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CAPÍTULO VII- Apresentação e análise interpretativa dos dados

1. Caracterização profissional dos entrevistados

1.3. Relação com os alunos

Passamos, de imediato, à análise interpretativa da subcategoria “Relação com os alunos” (Quadro 6).

Relativamente à relação com os alunos, 90% dos entrevistados (20,4% das unidades de sentido) referem ter uma relação de diálogo com eles. A investigação (Anderson e Iwanicki, 1984, cit. in Jesus, 1997: 19) tem mostrado que o 3º Ciclo do Ensino Básico é aquele que coloca maiores exigências relacionais e, por conseguinte, o ciclo onde se verifica maior mal-estar docente. Todavia, o nosso estudo aponta em sentido contrário, dado que 60% dos entrevistados referem ter uma relação de proximidade com os alunos, facto evidenciado em 11 unidades de sentido. Salientamos, a propósito, o discurso de dois entrevistados:

“(...) Tento sempre dentro do possível relacionar-me bem com os meus alunos. (...) mandar para a rua, por exemplo raramente o faço. (...) Tento falar com os miúdos no final da aula. (...) Muitas vezes...tenho uma conversa de problemas mais íntimos, de problemas familiares, etc. (...) Muitas vezes estes miúdos, desta zona aqui de Olhão, necessitam mais é de apoio, mesmo. (...) por exemplo, quando vejo que um aluno está mais triste hoje e que não é normal tento falar com ele para saber o que é que ele tem, para saber o que é que aconteceu (...)” E3

“(...) Eu procuro antes de mais ser bom ouvinte, dialogante (...) e resolver as coisas pelo diálogo quando há problemas de indisciplina e quando não há, não é?... (...)” E8

_________________________________________Universidade do Algarve – FCHS/ESE 137 Contraditoriamente, há professores que negligenciam o diálogo com os alunos, privilegiando o cumprimento dos programas curriculares, por exemplo, ou que evidenciam representações inadequadas acerca do relacionamento professor/aluno, em que é usada a reserva como estratégia defensiva ou, então, a recusa ou a ruptura nítida de qualquer tentativa interrelacional.

QUADRO Nº 6 Relação com os alunos

TRAÇOS CARACTERIZADORES Nº UN. SENTID

% Nº ENT*

%

Relação próxima/ Boa relação com os alunos 11 11,22 6 60

Relação de diálogo com os alunos 20 20,40 9 90

No início do ano lectivo (1ºPeríodo) há uma maior imposição/relação pouco afectiva

4 4,08 2 20

Tenta conquistar os alunos ao longo do ano lectivo 2 2,04 2 20

Tentativa de motivar os alunos começando pela matéria mais fácil e mais atractiva

2 2,04 2 20

Tenta nunca expulsar os alunos da sala de aula /mandar para a rua

1 1,02 1 10

A indisciplina depende do relacionamento entre o aluno e o professor

4 4,08 3 30

Necessidade de conhecer bem o grupo/turma e o contexto 6 6,12 3 30

Tenta falar individualmente com o aluno indisciplinado no final da aula

3 3,06 3 30

O docente usa a “reserva” como estratégia defensiva 3 3,06 2 20

Necessidade de os alunos conhecerem a existência de regras /leis na sala de aula

2 2,04 1 10

A docente aproveita as dúvidas/assuntos do quotidiano para construção da aula

4 4,08 3 30

A proximidade física e psicológica com o professor é muito importante

7 7,14 2 20

O docente em relação à indisciplina faz a tentativa de que tudo corra pelo melhor

3 3,06 2 20

Tentativa de cativar os alunos no plano afectivo 1 1,02 1 10

Não incentiva os alunos a falarem-lhe dos seus problemas pessoais

2 2,04 1 10

O modelo autoritário não funciona 1 1,02 1 10

O Professor tenta desconstruir/ desmontar a falta de formação cívica e cultural dos alunos

