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O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados como divisa para o século

CAPÍTULO I – O enquadramento histórico-normativo da proteção de dados

5. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados como divisa para o século

pessoais

As instituições da União Europeia, pelo menos desde 2012, vinham publicitando a necessidade de empreender uma revisão ou reforma do quadro legal

da proteção de dados pessoais então em vigor163, atualizando e adaptando às novas

necessidades, resultantes, nomeadamente, da pressão dos avanços tecnológicos, da globalização e do desenvolvimento da economia digital, o regime instituído pela Diretiva 95/46/CE, e adotando um quadro institucional mais firme e um quadro normativo mais coerente. De resto, a fragmentação de regimes nacionais, resultante das várias transposições da Diretiva 95/46/CE, era uma das causas que, tecnicamente e sob o prisma da segurança e uniformidade jurídicas, justificaram

também essa necessidade de reforma164/165. Assim sendo, sempre foi manifesta a

159 Nestes termos, cf. PINHEIRO, Alexandre Sousa – Privacy e Proteção de Dados Pessoais…, op. cit., pág. 661. 160 Esta Diretiva não é, pois, afetada pelo surgimento do art. 16.º do T.F.U.E. Ibidem, pág. 661.

161 Cfr. EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS AND COUNCIL OF EUROPE – Handbook…, op. cit., pág. 29. 162 De acordo com SILVEIRA, Alessandra; FROUFE, Pedro – Do mercado interno à cidadania…, op. cit., págs. 18 e 20. 163 Ibidem, pág. 9.

164 Ibidem, pág. 9.

165 A este respeito, é elucidativo o considerando n.º 9 do R.G.P.D., que prevê o seguinte: “[o]s objetivos e os princípios da Diretiva 95/46/CE continuam a ser válidos, mas não evitaram a fragmentação da aplicação da proteção dos dados ao nível da União, nem a insegurança jurídica ou o sentimento generalizado da opinião pública de que subsistem riscos significativos para

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intenção de se avançar com um regulamento uniformizador que revogasse e

substituísse a referida Diretiva 95/46/CE166.

Em 25 de janeiro de 2012, a Comissão Europeia propôs um pacote de reforma legislativa sobre a proteção de dados, afirmando que era necessário modernizar as atuais regras sobre proteção de dados, à luz da rápida evolução

tecnológica e da globalização167, apresentando uma Proposta de Regulamento Geral

sobre a Proteção de Dados, que desenrolou um longo processo negocial, com

especial intensidade durante os anos de 2014 e 2015168, que deveria revogar e

substituir a Diretiva 95/46/CE. Todavia, foi apontada a falta de clareza que afetava a Proposta de Regulamento, nomeadamente em relação a algumas questões fundamentais do regime sancionatório – domínio onde é naturalmente de esperar – e mesmo de exigir –, juridicamente, um maior cuidado em termos de determinação

das soluções169.

Ainda assim, tendo em conta a rápida evolução tecnológica, a União Europeia adotou a nova legislação, em 4 de maio de 2016, por forma a adaptar as

regras de proteção de dados à era digital170. Na verdade, o que o R.G.P.D. toma como

paradigma é a tecnologia hoje disponível para a realização de tratamentos de dados pessoais e, portanto, visa conciliar a utilização de soluções tecnológicas no seu estado atual e futuro de desenvolvimento e os riscos que comportam, com a defesa

dos direitos e liberdades das pessoas cujos dados são objeto de tratamento171.

Assim, foi publicado o R.G.P.D., que se tornou aplicável em 25 de maio de 2018, substituindo e revogando a Diretiva 95/46/CE, e cujo cerne é, de facto, o tratamento da proteção de dados pessoais que, nos termos do considerando n.º 4 do

R.G.P.D. “[…] deverá ser concebido para servir as pessoas […]”172.

a proteção das pessoas singulares, nomeadamente no que diz respeito às atividades por via eletrónica. As diferenças no nível de proteção dos direitos e das pessoas singulares, nomeadamente do direito à proteção dos dados pessoais no contexto do tratamento desses dados nos Estados-Membros, podem impedir a livre circulação de dados pessoais na União. Essas diferenças podem, por conseguinte, constituir um obstáculo ao exercício das atividades económicas a nível da União, distorcer a concorrência e impedir as autoridades de cumprirem as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União. Essas diferenças entre os níveis de proteção devem-se à existência de disparidades na execução e aplicação da Diretiva 95/46/CE”. 166 Segundo SILVEIRA, Alessandra; FROUFE, Pedro – Do mercado interno à cidadania…, op. cit., pág. 9.

167 Cfr. AGÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA E CONSELHO DA EUROPA – Manual..., op. cit., pág. 21. 168 De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei de Proteção de Dados Pessoais. [Consulta em 20 de fevereiro de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2Gubok0.

169 Neste sentido, cf. MOUTINHO, José Lobo; RAMALHO, David Silva – Notas sobre o regime sancionatório da Proposta de

Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados do Parlamento Europeu e do Conselho – Em Foco: O Novo Quadro Legal Europeu.

Revista Fórum de Proteção de Dados. Portugal: Comissão Nacional de Protecção de Dados. N.º 1, julho de 2015, págs. 21-35. 170 De acordo com EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS AND COUNCIL OF EUROPE – Handbook…, op. cit., pág. 17.

