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O REINO DE DEUS É PALAVRA ACONTECIDA

2. JESUS SE FEZ PROFETA PELO REINO DE DEUS

2.2 O REINO DE DEUS É PALAVRA ACONTECIDA

A Palestina do Império Romano do século I era um ambiente em efervescência, a realidade era de muita violência, instituída pelo império como ferramenta de controle, e também de conflitos entre os diversos judaísmos praticados e destes com as elites religiosas. Na religião, circulavam com imensa relevância os escritos apocalípticos, e, nas ruas, lideres apocalípticos ganhavam notoriedade com suas profecias escatológicas, a exemplo de João Batista, Teudas e Judas o Galileu (MIRANDA, 2008, P.48). Vários postulantes a messias se apresentaram nesse tempo, e todos, de um jeito ou outro, eliminados.

Jesus, saído do grupo do batista, distancia-se do primo e mestre e dedica-se inteiramente e intensamente em seu próprio movimento itinerante. Recém-inaugurado, o movimento de Jesus em pouco tempo adquire relevância, e, embora sendo apenas mais um dentro dos muitos movimentos e judaísmos existentes na Palestina do Império Romano do século I, amplia-se, na mesma proporção que incomoda, e, Jesus, assim como outros líderes, tornou-se uma ameaça a ser eliminada.

Se o nome de Jesus, para o círculo elitista religioso político judaico, e, consequentemente também para o império romano, representa mais uma ameaça ao convívio social religioso, por ferir o status quo, nos círculos populares, Jesus tornara-se o portador da Boa Notícia (to euanggélion toû theoû). Nele, vários prismas se encontram. Enquanto suas curas, no imaginário popular, fazem lembrar os grandes profetas Elias e Eliseu, do Reino de Israel ao norte, onde situa-se a Galileia, sua terra e provavelmente a região que mais circula com seu movimento, as palavras de sabedoria e oráculos de juízo lembravam Isaías e Jeremias, grandes profetas de Judá, no Sul.

Outra característica profética de Jesus são as fortes críticas sociais, aos moldes de Oséias e Amós, do Reino de Israel e Miquéias, de Judá.

Os primeiros escritos do Segundo Testamento são de Paulo, que elabora uma bem construída cristologia e seus escritos permite-nos traçar itinerários de sua vida missionária, tornou-se conhecida sua caminhada evangelizadora. Diferentemente de Paulo, o itinerário de Jesus não é possível reconstruir, apenas, conseguimos saber por onde andou, onde chegou com sua mensagem, e quais destas comunidades acolheram o “Reino” por ele apresentado. Muito interessante e intrigante é pensar que, pelo que nos apresentam os evangelhos, Jesus nunca deu uma definição concreta sobre o que exatamente seria o Reino que tanto insistia para que aceitassem com urgência. O que fica evidente no anúncio de Jesus, é que o Reino de Deus é completamente distinto do

conceito que os judeus conheciam e esperavam, é uma novidade no meio popular apresentar um Reino que não pretende se estabelecer através da força, da violência, mais ainda, se opõe fortemente a tais práticas (Mt 26,52-53).

Jesus é um profeta apaixonado pelo Reino (PAGOLA, 2011, p. 115), e, por este reino esvazia-se, prioriza-o, deixa família, trabalho, toda sua vida em Nazaré, para acontecer o Reino e vê-lo transformando toda a realidade. Sua determinação vem de uma certeza brotada no mais íntimo de si: O Reino de Deus já acontece, não mais virá, pois, já está. Essa certeza arde dentro de Jesus, e ele sente-se impelido em implantá-lo com veimplantá-locidade, sabe que uma novidade dessas pode provocar reações com punições exemplares, seja pelo sinédrio judaico, seja pelo governo romano. No contexto do Império Romano do século I, toda ameaça a Pax romana, ou seja, qualquer movimento que representasse alguma ameaça à ordem estabelecida, era cruelmente e exemplarmente castigada, seja pelo próprio império ou por seus reis vassalos, é a violência como instrumento de desencorajamento de uma insurreição de rebeldes. O grande desafio para Jesus, é convencer as pessoas que o seu anuncio é verdadeiro e não apenas mais um candidato a salvador da nação, visto que, em seu tempo, muitos movimentos messiânicos disputavam autenticidade.

Por outro lado, o desafio para o povo é acreditar nesse projeto ousado, com diferenças características e determinantes entre o projeto de Jesus e os demais movimentos proféticos messiânicos da Palestina do século I. Embora o termo Reino de Deus fosse uma expressão conhecida dos judeus, nos moldes apresentados por Jesus, somada a sua sabedoria, era completamente inédito, provavelmente este seja o motivo de tamanho encantamento do povo com a proposta (Mc 1,22; 6,2; 7,28). O que Jesus consegue despertar no imaginário e no coração do seu povo é uma nova significação para o entendimento de se viver num Reino que seja verdadeiramente de Deus, um projeto de vida em sociedade, mas, uma nova forma de sociedade. Seu projeto insiste na construção do Reino da não violência, da não rigorosidade da Lei, da abertura à todas as pessoas e povos que o aceitasse, é a proposta de vida em comum unidade, e do amor que os evangelistas chamam ágape, com sua essência de priorizar o próximo, de diminuir-se em favor do semelhante. O projeto se demonstra muito desafiador para um povo, que sempre aprendeu da sua religião, ser povo eleito, escolhido, separado e predileto de Deus (Ex 19,6; 1Pe 2,9).

