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2. SER MÚSICO NO SÉCULO XXI

2.3 Profissionalização: contribuições da Sociologia das Profissões

2.3.1 Regular e regulamentar: as dificuldades no estabelecimento da profissão de

para as exigências técnicas da ocupação.

Os autores também ressaltam a representação social corrente sobre o trabalho artístico e a figura do músico, para o qual seria incompatível manter concomitantemente a criatividade e as preocupações cotidianas do trabalho regular e básico, especialmente na música “ligeira guiada pela indústria cultural”. A presença em redes sociais se tornou condição até para a comercialização de arquivos de música, embora o trabalhador musical dê aulas, componha sob demanda, toque em eventos e precise ser plural em estilos e gêneros musicais.

As aulas de instrumento predominam como atividade para 63,80% dos respondentes de pesquisa realizada em Goiânia, embora os homens considerem-se mais executantes do que professores (64,1% contra 31,1%). Para as mulheres, tem-se o inverso (18% executantes e 77,3% professoras de música). Os autores chamam a atenção para a escolaridade dos respondentes, visto que todas as mulheres da sua amostra possuíam, ao menos, superior incompleto. A presença de uma rede de contato, à semelhança do descrito por Becker (2008), foi detectada e sinalizada: “Hoje, o melhor currículo é a indicação de um amigo. É um ditado complicado, mas é a verdade” (NUNES; MELLO, 2011, p.17).

2.3.1 Regular e regulamentar: as dificuldades no estabelecimento da profissão de músico

O órgão criado para regular e fiscalizar o trabalho dos músicos profissionais foi a Ordem dos Músicos do Brasil, por meio da Lei 3.857/1960. Nela estão explicitadas suas funções e prerrogativas, devendo exercer “seleção, disciplina e defesa de classe”, sendo mantidas as atribuições do Sindicato dos Músicos. A efetividade da OMB, contudo, tem sido sistematicamente questionada e levada à justiça por músicos que se sentem prejudicados pela condução e total ausência do órgão na defesa de seus interesses, fazendo-se presente apenas quando das cobranças de anuidades pelos Conselhos Regionais e multas por falta às eleições obrigatórias.

Reza o Artigo 16 da Lei de criação da OMB que “os músicos só poderão exercer sua profissão depois de regularmente registrados no órgão competente do Ministério de Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de sua atividade” (BRASIL, 1960). O Artigo 26 elenca atribuições da OMB, entre elas promover cursos de aperfeiçoamento profissional. Podem exercer a profissão de músico os diplomados em instituições reconhecidas, os catedráticos e os regentes renomados, os alunos dos dois últimos

anos de curso de música, os músicos práticos mediante certificação concedida pela própria entidade. O Artigo 30 trata das incumbências do compositor de música erudita e regente, incluída a docência em estabelecimentos especializados ou privadamente, assim como para o instrumentista e cantor, o que não é explicitado nas categorias de regentes de grupos populares. Para a docência nas então escolas primárias e secundárias, estão aptos somente os diplomados em curso de formação de professores. Para preenchimento de cargo público como instrumentistas, a preferência é dada aos diplomados “em igualdade de condições” com os outros concorrentes. Neste documento fica estabelecido um salário base a ser assegurado aos profissionais e regulações de tempo de trabalho.

À época de sua criação, a OMB foi um grande passo na estruturação da profissão. Hoje em dia, contudo, sua atuação tem sido bastante criticada. Tome-se como exemplo o movimento “Frente Brasil pelo fim da Ordem dos Músicos do Brasil”, que cita o Artigo 5 da Constituição brasileira como meio de preservar-se do anacronismo da atuação do órgão, chamado de policialesco e arrecadatório. A suas ações se somam as da frente Parlamentar em Defesa dos Músicos e Compositores do estado de São Paulo. Os cargos de chefia mantidos em forma quase vitalícia municiam as reclamações de ineficácia e irregularidades. Tendo sido impetrada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, há um Acórdão que esclarece:

A Lei nº 3.857/60 não exige o registro na OMB de todo e qualquer músico para o exercício da profissão, mas apenas dos que estão sujeitos à formação acadêmica sob controle e fiscalização do Ministério da Educação, e que atuam em áreas nas quais a aferição da habilitação técnica e formação específica sejam imprescindíveis à atividade profissional. O músico que atua em bares, restaurantes, festas e ambientes congêneres não desempenham atividade que exija técnica e habilitação profissional sob controle e fiscalização do órgão profissional que, cabe destacar, não tem função sindical, em prol de seus associados, mas age no interesse público de proteger a sociedade contra o exercício irregular da profissão. Não existe risco social, mesmo em abstrato, no exercício, em casos que tais, da profissão de músico por pessoa, dotada de talento, ainda que sem formação acadêmica, para efeito de justificar a exigência de escolaridade própria, registro profissional e controle da atividade pela OMB, como pretendido, à revelia do espírito e da finalidade da própria Lei (FRENTE BRASIL PELO FIM DA OMB, 2011).

