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Rejeição Às Amarras Temáticas – A Falácia Da Única

3.6 DA SUPERAÇÃO DA SEARA ESTRITAMENTE CONSUMERIS-

3.6.1 Rejeição Às Amarras Temáticas – A Falácia Da Única

Diante da inauguração infraconstitucional da defesa coletiva dos direitos acidentalmente coletivos pelo estatuto consumerista, existem objeções ao uso universal da Ação Civil Pública, havendo tendências concretas à imposição de amarras temáticas incompatíveis com a envergadura constitucional do remédio.

Neste cenário, sobreveio a vinculação da idoneidade do instrumento apenas para a defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, consoante se pode colher da leitura do seguinte aresto:

(...) A LEI NR. 7.347/85 DISCIPLINA O PROCEDIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR (MEIO AMBIENTE, ETC), INCLUINDO SOB A SUA ÉGIDE,OS INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. A LEI DE REGÊNCIA, TODAVIA, SOMENTE TUTELA OS "DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS", ATRAVÉS DA AÇÃO COLETIVA, DE INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUANDO OS SEUS TITULARES SOFREREM DANOS NA CONDIÇÃO DE CONSUMIDORES. O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA PROMOVER A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DO CONTRIBUINTE DO IPTU, QUE NÃO SE EQUIPARA AO CONSUMIDOR, NA EXPRESSÃO DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE, DESDE QUE, NEM ADQUIRE, NEM UTILIZA PRODUTO OU SERVIÇO COMO DESTINATÁRIO FINAL E NÃO INTERVÉM, POR ISSO MESMO, EM QUALQUER RELAÇÃO DE CONSUMO. IN CASU, AINDA QUE SE TRATE DE TRIBUTO (IPTU) QUE ALCANÇA CONSIDERÁVEL NÚMERO DE PESSOAS, INEXISTE A PRESENÇA DE MANIFESTO INTERESSE SOCIAL, EVIDENCIADO PELA DIMENSÃO OU PELAS CARACTERÍSTICAS DO DANO, PARA PERLAVRAR A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO INDISCREPANTE184.

A sustentação da tese restritiva ventilada no julgado supra reproduzido, que exemplifica uma torrente jurisprudencial símile, põe em discussão o tradicional questionamento:

183

ob. cit., p. 14/70 184

STJ , PRIMEIRA TURMA, DECISÃO:01-06-1995, DJ DATA:19/06/1995, PG:18643, RSTJ VOL.:00078, PG:00106, RELATOR: MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO

Existe uma única resposta jurídica correta?

A resposta à questão epigrafada traz em seu bojo a intrincada pesquisa acerca do conceito de sistema jurídico -- se aberto ou fechado, se multifacetado ou não -- bem como deita raízes acerca da descoberta da relação que se estabelece entre o objeto a ser interpretado e o seu intérprete, desnudando se a subsunção lógico-formal ainda é suficiente para a garantia da unidade da ordem jurídica.

Pois bem: existe uma única resposta jurídica correta para um caso em concreto?

Sobre o tema, respondem negativamente, entre outros, Kelsen, Aarnio e Alexy.

Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, traz à liça conteúdo democrático relevante, porquanto pretende demonstrar que o direito positivo deve despir-se de todos os fatores que refujam à estrita técnica jurídica, vez que o direito não pode servir como instrumento ideológico.

Nesta linha, a visão kelseniana repudia possa haver uma única resposta jurídica correta para a solução de um caso em concreto, porquanto tal revelaria indubitável comprometimento ideológico do intérprete, já que a moldura legislativa é uma estrutura aberta a várias interpretações.

Nesta esteira:

Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve ncessariamente conduzir a uma única solução correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito - no ato do tribunal, especialmente185.

assentada em bases pragmáticas, não se podendo imaginar, em tal contexto, a figura o super-juiz que pode erigir a única resposta correta para o caso por dispor de conhecimento e tempo ilimitados para decidir.

Porquanto a existência do super-juiz Hércules só é compatível com uma realidade ideal, necessária se faz a construção das bases teoréticas para a descoberta da melhor interpretação possível, no que Aarnio avançou um passo em relação a Kelsen, que nada discorreu sobre o tema.

