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2.1 DOGMA DO ONUS PROBANDI NA MODERNIDADE

2.1.4 Regra de conduta

Ônus subjetivo da prova144 é sinônimo de regra de conduta e de regra de procedimento, tanto em parte da doutrina estrangeira,145quanto na doutrina pátria.146

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BARBOSA MOREIRA. José Carlos. Julgamento e ônus da prova. Temas de direito processual: 2. série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 74. Ressalta que a regra de juízo não é a única técnica de julgamento que pode se valer o juiz nas hipóteses de incerteza. Outra possibilidade é a de que o juiz decida segundo sua íntima convicção, eventualmente apoiado em critérios de probabilidade ou verossimilhança, à luz das afirmações das partes e do confronto delas com a experiência da vida; ou, ainda, que dê ao litígio desate inspirado em considerações de equidade.

144A doutrina clássica afirma que o ônus subjetivo da prova somente é concebível em um procedimento dominado pela máxima dispositiva. Cf. ROSENBERG, La carga..., 2002, p. 46.

145Por todos, ROSENBERG, Ibid., p. 34-35.

146YARSHELL, Antecipação da prova..., 2009, p. 71, é enfático ao afirmar que parece fora de dúvida que aludidas regras dizem respeito à produção da prova e, no contexto das garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, se caracterizam como verdadeiras regras de conduta. Ainda PACÍFICO, O

O ônus objetivo e o ônus subjetivo da prova podem ser considerados partes estruturais que constitui um todo indivisível, i.e., formam o dogma do ônus da prova. Não obstante, há entre ambos expressivas diferenças. Cotejando o ônus objetivo com subjetivo, é possível afirmar que a função e o momento de aplicação de cada um são diferentes.

Outra marcante diferença entre ambos se refere ao destinatário das mencionadas normas sobre o ônus da prova. As regras que estabelecem o ônus subjetivo tem por destinatárias as partes. Já as regras que disciplinam o ônus objetivo da prova tem por destinatário o Estado-juiz.147

A função precípua da regra que disciplina o ônus subjetivo da prova é direcionar a conduta das partes no processo, no tocante à produção da prova e, secundariamente, à obtenção da prova.

Quando a norma positivada estabelece que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, está disciplinando, também, a conduta da parte autora neste sentido. Diante desta regra, a parte autora tem plena ciência que sua conduta deverá ser direcionada, principalmente, à produção da prova do fato constitutivo de seu direito. É uma norma programática. Em efeito, seu conteúdo não veda a produção de quaisquer outras provas pela respectiva parte, apenas direciona, processualmente analisando, a prova essencial que a parte autora poderá produzir. Caso não atenda ao conteúdo programático dessa norma, não sofrerá consequências diretas oriundas dessa própria norma, mas da outra regra, i.e., do ônus objetivo da prova, regra de julgamento.

Em sequência, quando a norma mencionada disciplina que o ônus da prova incumbe ao requerido, quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, está disciplinando a conduta desta parte, neste sentido. A parte requerida tem, assim, plena ciência que sua conduta deverá ser direcionada, principalmente, à produção da prova de fatos desconstitutivos, lato sensu, do direito do autor, sendo essa a prova essencial que a parte requerida deverá produzir.

147Nesse sentido YARSHELL, Antecipação da prova..., 2009, p. 48 e 49. Afirma ainda que essa dicotomia, aspecto subjetivo e objetivo, além de gerar dubiedade quanto ao destinatário das respectivas normas, coloca em xeque a própria concepção de prova como ônus.

Dessa forma, é possível concluir que, sob o viés subjetivo, a norma de procedimento especifica quem deve provar no processo e, além disso, o que deve provar, i.e., qual espécie de fato deve ser provado.148

Importante observar, nesse passo, o fator interesse149da parte na produção da prova e, paralelamente, como as regras processuais efetivamente direcionam a conduta das partes. Apesar da prova ser um direito constitucional amplo e limitado somente por regras igualmente constitucionais, v.g., vedação da prova ilícita, sua produção sofre limitações de ordem processual. O fator interesse na produção da prova é limitado pela própria regra em questão ao estabelecer que esse interesse deva observar a efetiva necessidade. Isto se apresenta claro quando a norma sob enfoque disciplina a natureza do fato que o autor e o requerido tem o ônus de provar.

