• Nenhum resultado encontrado

A Rejeição de Robert S Taylor

3. Ações Afirmativas e Teoria Não Ideal

3.1. A Rejeição de Robert S Taylor

Ao se adentrar às condições não ideais, a situação muda de figura, pois, em vez da obediência estrita e superação de contingências históricas, há observância parcial das normas e remanescem certas contingências (TAYLOR, 2009, p. 485). Já se argumentou pelo equívoco de Taylor ao conceituar a teoria não ideal, por compreender que ela se esgota na aplicação da concepção geral de justiça. Isso torna o trabalho dele mais restritivo ainda, pois, como já trazido acima, os principais comentadores de Rawls consideram que apenas sociedades com déficit institucional e crise de recursos estariam em tais condições (FREEMAN, 2007, pp. 64-72; POGGE, 1989, pp. 122-134).

A confusão do autor torna-se ainda mais clara quando Taylor afirma que o objetivo da teoria não ideal é encontrar as condições para a aplicação da concepção especial de justiça: “(...) o objetivo da teoria não ideal de Rawls é alcançar condições ideais para que a concepção especial de justiça com suas relações de prioridade lexical possa ser aplicada” (TAYLOR, 2009, p. 487).108 Por sua vez, para Rawls, o

objetivo da teoria não ideal é lidar com a injustiça com vistas a se chegar a uma sociedade bem ordenada, já se aplicando sua concepção especial de justiça (RAWLS, 2001, pp. 89-90).

Todo o argumento de Taylor quanto às condições não ideais tem em Christine Korsgaard seu ponto de partida (TAYLOR, 2009, pp. 487-90). Em seu “Creating the Kingdom of Ends,” ela trata da relação entre teoria ideal e não ideal (KORSGAARD, 1996, pp. 147-51). Sua argumentação, em linhas gerais, é de que a teoria não ideal rawlsiana não é puramente consequencialista, pois nem toda ação que se direciona

107 Tradução livre de: “(...) form the nonideal work in normative social justice research, but they are distinguished by the fact that action design and implementation is primarily empirical research, in contrast to nonideal theory.”

108 Tradução livre de: “(...) the goal of Rawls’s nonideal theory is to achieve ideal conditions in order that the special conception of justice with its lexical-priority relations.”

ao ideal está justificada. Taylor demarca, portanto, ao menos três importantes parâmetros que devem ser levados em consideração na construção do não ideal (TAYLOR, 2009, pp. 489-90).

O primeiro deles insiste que a teoria não ideal deve ser consistente com a concepção geral de justiça. Em segundo lugar, a teoria não ideal deve espelhar prioridade lexical da teoria ideal no seu curso de ação. Em outras palavras, embora já não impere aqui a rigorosa série lexical de princípios, os problemas que devem ser enfrentados primeiro devem ser aqueles relativos aos princípios hierarquicamente superiores.

Por último, a teoria não ideal deve ser consistente com a essência da teoria ideal. Em suma, a ideia aqui é o respeito não à letra (este seria o caso da teoria ideal), mas ao espírito dos princípios. Evidentemente não é fácil identificar o que é o espírito do princípio e as restrições que daí decorrem. Todavia, ignorar tais restrições pode levar a políticas definitivamente inconciliáveis com os densos princípios de justiça desenvolvidos na teoria ideal.

Este texto concorda com a ideia geral de que a teoria ideal é norte e limite para a respectiva teoria não ideal. Contudo, discorda-se da forma com que Robert S. Taylor compreende tais limites. Esse ponto será explorado mais adiante e ficará mais claro quando se analisarem especificamente os temas do procedimentalismo puro e da relação entre ideal e não ideal em Rawls.

Resumidamente, então, Taylor explica que as AA 1-3 são justificáveis em condições não ideais, pois mantêm um procedimento “cego para raça e sexo,” o que seria fundamental para Rawls, diante de seus compromissos com a justiça procedimental pura – o espírito da igualdade equitativa de oportunidades (TAYLOR, 2009, pp. 491-2). Como já se argumentou anteriormente, há importantes intérpretes que discordam dessa cegueira à raça e sexo, por exemplo, Amy Gutmann (GUTMANN, 1995, p. 298).

Em suma, Taylor defende que seriam possíveis apenas compensações no “input”’ (AA 3), mas não no “process” (AA 4) e muito menos no “output” (AA 5). Segundo autor, qualquer interferência tanto no “process” quanto no “output” significa um desrespeito ao procedimentalismo puro de Rawls, o qual, por si só, já traduz a justiça dos procedimentos a seus resultados.

Nesse sentido, o autor compreende que as cotas (AA 4-5) não têm justificativa na teoria de Rawls, nem mesmo em condições não ideais (TAYLOR, 2009, pp. 493-4). O autor esquematiza seu argumento a partir da seguinte figura (TAYLOR, 2009, p. 491):

Nesse sentido, Taylor acredita que, em condições não ideais, admite-se a violação da letra da igualdade equitativa de oportunidades por meio de intervenções do “input.” É exatamente isso que as AA 3 fazem. O que, contudo, o autor não admite é a violação ao espírito da igualdade equitativa de oportunidades, capturada pelo seu procedimentalismo puro: “(...) uma distribuição justa aqui é simplesmente aquela que emerge de um procedimento justo, definido como aquele que neutraliza as contingências sociais” (TAYLOR, 2009, p. 493).109 Seria exatamente essa a

diferença entre AA 3 e AA 4-5: enquanto aquelas não violam o espírito da igualdade equitativa de oportunidades, estas o fazem.

Em outras palavras, Taylor assevera que o procedimentalismo e o individualismo da justiça como equidade encontram sua expressão na igualdade equitativa de oportunidades, cujo foco “(…) é em garantir condições competitivas para os cidadãos, e não em garantir certos resultados para certos grupos” (TAYLOR, 2009, p. 503).110 Essencialmente, é daí que decorre, na interpretação de Taylor, a

impossibilidade de justificar cotas (AA 4-5) em uma teoria não ideal rawlsiana.

Entretanto, essa interpretação parece incompatível com o projeto rawlsiano, pois não alcança a melhor luz de dois de seus conceitos fundamentais: o procedimentalismo puro e o princípio da diferença, que serão discutidos nas seções que se seguem.

109 Tradução livre de: “(…) a fair distribution here is simply whatever emerges from a fair procedure, defined as one that neutralizes social contingencies.”

110 Tradução livre de: “(…) is on securing fair competitive conditions for individual citizens, not on guaranteeing certain outcomes for the groups to which they belong.”