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O PROFETISMO DE JESUS E O REINO DE DEUS COMO LEGADO.

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Teologia

Cristiano Aparecido dos Santos

O PROFETISMO DE JESUS E O REINO DE DEUS COMO LEGADO.

Desafio para os judeus do século I e para os cristãos do século XXI

ITATIBA

2021

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CRISTIANO APARECIDO DOS SANTOS – R.A. 007201941064

O PROFETISMO DE JESUS E O REINO DE DEUS COMO LEGADO

Desafio para os judeus do século I e para os cristãos do século XXI

TCC apresentado ao Curso de Teologia da Universidade São Francisco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Teologia.

Orientador metodológico: Prof. Dr. Welder Lancieri Marchini

Orientador temático: Prof. Sandro Silva Araújo

Itatiba

2021

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso em Teologia, tem o objetivo de encontrar uma hermenêutica mais assertiva na interpretação da práxis profética de Jesus, identificando os frutos por ele deixado, buscando iluminar os caminhos de evangelização das comunidades, bem como, responder, assim como fora aos judeus do primeiro século, aos desafios lançados sobre os cristianismos hodiernos, que, também sustentam, nas escrituras e nas tradições, as suas práticas religiosas. Para tal, utilizou-se de pesquisas das escrituras bíblicas, canônicas e extra canônicas, e, também de materiais e textos de autores, teólogos e teólogas, que se dedicaram a estes mesmos problemas.

Constata-se pelos estudos, que, a pluralidade dos cristianismos, fruto da diversidade de interpretações de cada instituição cristã, ocorridas em tempos idos, em determinados períodos da história, promovem, de certa maneira, um fechamento doutrinal nestas, e, em suas comunidades, tornando mais difícil uma abertura e um diálogo em relação a novas hermenêuticas, mais próximas e fiéis daquelas praticadas por Jesus.

Palavras-chave: Cristianismos. Diversidade. Pluralidade. Hermenêutica. Império Romano.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 05

1 QUEM DIZEM OS HOMENS QUE EU SOU... 06

1.1 A PROFECIA DE JESUS NAS ESCRITURAS... 07

2. JESUS SE FEZ PROFETA PELO REINO DE DEUS... 08

2.1 O MOVIMENTO PROFÉTICO ... 09

2.2 O REINO DE DEUS É PALAVRA ACONTECIDA... 11

3 DESAFIOS PARA O CRISTIANISMO DE HOJE... 13

CONCLUSÃO... 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 15

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INTRODUÇÃO

Na Galileia do século I, sob domínio do Império Romano, e, em meio a uma efervescência de acontecimentos políticos e religiosos, diversos movimentos messiânicos emergem e são eliminados violentamente pela conhecida hostilidade dos soldados romanos (MALINA, 2004, p.45-74). Vindo de Nazaré, Jesus é mais um líder popular que coloca sua vida em risco por uma causa; seus contemporâneos ô tem por um profeta, e, colocam-no comparado a grandes conhecidos do povo judeu. Chamam- no João Batista, Elias, entre outros (Mc 8,27). Tendo convivido um tempo com o Batista, e, conhecedor dos textos de profecia, Jesus se identifica à luta profética, nela se inspira, criando um novo movimento. Esse movimento objetiva implantar o que Jesus chama de Reino de Deus, não da forma como os judeus conheciam o termo, trata-se de novo conceito de Reino de Deus, uma inovadora forma de vida, buscando outra realidade possível, numa transformadora maneira de ser Povo de Deus.

