• Nenhum resultado encontrado

Regulação por litígio (Regulation through litigation):

A consagração do princípio da inafastabilidade da jurisdição, insculpido no art. 5º, XXXV, torna a atuação do poder judiciário na análise da regulação econômica uma variável que deve ser levada em consideração. Viscusi, Harrington Jr. e Vernon identificam esse novo fenômeno no mercado de cigarros, mas como corolário da aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição este fenômeno pode ser observado, se não em todos, na maioria dos setores regulados.

Conforme Viscusi, Harrington Jr. e Vernon (2005, p. 9):

A liquidação das ações judiciais gerais sobre cigarro em 1998 pelos procuradores estaduais em mais de 200 bilhões de dólares lançou um novo fenômeno de regulação através do litígio. Tem havido uma dependência cada vez maior dos tribunais para promover mudanças em produtos, incluindo tintas a base de chumbo, armas, implantes mamários, e fast food. As linhas entre a regulação e o litígio tornaram-se turvas, tornando-se cada vez mais importante entender o conjunto mais amplo de instituições sociais que criam incentivos que servem à regulação de comportamento. Para entender o papel do governo no contexto deste tipo de regulação, deve-se avaliar não apenas como as agências reguladoras funcionam, mas quais doutrinas governam o comportamento do tribunal.38

38 "The 1998 settlement of the state attorneys' general cigarette lawsuits for over $200 billion launched

a new phenomenon of regulation through litigation. There has been a steadily increasing reliance on the courts to foster changes in products, including lead paint, guns, cigarettes, breast implants, and fast food. The lines between regulation and litigation have become blurred, making it increasingly important to understand the broader set of social institutions that create incentives that serve to regulation behavior. To understand the role of the government within the context of this type of regulation, one must assess not only how the regulatory agencies function but what doctrines govern the behavior of the court.”

Por outro lado, Andrei Shleifer (2011) compreende que a regulação usual reside na deficiência do poder judiciário em impor contratos a um custo inferior ao da regulação. Assim, para rechaçar a regulação é necessário pugnar pelo bom funcionamento do judiciário. Portanto,

na medida em que os tribunais resolvem disputas modicamente, previsivelmente e imparcialmente, o caso da eficiência por regulação é difícil de implementar na maioria das áreas. Regulação eficiente seria uma exceção, não a regra. Mas quando o litígio é caro, imprevisível ou parcial, o caso da eficiência por regulação ganha voga. Contratos realizam-se menos quando sua interpretação é imprevisível e sua imposição é cara (SHLEIFER, 2011, p.29)39.

Contrapondo a percepção do Direito e Economia neoclássico, que usualmente considera que: (a) a fase instrutória é simples e de baixo custo; (b) os juízes estão empenhados a impor o cumprimento de contratos e leis; (c) os juízes têm conhecimento suficiente para valorar as provas e (d) os juízes são imparciais (LANDES, POSNER, 1975), Shleifer testifica que tais descrições não se perfazem completamente, dando azo a argumentos em prol da regulação (SHLEIFER, 2011, p.31).

Neste sentido, pode-se observar que a fase de instrução é complexa, onerosa e é caracterizada por profundas assimetrias de informação.

Concomitantemente, a proposição de que os juízes se empenham em impor o cumprimento de contratos e leis também deve ser reconsiderada. Faticamente, pode-se admitir que os juízes têm poucos incentivos para despender todos os seus esforços na resolução diligente e escorreita dos processos (EPSTEIN, LANDES, POSNER, 2013). Sob essa perspectiva, Shleifer compreende que

Os fracos incentivos para os juízes trabalharem duro são particularmente importantes quando o custo de verificação é alto, como quando os fatos são complexos. E quando juízes não se preocupam em verificar, os litigantes arcam com o risco de erro judicial. Empresas podem deixar de tomar precauções, por exemplo, com a esperança de confundir o juiz40

(SHLEIFER, 2011, p.34).

A imparcialidade dos juízes também é, em alguns casos, dubitável. Spiller e Tommasi (2008, p.533) atestam que os tribunais frequentemente têm fortes

39 “Insofar as courts resolve disputes cheaply, predictably, and impartially, the efficiency case for

regulation is difficult to make in most areas. Efficient regulation would be an exception, not the rule. But when litigation is expensive, unpredictable, or biased, the efficiency case for regulation opens up. Contracts accomplish less when their interpretation is unpredictable and their enforcement is expensive.”

40 “The weak incentives of judges to work hard are particularly important when the cost of verification

is high, as when the facts are complex. And when judges do not bother to verify, litigants bear the risk of judicial error. Firms might fail to take precautions, for example, hoping to confuse the judge.”

motivações ideológicas e preferências políticas bem definidas. Ademais, a parcialidade dos tribunais é mais suscetível nos sistemas jurídicos em que a separação dos poderes não é bem delineada e o pluralismo político é enfraquecido.

Diante dos reveses da prestação jurisdicional eficiente, a regulação pode emergir como solução eficiente para os problemas contratuais. Com este viés, a regulação tende a homogeneizar os requisitos para uma conduta escorreita das partes. Desta forma, a regulação pode reduzir os custos do processo ao criar padrões a serem seguidos pelas partes. Diante de tais padrões, o juiz pode verificar mais facilmente onde reside a culpa pelo descumprimento contratual.

O conhecimento pormenorizado dos reguladores sobre o setor regulado também pode contribuir para a redução dos custos para se conhecer as nuances do fato objeto das desavenças. Os reguladores, porém, não estão isentos das vicissitudes que acometem os juízes. Segundo Shleifer (2011, p. 39)

em nível de implementação, todas as reclamações feitas contra os juízes aplicam-se também aos reguladores. Esforços de aplicação, experiência e falta de tendência no setor público podem ser bastante questionados. Reguladores são empregados do setor público, e como tal, muitas vezes faltam incentivos para o trabalho duro, sabem menos do que deveriam, exibem preferências políticas inconsistentes com a eficiência, e são vulneráveis a subversão por aqueles que eles regulam41.

Diante das considerações, revela-se precipitado relegar, prima facie, um modo de organização de monopólios naturais em favor de outro. Se não há modo de organização de monopólios naturais sem fricção, conforme assevera Williamson (1976, p.75), e se na realidade nos deparamos com um sistema híbrido, decorrente da previsão regulatória do art. 174 da Constituição e do princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, é necessário levar em consideração, concomitantemente, estes modos de organização do monopólio natural quando da análise das eficiências da regulação da energia elétrica no Brasil.

41 “At the level of implementation, all the complaints leveled at judges apply to regulators as well.

Enforcement effort, expertise, and absence of bias in the public sector can all be fairly questioned. Regulators are public sector employees, and as such often lack incentives for hard work, know less than they ought to, exhibit policy preferences inconsistent with efficiency, and are vulnerable to subversion by those they regulate.”

5 DIREITO INSTITUCIONAL ECONÔMICO