Aarnio admite a única reposta correta como princípio regulador da racionalidade jurídica, compatibilizando seu ideário com a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas.

A racionalidade jurídica é meio de combate ao arbítrio, porquanto o intérprete judicial deverá fundamentar racionalmente a sua decisão para que a mesma possa adquirir autoridade dentro da comunidade jurídica.

De outra banda, aduz que a fundamentação racional tem natureza híbrida, porquanto jurídico-axiológica.

Neste sentido:

Em resumen, em uma sociedad moderna la certeza jurídica cubre dos elementos diferentes (a) em el razonamiento jurídico há de evitarse la arbitrariedad (principio del Estado de Derecho) y (b) la decisón misma, el resultado final, debe ser apropiado. De acuerdo con el punto (b), las decisiones jurídicas deben estar de acuerdo no sólo com el Derecho (formal), sino que también tienen que satisfacer critérios de certeza axiológica (moral).Utilizando la terminologia de Max Weber, em uma sociedad moderna el Derecho está materializado186.

Assim, enquanto ideal, a resposta correta será aquela que estiver fulcrada nos melhores argumentos racionais, dentro do prisma da racionalidade discursiva, porquanto assim os Tribunais se dão a conhecer e abrem ensejo ao controle de suas ações pelo povo.

A fim de erigir-se a melhor argumentação possível, há que se ter em conta duas ordens de justificação: a interna e a externa. A primeira 185

Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 390

186

La Tesis de La Única Respuesta Correcta y El Princípio Regulativo Del Razonamiento Jurídico, Doxa:

respeita à relação lógica entre a premissa maior (normativa) e a menor (fática), cujo produto é a conclusão racional. A justificação externa, a seu turno, decorre da necessidade da fundamentação da escolha de dada premissa normativa, quando várias concorram à aplicação.

No entanto, se várias conclusões razoáveis estão em concurso, vez que oriundas de silogismos racionalmente aceitáveis, há que se eleger critérios para que uma resposta se sobressaia a outra.

Neste aspecto, a importância do critério da maioria, que traduz a maior aceitação da resposta A, em dado momento histórico, em detrimento das n resposta possíveis. Desta feita, sob o ponto de vista social, no momento da eleição da resposta preponderante, a visão da minoria é mais débil, o que não significa que sua racionalidade tenha sido rejeitada.

Isto posto, vem à baila as seguintes perquirições: por que é necessário comprometer-se com o critério da maioria? Há normas alternativas de solução da dúvida?

Partindo-se do pressuposto de que Habermas, ao construir sua teoria, baseou-se numa realidade ideal, na qual a comunidade-auditório tivesse comprometimento com a racionalidade eminentemente discursiva, bem como que o exercício do discurso significa a plena realização da liberdade, o critério da maioria não representa, de modo algum, qualquer tirania, porquanto todos os envolvidos na comunicação têm por foco o bem estar comum.

Na prática, sustenta Aarnio que o critério da maioria foi adotado porque as comunidades racionais não aceitariam, no mais das vezes e para solução de problemas importantes, que o sorteio despontasse como alternativa razoável.

Dessarte, a melhor interpretação possível para o caso em concreto será aquela que eleita pela maioria, naquele momento histórico, como sendo a racionalmente mais sólida, o que deixa implícita a idéia de que a minoria de hoje poderá vir a ser a maioria de amanhã.

La mayoria simplesmente muestra la mayor aceptación

posible para la solución R. En otras palabras, la solución R sería

aceptable para la mayoria si R fuera discutida en este auditório. Desde el punto de vista social, la outra solución es, como propuesta minoritária, “mas débil” que R187.

Alexy parte do pressuposto que a figura dworkiana do super-juiz Hércules nada mais é que um estratagema filosófico, a exemplo do ocorrente em John Rawls com o “véu da ignorância”.

Feita tal observação, há que se trazer à liça que a melhor interpretação possível, em Alexy, deve observar os seguintes sistemas: a) condições de prioridade; b) estruturas de ponderação; c) prioridades

prima facie.