As Escrituras continuam sendo as fontes que mais fornece-nos materiais de estudo para uma melhor aproximação do que teria sido a práxis do Galileu Jesus, sejam elas canônicas ou extra bíblicas. Outras fontes valiosas são os diálogos que conseguimos obter com teólogos e teólogas que se debruçaram sobre este assunto, através de suas obras e materiais de pesquisa, embora não encontremos materiais abundantes que indiquem uma “consciência profética” da parte de Jesus. “Muito mais abundantes são os indícios de que foi tomado por profeta pelos que o observavam e ouviam.” (PIXLEY, 2004, p.74). Quem pode ouvi-lo, acompanha-lo, segui-lo, enxergou nele um profeta, porém, não exatamente como outros profetas, havia algo diferente nele, algo singular em sua profecia que era inovadora. O teólogo José Antônio Pagola entende Jesus como “O profeta do Reino de Deus” (PAGOLA, 2011. p.109-141). Sua profecia é anunciar o Reino de Deus, que irrompe o espaço-tempo, é presente e não mais futuro, precisa ser implantada imediatamente, e, ele é o responsável por inaugurá- lo, e tem urgência. Em seu anuncio, Jesus muda os paradigmas da profecia e mexe com a compreensão popular sobre ter um Reino realmente governado por Deus.

Na história do cristianismo, desde sua gênese até nosso contexto atual, se praticou e pratica-se ainda, uma variedade de cristianismos simultâneos. Tal contexto, faz com que, torne-se muito importante um olhar mais cuidadoso e uma melhor e mais

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amadurecida compreensão deste profetismo singular de Jesus, em vista de uma interpretação mais acertada e original do praticado por Ele em seu anuncio, possibilitando, desta maneira, um resgate do cristianismo mais puro e autêntico. As Igrejas e comunidades cristãs vem caminhando ao longo dos séculos, pregando uma prática profética, à luz e em nome de Jesus, com o fim de alcançar o tão desejado Reino.

O desafio para aos cristãos hodiernos parece assemelhar-se ao dos judeus contemporâneos a Jesus, que precisavam, entre tantas coisas, superar o legalismo religioso, a falta de consciência social, fraternidade e caridade; por exemplo. Jesus gastou sua vida pelo Reino de Deus, enorme desafio que percorre os tempos desde sua época em meio a sua religião judaica, chegando aos cristianismos do nosso tempo, para aqueles que procuram ser seus imitadores.

1 “QUEMDIZEMOSHOMENSQUEEUSOU?”

Na perícope de Mc 8,27 Jesus e seus discípulos mais próximos estão reunidos, e, enquanto reunidos, Jesus questiona-os acerca da recepção popular ao seu movimento. As respostas vieram com diversas percepções, porém, todas elas com um ponto convergente: Para os contemporâneos, Jesus era um profeta e sua atuação o assemelhava a outros conhecidos do povo judeu, a começar por João Batista, mas também a Elias, Eliseu, Amós, Miquéias, Isaías, Jeremias e outros profetas conhecidos das Escrituras (Mc 8,27).

No conjunto dos textos bíblicos do gênero Evangelho, é amplamente aceito na pesquisa atual que o intitulado Segundo Marcos seja o mais antigo dos canônicos, servindo-nos como ponto de partida para um estudo sobre a práxis de Jesus na Galileia e Judéia do século I. Outras fontes importantíssimas para o proposto são os demais textos sinóticos, o texto joanino, textos da literatura profética retirados do Nevi’im do Primeiro Testamento, textos do Evangelho radical ou Q, e alguns extra bíblicos como por exemplo o Evangelho segundo Tomé.

Em Marcos, logo nos primeiros capítulos, Jesus desperta a atenção e o interesse das autoridades judaicas e romanas, muito provavelmente, por causa das suas práticas religiosas e sociais em meio as comunidades que o assemelhava a profetas conhecidos do povo, “É um profeta como outros profetas” (Mc 6,14-15). Ainda no primeiro evangelho, capítulos a frente, como já citado no início deste estudo, o texto traz um cenário íntimo, uma reunião informal do grupo mais próximo de Jesus, e na oportunidade questiona-os sobre o que a voz das ruas, ou seja, o povo que tem recebido a Boa Notícia, pensam dele. Recebe dos seus seguidores respostas múltiplas, embora

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fique evidente que o entendimento comunitário, de certa forma, converge ao mesmo prisma: Jesus é um profeta (Mc 8,27).