171 De acordo com o Parecer n.º 20/2018, de 2 de maio de 2018, Processo n.º 6275/2018, da Comissão Nacional de Proteção de Dados (C.N.P.D.). [Consulta em 20 de fevereiro de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2GrYSjQ. Pág. 2. 172 “Servir as pessoas” é o mote e ponto de partida do Regulamento e da Proposta de Lei de Proteção de Dados Pessoais para a regulamentação do tratamento de dados e do regime sancionatório agora em discussão, com a salvaguarda de interesses

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A reforma assenta em vários pilares, entre os quais: normas coerentes, procedimentos simplificados, ações coordenadas, participação dos utilizadores,

informações mais eficazes e poderes coercivos reforçados173. No entanto, esta

reforma não significa que tenha sido estabelecida uma rutura absoluta entre o sistema de proteção de dados contido na Diretiva 95/46/CE e o sistema adotado pelo R.G.P.D. De facto, são muitas as situações de continuidade e há definições

fulcrais que não foram afetadas174.

Para além de uma dimensão económica, fruto da necessidade de garantir a livre circulação dos dados pessoais, para a construção de um mercado sem

fronteiras175, o R.G.P.D. foi especialmente pensado para a proteção dos cidadãos,

face ao tratamento de dados pessoais em larga escala, por grandes empresas e

serviços da sociedade da informação176. Assim, o tema da proteção de dados

pessoais, conforme enquadrado pelo R.G.P.D., está intimamente contextualizado

pela proteção dos direitos fundamentais num mercado único digital177. A União

Europeia avança «por mares nunca antes navegados», num mercado único digital, com novos serviços, produtos e com uma consciência democrática direcionada para

a proteção de todos os direitos fundamentais, cfr. os considerandos n.os 4 e 5 do

R.G.P.D.178/179. A proteção de dados pessoais através de um regulamento que se

queria uniforme e com aplicabilidade direta em todos os Estados-Membros da União Europeia possibilitaria, em teoria, uma melhor integração das capacidades, serviços

públicos, tais como, e.g.: a segurança pública, a prevenção, a investigação, a deteção e a repressão de infrações penais e/ou a execução de sanções penais, a salvaguarda e a prevenção de ameaças, segundo SILVÉRIO, David – Os sistemas de

videovigilância…, op. cit., pág. 36.

173 Cfr. o GRUPO DE TRABALHO DO ART. 29.º DA DIRETIVA 95/46/CE PARA A PROTEÇÃO DE DADOS – Diretrizes de aplicação

e fixação de coimas para efeitos do Regulamento 2016/679, 17/PT, WP 253, adotadas em 3 de outubro de 2017. [Consulta em

20 de fevereiro de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2VRYiCx. Pág. 4.

174 Neste sentido, ver a Exposição de Motivos da Proposta de Lei de Proteção de Dados Pessoais. [Consulta em 20 de fevereiro de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2Gubok0.

175 Nestes termos, vide Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões (COM (2012) 9 final) – Protecção da privacidade num mundo interligado

– Um quadro europeu de protecção de dados para o século XXI. Bruxelas, 25 de janeiro de 2012. [Consulta em 20 de fevereiro

de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2UsqmLg. Pág. 9.

176 De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei de Proteção de Dados Pessoais. [Consulta em 20 de fevereiro de 2019]. Disponível para consulta em: http://bit.ly/2Gubok0.

177 Em conformidade, veja-se GABRIEL, João – Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro – Aplicabilidade extraterritorial do

Regulamento Geral de Proteção de Dados. Vida Judiciária. Porto, Portugal: Vida Económica. N.º 207, maio-junho de 2018, pág.

26.

178 A este respeito, o considerando n.º 5 do R.G.P.D. prevê que “[a] integração económica e social resultante do funcionamento do mercado interno provocou um aumento significativo dos fluxos transfronteiriços de dados pessoais” e “[o] intercâmbio de dados entre intervenientes públicos e privados, incluindo as pessoas singulares, as associações e as empresas, intensificou-se na União Europeia […]”. Todavia, face a esta nova realidade, o considerando n.º 4 do R.G.P.D. acrescenta que “[…] [o] presente regulamento respeita todos os direitos fundamentais e observa as liberdade e os princípios reconhecidos na Carta, consagrados nos Tratados, nomeadamente o respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pelas comunicações, a proteção dos dados pessoais, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de empresa, o direito à ação e a um tribunal imparcial, e a diversidade cultural, religiosa e linguística”. 179 De acordo com GABRIEL, João – Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro…, op. cit., pág. 26.

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e desafios de um mercado digital com a proteção dos direitos, liberdades e garantias

dos povos da Europa180. O desenvolvimento económico, sustentado no respeito

pelas tradições constitucionais dos povos da Europa, é um pilar fundamental da construção comunitária, constituindo um «leitmotiv» que transparece nos trabalhos,

discussões e considerandos do R.G.P.D.181.

Infelizmente – apesar de num ou noutro aspeto se ter verificado uma certa clarificação em relação ao texto da Proposta de Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados –, não é mais positivo o juízo global que merece o texto final do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que tem sido alvo das mais variadas

críticas. Bem pelo contrário182.

6. A génese e a evolução do direito à proteção de dados pessoais no