Há precedentes de Mandatos de Segurança coletivos contra a exigência da carteira da OMB para exercício profissional, como o que se segue:

O exercício da profissão de músico independe de inscrição junto ao Conselho (Regional da OMB), pois a Constituição assegura a livre manifestação de pensamento, de criação, de expressão e de informação, isentando-se censura prévia. Como manifestação da arte, a música e o seu autor ou intérprete submetem-se à fiscalização da opinião pública, nada justificando o policiamento administrativo realizado pelo Conselho (FRENTE BRASIL PELO FIM DA OMB, 2011).

Há também julgamentos à favor das exigências de filiação à OMB para exercício profissional dos músicos, como o proferido pela Desembargadora Federal Regina Helena Costa, em 2010, ao tratar de apelação da entidade contra músicos impetrantes no estado de São Paulo. No registro documental, explicita que:

[...] cumpre observar que os Conselhos e Ordens Profissionais criados mediante lei, destinam-se à fiscalização do exercício profissional, exercendo controle sobre as respectivas atividades. Assim, no caso de falta de ética ou falha de comportamento do músico ou cantor contratado, o prejudicado tem a quem reclamar, para que aquele seja punido, por meio de procedimento disciplinar. Por sua vez, a profissão de músico encontra-se regulamentada pela Lei n. 3.857/60, a qual criou a Ordem dos Músicos do Brasil (TRF, 2010). Além dos Artigos 1 e 14, que tratam das finalidades da OMB e das atribuições dos Conselhos Regionais, embasam parecer e decisão também os seguintes:

Art. 16. Os músicos só poderão exercer a profissão depois de regularmente registrados no órgão competente do Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de sua atividade.

Art. 17. Aos profissionais registrados de acordo com esta lei, serão entregues as carteiras profissionais que os habilitarão ao exercício da profissão de músico em todo o país.

Art. 18. Todo aquele que, mediante anúncios, cartazes, placas, cartões comerciais ou quaisquer outros meios de propaganda se propuser ao exercício da profissão de músico, em qualquer de seus gêneros e especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado (TRF, 2010).

Desta forma, conclui que o vínculo à OMB, como entidade fiscalizadora legalmente instituída é uma exigência legal e que os dispositivos legais estão em consonância com a Constituição Federal de 1988. Destaca, em função do Art.5°, XIII, que o entendimento sobre liberdade de expressão diz respeito aos conteúdos das atividades, o que não as exime do exigido legalmente para o exercício da profissão. A Desembargadora discorre sobre o entendimento do exercício profissional dos músicos, ampliando a visão legal sobre o assunto, e clarificando a presença da lei na estruturação da profissionalização:

[...] não obstante a música constitua uma modalidade de expressão artística, na medida em que sua prática torna-se uma profissão, perfeitamente possível a criação de uma entidade fiscalizadora, objetivando assegurar um comportamento digno e ético dos profissionais que dela tiram seu sustento. Destarte, é inaceitável o argumento de que, sob o manto do princípio constitucional da liberdade de expressão, músicos profissionais sejam eximidos de se inscrever perante a respectiva autarquia profissional, em desapreço a outras normas constitucionais e legais. Desse modo, não se revelando absoluta a liberdade de manifestação artística, pode a lei estabelecer os critérios que habilitam uma pessoa ao desempenho profissional da atividade escolhida, objetivando, com essas limitações ao exercício do direito individual, a proteção da sociedade. Não é todo músico, portanto, que está obrigado a inscrever-se nos quadros da Ordem dos Músicos do Brasil (TRF, 2010).

E complementa o julgamento com a descrição do que é entendido por músico, possibilitando a comparação com conceituações em outras áreas:

Músico profissional é aquele inserido no mercado de trabalho, percebendo rendimentos em razão de sua manifestação artística para sua sobrevivência e a de seus familiares, não constituindo a música simplesmente uma atividade de lazer. É aquele que vive de sua música, sendo contratado para tocar ou cantar em bares, shows, restaurantes, orquestras, etc, ou que pretende ter sua música executada em rádio ou televisão, não devendo ser, necessariamente, músico diplomado em curso superior ou conservatório musical. A inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil é obrigatória aos músicos profissionais, ou seja, aqueles que auferem rendimentos com sua manifestação artística, descaracterizado o subemprego (TRF, 2010).

Como exposto, a profissão de músico é fonte de controvérsias que adentram

distintas esferas da sociedade, como a jurídica. Tais instâncias, ao estabelecer regramentos para o exercício profissional, contribuem para a estruturação do tipo de formação que é pensado no campo educativo. Considere-se que a própria OMB propicia cursos de qualificação e confere certificação. Os debates sobre o profissionalismo na música consideram achados de pesquisadores da área sociológica, de forma a esclarecer diferentes facetas desta atividade.

2.4 Economia Criativa: uma janela de oportunidades para a Educação