A comunidade de Lucas, da mesma forma que a comunidade marcana, também via Jesus como profeta e essa percepção fica evidente numa perícope do seu evangelho, no quarto capítulo, onde o texto narra Jesus dentro da sinagoga em dia de sábado (Lc 4, 16-30). Ali, recebe o livro sagrado para a leitura, o abre e proclama uma passagem retirada do livro de profecias atribuídas à Isaías (Is 61,1-2). Posto na boca de Jesus, as palavras contidas neste trecho do Evangelho refere-se a vocação do profeta, encontrada em Isaías, e na sequência, também faz uma aproximação comparativa com outros profetas, mais precisamente Elias e Eliseu. Estas, são apenas algumas dentre tantas outras perícopes encontradas nas escrituras do Novo Testamento, que registram a visão das comunidades de fé, nesta em específico, a comunidade de Lucas, tem do Galileu Jesus, que viveu e atuou como um líder, sábio, rabi, curandeiro e profeta no contexto do império romano do século I (PEREIRA, 2004, p 30-41).

Ainda nos textos do Segundo Testamento, encontram-se várias passagens onde a narrativa coloca na boca de Jesus as palavras de que um profeta não é bem recebido em sua pátria (Mc 6,4; Mt 13,57; Lc 4,24; Jo 4,44), o que parece indicar que Jesus tivera essa consciência profética. Jesus convivera com o Batista, muito provavelmente fora seu discípulo, também conhecia muito bem os grandes profetas da história do seu povo e se identificava com alguns deles, o que fica evidente em alguns textos do Segundo Testamento, onde aparecem ditos de Jesus realizando ou cumprindo tal palavra profética anteriormente tida como dita por estes profetas (Lc 4,16-30). Identificando-se como profeta, inicia sua trajetória itinerante de anuncio e denúncia, de palavras de esperança, de curas, de inclusão, de atos de compaixão, empatia e misericórdia (Lc 8,1) (SCANDERLAI, 2008, p.26-31)

O profeta da Galileia, por ser de onde é, desperta no povo judeu um misto de interesse e estranheza (Jo 1,43-46), mas não somente, também maravilhavam-se as pessoas com suas palavras, pregações e anuncio (Mt 13,53-56). O que tão maravilhoso é percebido em Jesus? Entender o movimento profético e seus expoentes, bem como mergulhar na práxis profética missionária de Jesus, é fundamental para compreensão de sua singular profecia e do legado por ela deixado. (WOLFART, 2010, ed.336).

1.1 A PROFECIA DE JESUS NAS ESCRITURAS

Para Lucas, o movimento de Jesus tinha um caráter profético missionário, com uma atuação itinerante e dinâmica: “Depois disso, ele andava por cidades e povoados,

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pregando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus.” (Lc 8,1). Os Evangelhos trazem em seus textos diversas narrativas que acenam à uma práxis profética missionária de Jesus, provavelmente, fruto do que ficou registrado na memória das comunidades, e, posteriormente passadas às gerações seguintes.

Jesus compartilha da esperança apocalíptica pregada pelos profetas, e, assim como eles, cria num novo tempo, num novo reino, governado por Deus, tão esperado desde o período macabaico (200 a.E.C). Porém, havia nele e o movia, uma paixão ainda mais forte, que “queimava nas entranhas”. Jesus tem urgência, o tempo é chegado, compreende no mais íntimo de si que também o tempo é curto, não pode desperdiça- lo, a abrangência da proposta é sem precedentes, todos precisam ser alcançados, chamados e inseridos nesse novo projeto de vida. À esse projeto, chamou de “Reino de Deus” (expressão que aparece 120 vezes nos evangelhos sinóticos), uma nova forma de vida, buscando outra realidade possível, numa transformadora maneira de ser Povo de Deus (Mc 1,15).