Os escritos bíblicos, extra bíblicos e históricos, apresentam as tensões religiosas e políticas em torno da proposta e da implantação do movimento de Jesus, do mesmo modo, também pode-se conhecer os conflitos, cruéis e sangrentos, que vieram acontecer, mas, não somente conflitos e tensões, é possível encontrar também as

adesões de diversas comunidades e povos ao projeto. Jesus, irrompe na história da humanidade para promover e oferecer o que ele chamou de vida em abundância (Jo 10,10). Foi compreendido e aceito por muitos, incompreendido, perseguido e morto por outros, por isso sua profecia foi um enorme desafio para os judeus do século I.

3 DESAFIOS PARA OS CRISTIANISMOS DE HOJE

O cristianismo remonta aproximadamente dois milênios com sua linha do tempo trazendo uma variedade de eventos. Dentre esses eventos, o mais importante sem dúvidas foi a institucionalização do cristianismo. O que antes fora um novo movimento dentro do judaísmo, apenas grupos marginais que deixaram tudo para trás por acreditar e querer viver o sonho de Jesus, chamado Reino de Deus, e que, não aceitos pelas autoridades religiosas do primeiro século, acabam sendo expulsos das sinagogas, tornados proscritos de sua religião, transformou-se mais tarde numa instituição religiosa oficial, com diversas interpretações e reinterpretações doutrinais sobre o Reino de Deus no curso do tempo desde sua origem.

Sem pretensão de aprofundar os acontecimentos e contextos históricos na linha do tempo da Igreja cristã, atemos apenas à nossa contemporaneidade, nos diversos cristianismos de hoje, com igrejas que dialogam e divergem em vários conceitos teológicos doutrinais. Desde a reforma protestante a igreja cristã se fragmentou, surgindo outras possibilidades de interpretação sobre o Reino de Deus. O advento do neopentecostalismo colaborou para a ampliação dessa fragmentação, pois, germinou e pariu dentro das Igrejas Cristãs outra reinterpretação, inaugurando um cristianismo reformulado, uma renovação frente ao cristianismo tradicional e conservador.

Protagonizando a Pessoa do Espírito Santo, e uma práxis voltada à práticas taumatúrgicas, com suas celebrações de cura, exorcismos e louvores, a interpretação do Reino de Deus para os neopentecostais tem uma dimensão mais espiritualizada, seus fiéis são espiritualistas, e sua religiosidade é mais individualista, de certa maneira, descompromissada, priorizando o indivíduo em detrimento do comprometimento tão ensinado e ordenado por Jesus em defesa dos mais pobres e vulneráveis, numa luta ininterrupta de promoção da vida e da dignidade da pessoas humana.

Outra filosofia cristã, mais presente na América Latina desde os idos de 1960, é a chamada Teologia da Libertação, que enfatiza uma hermenêutica bíblica chamada pelos adeptos de “pé no chão”. A práxis da teologia da libertação é uma interpretação do Reino de Deus como uma comunidade de iguais, sem diferenças de nenhuma ordem, seja econômica ou religiosa. Mantém uma religiosidade de crítica social e também de

crítica a hierarquia religiosa, defende uma forma não piramidal de ser Igreja, ou seja, pensa um cristianismo mais “parecido” com o formato tribal do Primeiro Testamento.

Nesse contexto plural, de diversos cristianismos, como fora plural o judaísmo do século I, se faz muito importante e desafiador uma teologia com um olhar mais cuidadoso, buscando um entendimento mais amadurecido sobre o singular profetismo de Jesus em vista de uma mais acertada interpretação do seu anuncio, podendo desta maneira, realmente imitar, replicar e ampliar esse projeto pelo qual Jesus dedica toda sua vida (Jo 14,12). No curso do tempo, o cristianismo e suas instituições, apresentaram múltiplas interpretações no entendimento de profetismo de anuncio do Reino de Deus, conforme a pluralidade dos cristianismos que emergiam. As Igrejas e comunidades cristãs vem caminhando ao longo dos séculos, pregando uma prática profética, à luz e em nome de Jesus, com o fim de alcançar o tão desejado Reino. O desafio para aos cristãos do século XXI assemelha-se ao dos judeus contemporâneos de Jesus, que precisavam, entre tantas coisas, superar o legalismo religioso, a falta de consciência social, fraternidade e caridade; por exemplo.

CONCLUSÃO

Antes de ser o Cristo da fé dos cristãos, Jesus foi um profeta judeu que viveu no contexto do Império Romano, e, assim como outros notáveis profetas da história judaica, lutou as mesmas causas em defesa do seu povo, chamado por ele e por eles, de povo de Deus. Seu objeto de anuncio é o Reino de Deus, que, diferente da perspectiva apocalíptica, não virá, pois, já acontece, já está no meio da humanidade. O reino de Deus como Jesus implantou, foi aceito por uma pequena parcela do judaísmo, pois, haviam vários judaísmos praticados naquele contexto. Da mesma forma, com a passagem do cristianismo movimento para o cristianismo instituição, surgiram cristianismos, e, estes, divergem em suas práticas hermenêuticas, crenças, culto, e entendimento sobre a pessoa de Jesus. É preciso abertura e diálogo ecumênico (não doutrinal), bem como, o interesse sério em realizar o projeto do Reino em sua essência, como apresentam as narrativas do Novo Testamento, da parte das lideranças cristãs. O desafio é enorme porque exige das instituições, um despojamento do status quo, se despir da autoridade e poder, para viver a entrega, a comunhão e a fraternidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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