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OS REGIMES INTERNACIONAIS COMO INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RELAÇÃO LOCAL-GLOBAL: VANTAGENS E DESVANTAGENS, O DESAFIO DA

IMPLEMENTAÇÃO

A globalização apresenta diversas formas de relação do local com o global: interdependência desigual, polarização contemporânea, autonomia disseminada, entre outras caracterizações desenvolvidas pelos teóricos. Percebe-se, em grande parte delas, os conflitos existentes nessa relação, ainda que ela seja a base da globalização. Diante da inexistência de uma governança global única, os regimes internacionais surgem como meios de estruturar e orientar os processos políticos setoriais que, no conjunto, constituem a governança global. Atualmente os regimes internacionais têm o papel de estabelecer uma ponte entre o global e o local, para induzir as políticas públicas.

A reflexão sobre os regimes internacionais pode ser remetida ao pensamento de Robert Keohane e Joseph Nye, na década de 1970, com a formulação da abordagem da interdependência complexa. Diante do avanço dos processos de globalização e da crescente interdependência econômica entre os países, em seu clássico Power and Interdependence: world politics in transition (1977), os autores questionam os limites do realismo para a compreensão das relações internacionais, apostando na necessidade de se criar outros paradigmas. Seguindo as premissas do liberalismo, mas adaptando-as a um contexto de maior complexidade dada a interdependência, agentes como empresas multinacionais e aspectos econômicos são tão ou mais importantes do que os Estados e as questões de segurança, centro do pensamento realista. Como resposta a essa relevância, a cooperação internacional por meio de instituições torna-se ainda mais relevante, já que agências e fundos intergovernamentais podem criar regulações e reduzir as assimetrias econômicas. Ao apontar para isso, os autores reforçam o desenho dos regimes internacionais como formato institucional adequado para a resolução de problemas cada vez mais globais.

Posteriormente, Keohane (1988) propõe duas abordagens para o estudo das instituições internacionais: a racionalista e a sociológica. Para a primeira, as instituições resultam do cálculo racional feito pelos Estados de que os custos em mantê-las devem ser menores do que os ganhos obtidos com a sua criação. Os países relativamente mais poderosos são favorecidos pelas regras da dinâmica institucional, enquanto os demais Estados têm desvantagens em caso de deserção ou se tentarem estabelecer acordos de cooperação fora do contexto institucional. Para a abordagem sociológica, o surgimento de instituições é gradual. A

cultura local influencia as instituições, pois os arranjos institucionais que estão em conformidade com o padrão cultural encontram menos resistência para seu estabelecimento. Essa abordagem lida com a dinâmica interna das instituições e da formação das preferências dos atores, rejeitando a visão determinista de seu funcionamento. No entanto, as duas abordagens não consideram as questões relacionadas à política doméstica, o que poderia fornecer novas perspectivas a respeito da relação entre as instituições internacionais e a política interna dos Estados. (KEOHANE, 1988)

O teórico define as instituições baseado na ideia de que elas podem ser tanto um arranjo específico formal ou informal (organizações internacionais), sendo identificáveis no tempo e no espaço e dependentes da decisão de seus membros, quanto um padrão geral de comportamento (regimes internacionais). Essas duas noções estão associadas à existência de um conjunto de regras que prescrevem comportamentos, são duráveis, restringem atividades e moldam as expectativas dos atores, determinando o papel que cada membro deve desempenhar. (KEOHANE, 1988)

Em relação aos regimes, Keohane (1984) argumenta que interesses em comum podem levar à criação deles, cuja manutenção tem condições menos exigentes do que as necessárias à sua criação. O autor afirma que regimes internacionais podem ser criados sem hegemonia quando interesses compartilhados são suficientemente importantes, e que a cooperação não hegemônica é possível. A cooperação ocorre quando atores que não estão em harmonia preexistente ajustam seus comportamentos para as preferências reais ou previstas de outros, através de um processo de negociação, conhecido como coordenação política. Cooperação não significa ausência de conflito, mas um esforço bem-sucedido para superar conflitos reais ou potenciais. (KEOHANE, 1984)

Segundo o teórico, apesar de a hegemonia ajudar a explicar a criação de regimes, o declínio daquela não leva necessariamente à decadência destes. Por isso os regimes são tão valorizados pelos governos e ajudam a fomentar a cooperação. Para ele, não há necessidade de cooperação sem o risco do conflito. É a discórdia – oposto de harmonia – que estimula as demandas para a coordenação política. Keohane cita Stephen Krasner para apresentar a definição de regimes internacionais. Segundo Krasner, "os regimes podem ser definidos como princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores" (KRASNER apud KEOHANE, 1984, p.57).