Jesus atua fortemente na crítica à elite religiosa, denunciando os desmandos dos doutores da lei, que instrumentalizam a religião como uma máquina de produzir opressão e extorsão. Jesus, porém, afirma que o “ai” do povo que sofre, será o “ai” dos que colocam, hipocritamente, fardos demasiado pesados sobre os pobres (Mt 23,13- 37). Anuncia também Jesus, bem-vindas e benditas sentenças, ou aventuranças, para aqueles que confiam e esperam o Reino de Deus, afirmando que, destes será a alegria de gozar deste Reino (Mt 5,1-12; Lc 6,20-26).

Jesus “gastou” sua vida pelo Reino (Jo 4, 31-32; 13,1), inaugurou um modelo de vida que privilegia e protagoniza o outro, com convicta certeza de que a vida só pode ser plena quando se torna serviço em favor do semelhante (Jo 13,1-17), enorme desafio que percorre os tempos desde sua época, em meio a sua religião judaica, chegando aos cristianismos do nosso tempo. A exclusividade na profecia de Jesus é a chegada já acontecida do Reino na realidade sofrida do seu povo, que não vive, apenas sobrevive e resiste como pode à forte opressão, miséria e violência na Palestina do Império Romano e dos reis vassalos de Roma.

2 JESUSSEFEZPROFETAPELOREINODEDEUS

Conforme afirma o teólogo norte americano Jorge Pixley: “não é abundante o material que indica uma ‘consciência profética’ da parte de Jesus. Muito mais abundantes são os indícios de que foi tomado por profeta pelos que o observavam e ouviam.” (PIXLEY, 2004, p. 74). Aqueles que tiveram a oportunidade de estar próximo

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ou ouvi-lo, viram nele características de um profeta, semelhante em alguns pontos, aos conhecidos profetas das Escrituras, porém, há algo inovador em sua profecia. O teólogo José Antônio Pagola entende Jesus como “O profeta do Reino de Deus” (PAGOLA, 2011. p. 109-141). Ser profeta do Reino de Deus é a singularidade de Jesus. Sua profecia consiste em anunciar o Reino de Deus, que irrompe o espaço-tempo, é realidade que já está acontecendo, ele é o responsável por inaugurá-lo e implantá-lo, e, tem urgência. Em seu anuncio, Jesus muda os paradigmas da profecia e do entendimento de um Reino que realmente seja governado por Deus.

2.1 O MOVIMENTO PROFÉTICO

Embora os textos bíblicos apresentem personagens como Abraão, Moisés, Aarão, Miriam, a juíza Débora e Samuel como profetas de Deus, a profecia do antigo Israel surge como tal, no contexto da monarquia, que representou uma ruptura profunda com os meios de vida antes vivida pelo povo de Israel. Neste contexto de profunda desigualdade promovida pelo sistema monárquico, que mantinham seus luxos e opulências as custas da exploração e espoliação do campesinato, surgem os profetas e profetizas que viviam como missionários itinerantes, inseridos na realidade sofrida, tomando para si as dores e lutas do povo frente as opressões e violências de reinos e impérios poderosos. O teólogo e Biblista Rafael Rodrigues Silva, diz que a profecia do antigo Israel nos desafia e convida-nos a ouvir a contextualidade da realidade vivida, e que não há palavra profética sem contexto (SILVA, 2019, P.17).

A partir do século VIII a.E.C. pouco tempo após a divisão de Israel em Reino do Norte e Reino do Sul, assim identificados, para o que fora Reino de Judá e Reino de Israel, dois nomes no Norte destacam-se: Elias e Eliseu. O movimento profético de Elias e Eliseu lutou contra os desmandos da dinastia de Omri, mantendo viva a tradição dos profetas de YHWH, praticada há tempos, desde que o profeta Samuel resistiu defendendo o projeto tribal contra a instauração da monarquia.