Estabelecido o conflito de valores, hão que ser disciplinadas condições de prioridade para a resolução do tensionamento. Assim, as condições de prioridade implicam a existência de regras:

Las condiciones de prioridad establecidas hasta el momento em um sistema jurídico y las reglas que se corresponden com ellas proporcionan información sobre el peso relativo de los princípios.188

Nas estruturas de ponderação tem-se o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o que remete para a adequação e necessidade da aplicação de dada regra no caso em concreto, mormente para que tal não represente o malferimento de valor de grau superior.

Cuanto más alto sea el grado de incumplimiento o de menoscabo de um princípio, tanto mayor debe ser la importância del cumplimiento del outro. La ley de ponderación no formula outra cosa que el princípio de la proporcionalidad me sentido estricto.189

As prioridades prima facie estabelecem cargas de argumentação, ordenando a aplicação dos princípios. Contudo, não contêm determinações definitivas, porquanto só o estudo casuístico confirmará a superioridade do princípio a priori concedida. As cargas argumentativas estabelecem

187

idem, p. 35

188

Sistema Jurídico, Princípio Jurídicos y Razon Práctica, Doxa, n. 5, 1988, p. 147

189

presunção juris tantum de preponderância de dados princípios em face doutros, cedendo, pois, à prova em contrário:

Las prioridades prima facie establecen cargas de la argumentación. De esta manera crean um cierto ordem en el campo de los princípios. Desde luego, no contienen una determinación definitiva. Si son más fuertes los argumentos en favor de una prioridad de un princípio que juega em sentido contrario, se cumple suficientemente com la carga de la prueba. Com ello, el orden depende de nuevo de la argumentación190.

Os princípios e as regras formam um sistema incompleto para a busca da única resposta correta, enquanto princípio regulador do sistema jurídico.

A busca da única resposta correta, com a conotação antes ventilada, imprescinde da argumentação jurídica; na medida que os princípios e as regras não regulam por si mesmos as suas aplicações, iniludível que a pragmática traga a lume valorações adicionais, desde que suscetíveis a um controle racional.

Considerando a argumentação jurídica como argumentação prática, fulcrada na racionalidade discursiva, bem se vê que o ideal da única resposta correta não se concretiza; seu campo de incidência é essencialmente normativo.

No seio dos fatos sociais, o melhor que se poderá obter, segundo Alexy, é a resposta mais aproximada da correção, já que afirmar existir a única resposta correta para o caso em concreto configuraria exercício de arbitrariedade e prepotência, porquanto nenhum intérprete possui tamanha latitude cognosciva, e todas as respostas obtidas a partir dos princípios e das regras, como fruto da aplicação da razão prática, são ao menos relativamente corretas:

No existe ningún procedimiento que permita, con una seguridad intersubjetivamente necesaria, llegar en cada caso a una única respuesta correcta. Esto último no obliga sin embargo a

190

renunciar a la Idea de la única respuesta correcta (...) como Idea regulativa191.

Outros argumentos formatam-se à sedimentação da impossibilidade da hipótese suscitada no preâmbulo.

Primo, há que se ter em conta que, sob o prisma ontológico,

inexiste vinculação pura; a lei é obra humana permeada pela falibilidade. Destarte, seria inimaginável que um sistema jurídico axiologicamente equilibrado concebesse um intérprete-autômato que, independentemente de qualquer diálogo aporético, pudesse traduzir a letra fria da lei como a inderrogável interpretação dela decorrente; o contágio da disposição com os valores materiais e históricos que cercam a atividade interpretativa no momento em que ela está sendo erigida é indeclinável.

Secundo, porquanto o dogma da completude e da auto-suficiência

da normatividade sucumbe à constatação das antinomias que, muito antes de corporificarem problemas, instrumentalizam a oxigenação sistêmica, num processo ininterrupto que tem por foco o seu aprimoramento teleológico.

Terzo, porque se o sistema jurídico é inexoravelmente aberto,

sensível a mudanças, o intérprete participa da produção da norma atuando em circularidade com o objeto interpretando, modificando-o ao mesmo tempo em que por ele é alterado, valendo a máxima de que compreender é aplicar. Assim, o produto da interpretação não pode ser uníssono, porquanto a gênese interpretativa é naturalmente multifacetada; seria, pois, inconcebível um único resultado como produto deste processo interativo.