Keohane declara que os regimes consistem em injunções em vários níveis de generalidade. Do ponto de vista teórico, regimes podem ser vistos como fatores intermediários entre as características fundamentais da política mundial, como a distribuição internacional do poder de um lado e o comportamento dos Estados e atores como corporações multinacionais de outro. O conceito de regime internacional auxilia a compreensão da cooperação e da discórdia. As normas e regras de regimes podem exercer um efeito no comportamento, mesmo que eles não incorporem ideais comuns, mas são utilizados pelos Estados-Membros interessados e corporações para se envolverem em um processo de adaptação mútua. (KEOHANE, 1984)

Por outro lado, as vantagens dos regimes internacionais têm sido questionadas por autores críticos a essa teoria. Para o economista Mario Dehove (1998), por exemplo, a emergência do princípio da soberania dos Estados e dos princípios de paz universal, de direito internacional, de guerra sempre injusta, de equilíbrio de potências, sobre os quais sempre se constituíram as Organizações Internacionais (OIs), sugere que esses princípios e as instituições que os encarnam são complementares. A institucionalização das relações internacionais em OIs objetivaria fundamentalmente a necessidade de cristalizar, para fortalecer mais os Estados, as condições simbólicas da estabilização do sistema de soberania dos Estados-Nação.

O autor enuncia que as Organizações Internacionais se encontram no centro das preocupações políticas mundiais. Segundo o teórico, as OIs não parecem ter contribuído significativamente para o desenvolvimento dos países emergentes, cuja estratégia – a integração no mercado mundial – é radicalmente oposta à teoria da dependência. Essas Organizações têm sido cada vez mais contestadas por um número crescente de seus membros, sentindo maiores dificuldades para encontrar seu lugar na vida interestados e para continuar a ignorar que o próprio sistema dos Estados sobre o qual elas foram construídas está se transformando.

Dehove também levanta a hipótese de uma dependência circular entre determinado sistema de Estados e determinado tipo de OI. Os Estados são observados como um sistema do qual as Organizações Internacionais são parte integrante e necessária deles, já que estes condicionam a existência delas no nível dos princípios político, econômico e simbólico. No caso das organizações internacionais não governamentais, os fatores que contribuíram para sua multiplicação são: o desenvolvimento dos meios de comunicação; a extensão geográfica das trocas comerciais; as regras arbitrárias de todo tipo; as categorias de apreensão formalizada da vida econômica e social. Essas instituições são mais poderosas quando permanecem especializadas, pois tendem a preservar o caráter universal da soberania dos Estados. O modelo não governamental de especialização muito estrita também inspirou as

formas das organizações intergovernamentais, principalmente após a Segunda Guerra, como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e o GATT. (DEHOVE, 1998)

O economista também alega que a arbitragem internacional foi desenvolvida após a Segunda Grande Guerra. Todos os regimes de OI adotaram uma fórmula de violência internacional institucionalizada, a Carta das Nações Unidas, que criou um estado-maior militar permanente para que o uso internacional da força excluísse constitutivamente a formação de um foco de monopolização do uso da violência legítima. (DEHOVE, 1998)

Não obstante as críticas aos regimes internacionais, eles configuram, desde 1992, a principal forma de organização para a governança ambiental global. No próximo capítulo, analisaremos o regime internacional do meio ambiente, suas possibilidades e limites, para, em seguida, discutirmos a questão dos resíduos sólidos nessas dinâmicas.

3 O REGIME INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE E A QUESTÃO DOS