O movimento profético do Norte que tanto destacou a atuação de Elias e Eliseu contra os desmandos dos poderosos, mais tarde é retomada com o grupo do profeta Amós e em seguida por Oséias. Aparentemente, o conflito era religioso, porém, era a terra dos camponeses (sagrada para eles), suas próprias vidas e sobrevivência que estavam em questão (1Rs 21,1-29). A partir do grupo profético de Amós e posteriormente com o levita Oséias, a denúncia e a luta dos profetas, era contra a estrutura da monarquia, pois, independentemente de quem estava no trono a estrutura opressora se mantinha. Outros alvos das denúncias eram a violência institucional, a

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corrupção dos sacerdotes e dos profetas oficiais da corte e as fraudes dos comerciantes.

(LARA, 2009, p.107-120)

Um pouco mais tarde, no Sul, a voz profética começa a ser ouvida no Reino de Judá no final do segundo século do seu surgimento (740 – 701 a.E.C.). Com a destruição do Reino do Norte e o domínio Assírio, Judá passa a pagar pesados tributos e cresce a violência contra o povo, gerando muitas mortes. Inserido nesse contexto, surge a voz profética de Isaías e Miquéias contra a exploração dos latifundiários e comerciantes, a corte que escraviza, os juízes que julgam mediante pagamento, profetas e sacerdotes corruptos. Após a decadência da Assíria, a esperança do povo se renova e aparece a figura do profeta Sofonias, anunciando novos tempos ao povo pobre que tanto sofria.

Mais adiante, a voz profética é do profeta Jeremias e também do profeta Naum com uma profecia de esperança na libertação da opressão dos impérios. Na história de Israel, muitos homens e mulheres denunciaram as injustiças, clamaram pela construção de uma sociedade justa, solidária, onde reinasse a misericórdia e a esperança no Deus da vida. Apenas alguns desses profetas e profetizas são citados na bíblia, que, além dos já mencionados, traz também outros nomes como: Ezequiel, Habacuc, Abdias, Ageu, Zacarias, Malaquias e Joel, conhecidos na tradição bíblica como “profetas Clássicos”.

Tanto a invasão da Assíria (732 a.E.C) e a destruição de Samaria capital do Reino de Israel no norte, quanto a destruição de Jerusalém, capital de Judá no sul (598- 587 a.E.C), provocaram enfraquecimento, queda e desarticulação das classes dominantes e possibilitaram o desvelamento de teologias antes marginalizadas, impedidas e negadas pela teologia oficial dos sacerdotes e profetas dos palácios.

(SMITH, 2006, p.92-95). A teologia vivida nas aldeias camponesas, fiéis à compreensão do sagrado na defesa e na promoção da vida dos camponeses, identificado em Javé, persistiram nelas, e ganhavam audiência nas cidades na voz dos profetas, mas esta teologia não era bem vinda à elite dominante, por isso, não recebia nenhuma atenção e nem constavam nos textos oficiais. Se dependesse apenas da teologia oficial do palácio, muito provavelmente, os escritos sobre esses profetas não chegariam ao conhecimento do povo e nem estariam na bíblia (GALLAZZI, 2011, p.107-109).

Evidentemente, o movimento profético é muito rico e campo extremamente fértil a ser explorado, cabendo estudos aprofundados sobre, da mesma forma aos protagonistas deste movimento, essencial para a caminhada do povo de Israel. O que se pretendeu aqui, nestas poucas linhas, foi apenas uma contextualização breve para melhor entendimento e identificação das semelhanças e principalmente a singularidade da práxis profética do Galileu do primeiro século, Jesus, que é o objeto do nosso estudo.