Naturalmente que não se pode, com o escopo de arrefecer a pujança da objetividade, hipertrofiar o subjetivismo, desguarnecendo o sistema jurídico de mecanismos de proteção contra tal mazela.

Desta feita, não há que se emprestar integral razão a Guastini quando vê o intérprete como produtor exclusivo da norma jurídica, desprezando a autonomia do objeto, ao contrário do preconizado, v.g.,

191

por Betti em seus cânones interpretativos192.

O intérprete participa, como efeito, da produção da norma jurídica, estabelecendo com o objeto interpretando relação circular, integradora e interativa.

Destarte, a subjetividade e a objetividade convivem em harmonia; muito embora haja acentuada preponderância da primeira, a atuação do intérprete não é ilimitada, mas encontra freio nas cláusulas de intangibilidade que por ele não podem ser alteradas ou suprimidas.

Neste cenário, importante gizar a lição de Gadamer no tocante ao círculo hermenêutico. Ensina o douto que

A regra hermenêutica de que tudo deve ser entendido a partir do individual, e o individual desde o todo, procede da retórica antiga e passou, através da hermenêutica moderna, da arte de falar à arte de compreender. Em ambos os casos nos encontramos como uma relação circular. A antecipação do sentido, que envolve o todo, se faz compreensão explícita, quando as partes, que se definem a partir do todo, definem por sua vez esse todo.193

Gadamer deixa claro que o preconceito da objetividade nua deve ser superado, porquanto o intérprete deve ser consciente da contribuição que realiza, já que a forma representativa não traz em si mesma toda a imanência do objeto.

Contudo, o intérprete deve ser fraterno e humilde em relação ao objeto; a correspondência hermenêutica que estabelece a relação de circularidade sujeito-objeto é a antítese da equação matemática, porque esta conduz a um único resultado, ao contrário da primeira.

O intérprete é condicionado pelo resultado que busca com a operação interpretativa.

Quando se confronta com uma contradição, tenta aplicá-la a si mesmo. Portanto, toda a interpretação também instrumentaliza auto- conhecimento, de molde que não é dado ao intérprete ignorar-se neste processo.

Sem que tal constatação signifique plena autonomia do exegeta em

192

que aqui não serão estudados

193

Hermenêutica Filosófica. Sobre o Círculo da Compreensão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000 (Coleção

relação ao objeto, que deve ser respeitado -– muito embora o texto não fale por si, denota que não é possível empreender interpretação apartando os conceitos prévios que já integram o arcabouço do conhecimento técnico-empírico-axiológico do realizador da exegese.

Calha à fiveleta trazer à baila o estudo empreendido por Tribe194 acerca das falácias interpretativas, tendo por pano de fundo a Constituição estadunidense.

O Documento Maior deve ser visto em sua integralidade; assim se deve nortear a sua aplicação, sob pena de equívocos interpretativos a franquearem aparente constitucionalidade a situações que, melhor estudadas, refogem de seu âmbito.

A leitura desintegradora da Constituição traz à liça o fenômeno da

dis-integration, pelo qual a análise singularizada de uma parte da

Constituição, sem liame e sintonia com o restante da Magna Carta, faz com que se obtenha a falácia interpretativa de entender dado fato como constitucional quando flagrantemente não o é.

Dalguns dos casos estudados por Tribe, quadra trazer à liça a

vexata quaestio da constitucionalidade da pena de morte na seara

estadunidense; o embate entre as 5ª e 8ª Emendas constitucionais.

A quinta Emenda afirma que a pena capital pode ser aplicada desde que respeitado o devido processo legal. A oitava emenda, a seu turno, rechaça do terreno constitucional qualquer pena aflitiva, mormente a capital, em qualquer circunstância, sendo de somenos a observância ou não dos formulários.

Há que se ter em conta que este conflito entre as duas emendas propiciou meio de cultura para a aceitação da pena capital em dados Estados confederados, enquanto noutros é abominada, ceifada, inadmitida, por inconstitucional.

Há que se gizar, de outra banda, a chamada hyper-integration. Nesta modalidade falaciosa, o intérprete hipertrofia dado segmento da Constituição ou da legislação infraconstitucional, deixando de

vislumbrar que inexistem direitos e deveres absolutos, vez que a relativização é sempre possível, numa esfera de pesos e contrapesos, norte no esteio constitucional.

