haver vontade em preferir a cessão à resolução e vontade do concorrente ordenado no lugar subsequente em aceitar a cessão140, desde que não esteja

abrangido por qualquer dos impedimentos previstos no artigo 55º.

Resumimos o funcionamento do instituto da seguinte forma: a cessão da posição contratual em caso de incumprimento do cocontratante prevista no artigo 318º-A, como adianta Pedro Matias Pereira141, “procura acautelar os casos de crise na execução do contrato” e apenas pode sobrevir caso haja expressa previsão nas peças de procedimento da possibilidade de, em caso de incumprimento pelo cocontratante das suas obrigações, reunidos os pressupostos suficientes para a resolução do contrato, o cocontratante poder ceder a sua posição contratual ao concorrente do procedimento pré-contratual na sequência do qual foi celebrado o contrato em execução, que venha a ser indicado pelo contraente público, pela ordem sequencial daquele procedimento, desde que não abrangido por qualquer dos impedimentos previstos no artigo 55º.

Quanto à necessidade de aceitação por parte do escolhido cessionário, não nos parece totalmente linear, como se verá no próximo subcapítulo, a propósito da eventual vinculatividade da interpelação feita.

2.2 Dificuldades de aplicação da figura, tal qual pensada e positivada pelo

Documentos relacionados