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2.2 O REINO DE DEUS É PALAVRA ACONTECIDA

A Palestina do Império Romano do século I era um ambiente em efervescência, a realidade era de muita violência, instituída pelo império como ferramenta de controle, e também de conflitos entre os diversos judaísmos praticados e destes com as elites religiosas. Na religião, circulavam com imensa relevância os escritos apocalípticos, e, nas ruas, lideres apocalípticos ganhavam notoriedade com suas profecias escatológicas, a exemplo de João Batista, Teudas e Judas o Galileu (MIRANDA, 2008, P.48). Vários postulantes a messias se apresentaram nesse tempo, e todos, de um jeito ou outro, eliminados.

Jesus, saído do grupo do batista, distancia-se do primo e mestre e dedica-se inteiramente e intensamente em seu próprio movimento itinerante. Recém-inaugurado, o movimento de Jesus em pouco tempo adquire relevância, e, embora sendo apenas mais um dentro dos muitos movimentos e judaísmos existentes na Palestina do Império Romano do século I, amplia-se, na mesma proporção que incomoda, e, Jesus, assim como outros líderes, tornou-se uma ameaça a ser eliminada.

Se o nome de Jesus, para o círculo elitista religioso político judaico, e, consequentemente também para o império romano, representa mais uma ameaça ao convívio social religioso, por ferir o status quo, nos círculos populares, Jesus tornara-se o portador da Boa Notícia (to euanggélion toû theoû). Nele, vários prismas se encontram. Enquanto suas curas, no imaginário popular, fazem lembrar os grandes profetas Elias e Eliseu, do Reino de Israel ao norte, onde situa-se a Galileia, sua terra e provavelmente a região que mais circula com seu movimento, as palavras de sabedoria e oráculos de juízo lembravam Isaías e Jeremias, grandes profetas de Judá, no Sul.

Outra característica profética de Jesus são as fortes críticas sociais, aos moldes de Oséias e Amós, do Reino de Israel e Miquéias, de Judá.

Os primeiros escritos do Segundo Testamento são de Paulo, que elabora uma bem construída cristologia e seus escritos permite-nos traçar itinerários de sua vida missionária, tornou-se conhecida sua caminhada evangelizadora. Diferentemente de Paulo, o itinerário de Jesus não é possível reconstruir, apenas, conseguimos saber por onde andou, onde chegou com sua mensagem, e quais destas comunidades acolheram o “Reino” por ele apresentado. Muito interessante e intrigante é pensar que, pelo que nos apresentam os evangelhos, Jesus nunca deu uma definição concreta sobre o que exatamente seria o Reino que tanto insistia para que aceitassem com urgência. O que fica evidente no anúncio de Jesus, é que o Reino de Deus é completamente distinto do

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conceito que os judeus conheciam e esperavam, é uma novidade no meio popular apresentar um Reino que não pretende se estabelecer através da força, da violência, mais ainda, se opõe fortemente a tais práticas (Mt 26,52-53).

Jesus é um profeta apaixonado pelo Reino (PAGOLA, 2011, p. 115), e, por este reino esvazia-se, prioriza-o, deixa família, trabalho, toda sua vida em Nazaré, para acontecer o Reino e vê-lo transformando toda a realidade. Sua determinação vem de uma certeza brotada no mais íntimo de si: O Reino de Deus já acontece, não mais virá, pois, já está. Essa certeza arde dentro de Jesus, e ele sente-se impelido em implantá- lo com velocidade, sabe que uma novidade dessas pode provocar reações com punições exemplares, seja pelo sinédrio judaico, seja pelo governo romano. No contexto do Império Romano do século I, toda ameaça a Pax romana, ou seja, qualquer movimento que representasse alguma ameaça à ordem estabelecida, era cruelmente e exemplarmente castigada, seja pelo próprio império ou por seus reis vassalos, é a violência como instrumento de desencorajamento de uma insurreição de rebeldes. O grande desafio para Jesus, é convencer as pessoas que o seu anuncio é verdadeiro e não apenas mais um candidato a salvador da nação, visto que, em seu tempo, muitos movimentos messiânicos disputavam autenticidade.