Exemplo interessante deste caso é a contraposição entre a liberdade de expressão e a proibição da queima de símbolos da pátria, notadamente a bandeira estadunidense.

A Suprema Corte dos EUA já exarou entendimento pela impossibilidade de aplicação de sanções criminais ao incendiário do pendão, quando o ato praticado tenha exteriorizado a mais lídima expressão de protesto; assim, basta que o ato, enfim, esteja justificado em direito assentado na Constituição.

À guisa de conclusão, um questionamento sobrepaira: as falácias supra referidas constituem-se, de fato, em duas modalidades ou compreendem um só equívoco interpretativo?

Penso que a dis-integration e a hyper-integration revelem, em verdade, duas facetas de uma mesma falácia, qual seja, o apelo pela interpretação assistemática, corporificada pela não-observância da unidade da Carta Maior.

Dessarte, ao intérprete que tem por diretriz a visão da Constituição como sistema, nenhuma das falácias antes registradas teria curso; as interpretações fragmentárias são desvalidas, só adquirem força quando conciliadas e legitimadas pela e na Magna Carta.

Reaglutinando as premissas já expostas, há que se ter presente que o sistema jurídico, como rede hierarquizada de normas, vivencia historicidade, alimenta-se e consolida-se da e na conformação aporética, bastando que se reflita, neste diapasão, acerca das diferentes matizes interpretativas incidentes sobre os conteúdos jurídicos indeterminados ao longo dos tempos.

O silogismo jurídico, portanto, não é lógico-formal, mas dialético, persuasivo, compreendendo antagonismos que trazem à liça a incontestável incapacidade do sistema em abarcar respostas singulares a 194

problematizações plurais em essência.

Assim, a complexidade da fenomenologia jurígena soçobra na moldura restrita da norma, a qual, então, não se lhe pode servir como amarra.

A idéia da única resposta jurídica correta traria morte à concepção do sistema jurídico como concatenação vívida de princípios, regras e valores, cuja harmonização pressupõe a constante e permanente reelaboração dos entes fracionários, processo que passa ao largo do engessamento acenado pela busca irrazoável de uma resposta cabal, um desassisado pensar sob o prisma hermenêutico.

Estando placitada na Constituição da República Federativa do Brasil a função ministerial de defesa do Estado democrático de direito e a conseqüente legitimidade ministerial para a defesa mediata da dimensão subjetiva dos Direitos Fundamentais, que comporta, a seu turno, os direitos individuais homogêneos, como poderia o Legislador ordinário eleger esta ou aquela hipótese em detrimento de todas as outras que

também configuram situações legitimantes da atuação ministerial?

Não é esta a interpretação, salvo melhor juízo, que se deve emprestar às Leis 6.024/74195, 7.913/89 e 8.078/90196, que, muito antes de restringir aspecto que não lhes compete, consoante orienta o princípio jurídico-constitucional da supremacia da Constituição, estão a explicitar

195

Esta, especificamente, por força do fenômeno da recepção

196

A lei em epígrafe é multifacetada, dada a importância que os direitos do consumidor alcançam no contexto de uma sociedade de massas. Prevê, num primeiro plano (art. 82), a legitimidade ministerial concorrente para a interposição de demanda plúrima para a defesa de direitos individuais homogêneos, hipertrofiando a proteção à dimensão subjetiva deste Direito Fundamental. A par disso, altera a redação da Lei 7.347/85 (artigos 110/117), para remover ressaibos de dúvida acerca da sua idoneidade para proteção da dimensão jurídico-objetiva destes Direitos Fundamentais, explicitando, como se vê, o comando constitucional expressado na dicção do art. 129, II, CF/88 . E, ainda, para cristalizar esta estrutura, expressamente dispõe acerca do concurso de preferência entre os créditos havidos em virtude dos dois instrumentos, manejados concomitantemente (art. 99, caput). Consoante se observa, a inovação do Código Consumerista não está a depor contra o que se disse alhures, acerca da indissociabilidade das dimensões subjetiva e jurídico-objetiva dos Direitos Fundamentais, dentre os quais os