_________________________________________Universidade do Algarve – FCHS/ESE 138

Falar com os alunos fora da sala de aula é uma forma de prevenir a indisciplina de os vincular

1 1,02 1 10

Levar os alunos a compreenderem que podem contribuir para o bem-estar da escola

2 2,04 1 10

A relação com os alunos é variável porque os alunos também são variáveis

2 2,04 1 10

É necessário entender e desmontar a cultura que os alunos trazem para a escola

2 2,04 1 10

Procura diversificar aos métodos de avaliação 1 1,02 1 10

Procura atender às várias motivações e interesses dos seus alunos

3 3,06 1 10

Os professores devem-se demarcar do papel dos pais 1 1,02 1 10

Não pretende ser uma professora rígida, mas é exigente. 1 1,02 1 10

A relação com os alunos é “uma batalha” 1 1,02 1 10

Actualmente há uma grande desmotivação dos alunos 3 1 10

A docente tenta ser compreensiva, tolerante e tenta que as aulas sejam agradáveis

1 1,02 1 10

Não há muito tempo para escutar os alunos (nem na sua aula nem para além das aulas)

3 3,06 1 10

Total 98 100,00 --- ---

*N=10

Notámos, pela análise das entrevistas, que os professores que sustentam crenças irracionais erradas, inadequadas ou ultrapassadas, não condizentes com o contexto actual, no que concerne ao relacionamento professor/aluno, usam um discurso pouco positivo e, até, de descrença relativamente às capacidades dos seus alunos ou, inclusivamente, à sua própria capacidade de lidar com as situações de indisciplina. São, no geral, estes docentes e que se auto-representam como exigentes, recusando, por isso, fomentar as relações interpessoais, que enfrentam os maiores problemas disciplinares e que não terão sucesso como professores porque lhe falta a capacidade de «“constranger com humanismo”, isto é, de saber liderar as relações sociais na turma» (Amado, 2000: 75). A propósito, detenhamo-nos no conteúdo do seguinte excerto de uma das entrevistas:

“(...) A relação pedagógica com os alunos, é uma batalha, é uma batalha...(...) porque actualmente há uma grande desmotivação (...) há uma fuga ao esforço (...) há uma fuga constante ao trabalho (...) e eu acredito é no trabalho. (...)” E10

_________________________________________Universidade do Algarve – FCHS/ESE 139 Prosseguindo a análise dos dados, constata-se que 20% dos entrevistados referem que, no primeiro período, existe uma maior imposição e, por conseguinte, há uma relação pouco afectiva. Por seu lado, 30% referem ter “a necessidade de conhecer bem o grupo turma/contexto da turma”, ao passo que 20% dos docentes usam “a reserva como estratégia defensiva”. Outro docente (10%) refere que não incentiva os alunos a falarem-lhe dos seus problemas pessoais. Outra, ainda (10%) salienta que, não pretendendo ser uma professora rígida, é, contudo, exigente. E, para um outro, a relação com os alunos é “uma batalha”, afirmando que “não há muito tempo para escutar os alunos nem nas aulas nem para além das aulas”.

Hilda Taba (1962 cit. in M.T. Estrela, 2002), situando-se, neste âmbito, afirma que, “quando as relações pessoais são rígidas e bloqueadas, a disciplina e o trabalho são imediatamente afectados e os alunos terão tendência a despender o seu tempo e energia fazendo-se notar, projectando as necessidades do seu eu e boicotando as actividades”. Estes indicadores são evidenciados por diferentes registos de discurso dos entrevistados, de que destacamos:

“(...) A minha relação com os alunos, começa por ser julgo eu, não muito afectiva... (...) portanto tento conhecê-los primeiro melhor, (...)depois durante o ano é um trabalho de construção tanto a nível do que eles esperam de mim do que eu espero deles. (...) E julgo que ai sim, então se constrói uma relação afectiva. (...) E não imagino a relação entre o professor e os alunos de outra forma. (...) é uma forma de defesa (...)” E4