Por outro lado, o desafio para o povo é acreditar nesse projeto ousado, com diferenças características e determinantes entre o projeto de Jesus e os demais movimentos proféticos messiânicos da Palestina do século I. Embora o termo Reino de Deus fosse uma expressão conhecida dos judeus, nos moldes apresentados por Jesus, somada a sua sabedoria, era completamente inédito, provavelmente este seja o motivo de tamanho encantamento do povo com a proposta (Mc 1,22; 6,2; 7,28). O que Jesus consegue despertar no imaginário e no coração do seu povo é uma nova significação para o entendimento de se viver num Reino que seja verdadeiramente de Deus, um projeto de vida em sociedade, mas, uma nova forma de sociedade. Seu projeto insiste na construção do Reino da não violência, da não rigorosidade da Lei, da abertura à todas as pessoas e povos que o aceitasse, é a proposta de vida em comum unidade, e do amor que os evangelistas chamam ágape, com sua essência de priorizar o próximo, de diminuir-se em favor do semelhante. O projeto se demonstra muito desafiador para um povo, que sempre aprendeu da sua religião, ser povo eleito, escolhido, separado e predileto de Deus (Ex 19,6; 1Pe 2,9).

Os escritos bíblicos, extra bíblicos e históricos, apresentam as tensões religiosas e políticas em torno da proposta e da implantação do movimento de Jesus, do mesmo modo, também pode-se conhecer os conflitos, cruéis e sangrentos, que vieram acontecer, mas, não somente conflitos e tensões, é possível encontrar também as

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adesões de diversas comunidades e povos ao projeto. Jesus, irrompe na história da humanidade para promover e oferecer o que ele chamou de vida em abundância (Jo 10,10). Foi compreendido e aceito por muitos, incompreendido, perseguido e morto por outros, por isso sua profecia foi um enorme desafio para os judeus do século I.

3 DESAFIOS PARA OS CRISTIANISMOS DE HOJE

O cristianismo remonta aproximadamente dois milênios com sua linha do tempo trazendo uma variedade de eventos. Dentre esses eventos, o mais importante sem dúvidas foi a institucionalização do cristianismo. O que antes fora um novo movimento dentro do judaísmo, apenas grupos marginais que deixaram tudo para trás por acreditar e querer viver o sonho de Jesus, chamado Reino de Deus, e que, não aceitos pelas autoridades religiosas do primeiro século, acabam sendo expulsos das sinagogas, tornados proscritos de sua religião, transformou-se mais tarde numa instituição religiosa oficial, com diversas interpretações e reinterpretações doutrinais sobre o Reino de Deus no curso do tempo desde sua origem.

Sem pretensão de aprofundar os acontecimentos e contextos históricos na linha do tempo da Igreja cristã, atemos apenas à nossa contemporaneidade, nos diversos cristianismos de hoje, com igrejas que dialogam e divergem em vários conceitos teológicos doutrinais. Desde a reforma protestante a igreja cristã se fragmentou, surgindo outras possibilidades de interpretação sobre o Reino de Deus. O advento do neopentecostalismo colaborou para a ampliação dessa fragmentação, pois, germinou e pariu dentro das Igrejas Cristãs outra reinterpretação, inaugurando um cristianismo reformulado, uma renovação frente ao cristianismo tradicional e conservador.

Protagonizando a Pessoa do Espírito Santo, e uma práxis voltada à práticas taumatúrgicas, com suas celebrações de cura, exorcismos e louvores, a interpretação do Reino de Deus para os neopentecostais tem uma dimensão mais espiritualizada, seus fiéis são espiritualistas, e sua religiosidade é mais individualista, de certa maneira, descompromissada, priorizando o indivíduo em detrimento do comprometimento tão ensinado e ordenado por Jesus em defesa dos mais pobres e vulneráveis, numa luta ininterrupta de promoção da vida e da dignidade da pessoas humana.