Em síntese, é possível concluir que o direito constitucional à prova é amplo, porém processualmente limitado pelo interesse-necessidade na produção da prova pela respectiva parte, através da regra de ônus da prova subjetivo. Em adição à presente afirmativa, confirmando-a, necessário apresentar as regras do artigo 400, incisos I e II; 407, parágrafo único, in fine; artigo 420, parágrafo único e incisos; 426, inciso I e artigo 427 do CPC que permitem ao juiz indeferir as provas consideradas desnecessárias no deslinde da demanda.

Quanto ao momento de incidência do ônus subjetivo, termo mais apropriado que momento de aplicação anteriormente utilizado, não resta dúvida que ocorre com o ajuizamento da demanda pelo autor e, com a citação do requerido, ou seja, em âmbito técnico-jurídico, no exato momento em que as regras processuais passam a gerar efeitos jurídicos em relação às partes. Vale ressaltar, conforme afirmado acima, que em relação ao ônus subjetivo da prova, esta norma apresenta conteúdo programático, tendo, assim, plena

148 Nesse sentido DINAMARCO, Instituições..., 2009, v. 3, p. 72-83; LOPES, A prova..., 2002, p. 47; ARENHART, Ônus da prova..., 2009, p. 332.

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ROSENBERG, La carga..., 2002, p. 15, focado na concepção de interesse define o ônus subjetivo da prova como sendo o ônus que incumbe a uma parte de subministrar a prova de um fato controvertido, mediante a sua própria atividade, se quer evitar a perda do processo. BARBOSA MOREIRA, Julgamento e

ônus da prova, 1988, p. 74, também nesse viés, atém-se à idéia do interesse de provar. Afirma que o sistema

parte da premissa, explícita ou implícita, de que o maior interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro, [...]. O desejo de obter a vitória cria para o litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois, para que tais meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa. (grifos do autor).

eficácia e cumprimento de sua função anunciativa antes mesmo do ajuizamento da demanda.

Restou assentado que quando se fala em ônus subjetivo da prova estar-se-á referindo às partes e à produção de provas pelas mesmas. Cada parte tem o interesse- necessidade em demonstrar ao Estado-juiz que os fatos ocorreram da forma como descreveu em sua respectiva peça processual e, via de consequência, que o direito material lhe é devido.

A idéia de ônus subjetivo da prova, na essência, pode ser subdividida em duas vertentes: a) uma relativa ao interesse-necessidade em produzir provas que corroborem suas alegações e, b) uma relativa ao risco de não fazê-lo integralmente ou fazê-lo insuficientemente, ou seja, o risco da prova frustrada.150 Esta segunda vertente não se confunde com o ônus objetivo da prova - regra de julgamento, apesar de com ele convergir. Afinal, as consequências negativas desse risco, i.e., a prova frustrada, está ligada à atividade do magistrado. Este assunto, risco da prova frustrada, será aprofundado adiante.

O problema que ora se vislumbra é que a regra que realiza a distribuição desse ônus subjetivo, ou seja, distribui a produção das provas às partes, regra geral, se dá de forma rígida, prévia e em abstrato. A lei é quem define quem tem o interesse-necessidade de produzir essa ou aquela prova e, ao mesmo tempo, quem sofrerá as consequências da prova frustrada.

É possível ressaltar que esse critério rígido, inflexível, prévio e genericamente estabelecido como se todas as hipóteses e eventos da vida pudessem ser ali enquadrados, utilizado pelo legislador pátrio para fixar esse ônus subjetivo já se encontra ultrapassado, desconforme, juridicamente descalibrado151 ante as mudanças do direito constitucional- processual e da própria sociedade.152

150

Cf. nota 163. PATTI, Prove..., 1987, p. 13, compreende a referida vertente como ônus objetivo da prova, pois seria um risco objetivo. Contra, ARENHART, Ônus da prova..., 2009, p. 335.

151 Termo utilizado em referências às normas de calibração. Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio.

Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 191-197.

152Na distribuição dinâmica do ônus da prova, essa repartição ficaria a cargo do juiz, concorrentemente, com o legislador.

Por fim, insta registrar que a regra do ônus da prova subjetivo é mitigada pelo princípio da aquisição (processual) da prova, uma vez que a prova produzida por uma parte pode, perfeitamente, ser utilizada pelo juiz em benefício da parte ex adversa, ou seja, em favor daquela parte que não a introduziu no processo.153 Assim, não há qualquer vinculação, em âmbito valorativo, entre a parte que produziu determinada prova e o seu resultado.

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