“(...) Bom, numa primeira etapa, há digamos como que uma fase de estudo mútuo. (...) Eles tentam-me estudar (...) e eu também os tento estudar (...) Eles tentam medir-nos o pulso, (...) tentam ver até onde é que nós vamos (...) nós também tentamos ver (...) mas numa primeira etapa há digamos um estudo do outro (...) ninguém arrisca. (...) Depois numa segunda etapa, se eu verificar se de facto há condições para ir um pouco mais além para lhes dar um pouco mais de confiança, para brincar (...)É assim, eu não, não procuro provocá-los muito no sentido que eles me venham falar dos seus problemas pessoais, (...) Porque... não quero que eles sintam que está ali alguém a bisbilhotá-los. (...)E6

No plano oposto, salientamos que 20% dos docentes (2,04% das unidades de sentido) demonstram preocupação em cativar os seus alunos, em entusiasmá-los, usando estratégias de relacionamento pessoal, como sejam começar pela matéria mais fácil e,

_________________________________________Universidade do Algarve – FCHS/ESE 140 portanto, mais atractiva. Outros (30%, em 4,08% das unidades de sentido) aproveitam as dúvidas do quotidiano para construção da aula; colocam a tónica no desmontar a falta de formação cívica dos alunos (1,02% das unidades de sentido); falam com os alunos fora da sala de aula, como forma de prevenir a indisciplina e de os vincular (1,02% das unidades de sentido); procuram levá-los a compreenderem que podem contribuir para o bem-estar da escola (um docente, em 2 unidades de sentido) e procuram atender às suas várias motivações e interesses (30,06% das respostas). A título exemplificativo, destacamos:

“(...) mas estou sempre, estou sempre a disponibilizar horas às vezes (...) fora do meu horário escolar diário, para falar com os alunos para, para conversar com eles (...) (...) para me disponibilizar a ajudá- los ou ouvi-los em tudo aquilo que for possível. (...) Faço isso com todos os alunos (...) e faço isso principalmente com os alunos da minha Direcção de Turma. (...) É minha preocupação sempre que os encontro nos pátios da escola ou mesmo no exterior perguntar-lhes se correu bem o dia se não correu, se... Porque é que estão ali e se não deviam de estar em aula. Se faltaram, se não faltaram, (...) portanto, acho que esse diálogo é importante (...)” E 5

“(...) e quanto à minha relação com os alunos (...), dado que já chegámos à conclusão há muito tempo que os modelos ou o modelo autoritário não funciona, (...) por questões sociais, sociológicas, (...) e de educação mesmo do, mesmo das gerações actuais, (...) tento sem ceder muito (...)” E7

“(...) Eu tenho tido uma relação boa com eles. (...) no fundo existe uma boa relação entre eles e o professor. (...) Tanto que por vezes eles fazem certas intervenções a respeito da professora que é engraçada (...) Tratam-me por “minha avó, gostava que fosse minha avó” (...)” E9

Para estas atitudes opostas, evidenciadas pelos diferentes professores, encontramos justificação nas palavras de Esteve (1991), quando afirma que se trata de “velhas contradições inscritas na própria essência da tarefa docente”. Daí que entendamos estas diferentes posturas à luz de um equilíbrio que nos parece antagónico acerca do papel do professor, uma vez que lhe é exigido que desempenhe um papel de amigo, de companheiro e de apoio ao desenvolvimento do aluno como é evidenciado por alguns professores do nosso estudo, o que é incompatível com as funções de selecção, de avaliação e de modelos rígidos em termos de relacionamento interpessoal. Os dados analisados mostram que alguns professores do nosso estudo assumem posturas

_________________________________________Universidade do Algarve – FCHS/ESE 141 diferenciadas, mais democráticas, mas na tentativa de construção das aulas, atendendo aos diferentes público alvo, enquanto outros ainda se pautam por um processo se socialização convergente, quando, na actualidade, esse processo é divergente o que obriga a uma diversificação na actuação do professor (Esteve, 1991)

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