Outra filosofia cristã, mais presente na América Latina desde os idos de 1960, é a chamada Teologia da Libertação, que enfatiza uma hermenêutica bíblica chamada pelos adeptos de “pé no chão”. A práxis da teologia da libertação é uma interpretação do Reino de Deus como uma comunidade de iguais, sem diferenças de nenhuma ordem, seja econômica ou religiosa. Mantém uma religiosidade de crítica social e também de

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crítica a hierarquia religiosa, defende uma forma não piramidal de ser Igreja, ou seja, pensa um cristianismo mais “parecido” com o formato tribal do Primeiro Testamento.

Nesse contexto plural, de diversos cristianismos, como fora plural o judaísmo do século I, se faz muito importante e desafiador uma teologia com um olhar mais cuidadoso, buscando um entendimento mais amadurecido sobre o singular profetismo de Jesus em vista de uma mais acertada interpretação do seu anuncio, podendo desta maneira, realmente imitar, replicar e ampliar esse projeto pelo qual Jesus dedica toda sua vida (Jo 14,12). No curso do tempo, o cristianismo e suas instituições, apresentaram múltiplas interpretações no entendimento de profetismo de anuncio do Reino de Deus, conforme a pluralidade dos cristianismos que emergiam. As Igrejas e comunidades cristãs vem caminhando ao longo dos séculos, pregando uma prática profética, à luz e em nome de Jesus, com o fim de alcançar o tão desejado Reino. O desafio para aos cristãos do século XXI assemelha-se ao dos judeus contemporâneos de Jesus, que precisavam, entre tantas coisas, superar o legalismo religioso, a falta de consciência social, fraternidade e caridade; por exemplo.

CONCLUSÃO

Antes de ser o Cristo da fé dos cristãos, Jesus foi um profeta judeu que viveu no contexto do Império Romano, e, assim como outros notáveis profetas da história judaica, lutou as mesmas causas em defesa do seu povo, chamado por ele e por eles, de povo de Deus. Seu objeto de anuncio é o Reino de Deus, que, diferente da perspectiva apocalíptica, não virá, pois, já acontece, já está no meio da humanidade. O reino de Deus como Jesus implantou, foi aceito por uma pequena parcela do judaísmo, pois, haviam vários judaísmos praticados naquele contexto. Da mesma forma, com a passagem do cristianismo movimento para o cristianismo instituição, surgiram cristianismos, e, estes, divergem em suas práticas hermenêuticas, crenças, culto, e entendimento sobre a pessoa de Jesus. É preciso abertura e diálogo ecumênico (não doutrinal), bem como, o interesse sério em realizar o projeto do Reino em sua essência, como apresentam as narrativas do Novo Testamento, da parte das lideranças cristãs. O desafio é enorme porque exige das instituições, um despojamento do status quo, se despir da autoridade e poder, para viver a entrega, a comunhão e a fraternidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GOPEGUÍ, Juan A. Ruiz. - Doutrina e profecia no Cristianismo. Revista Perspectiva Teológica v.19 n. 47 (1987). pp.49-67. FAJE

LARA, Valter Luiz. A Bíblia e o desafio da interpretação sociológica: introdução ao primeiro testamento à luz de seus contextos históricos e sociais. São Paulo:

Paulus, 2009

MALINA, Bruce J. O evangelho social de Jesus – O Reino de Deus em perspectiva mediterrânea; [tradução; Luiz Alexandre Solano Rossi]. São Paulo: Paulus, 2004.

PAGOLA, José Antônio. Jesus: aproximação histórica; [tradução; Gentil Avelino Titton] – 3. Ed. Petropolis, RJ: Vozes, 2011.

PEREIRA, Nancy Cardoso; et al. Jesus Histórico. Revista de interpretação bíblica latino americana RIBLA n. 47. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

SCARDELAI, Donizete; et al. Jesus e as tradições de Israel. Estudos Bíblicos n. 99.

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Série A Palavra na vida – n.374. São Leopoldo,RS: CEBI, 2019

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