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3. O SISTEMA DE ALERTA E RESPOSTA: UMA PROPOSTA PARA A USF NOVA VIA

3.1 Identificação dos episódios térmicos extremos no espaço e no tempo

3.1.1 Relação entre a temperatura média radiante (Tmrt) e a mortalidade e morbidade entre

Existem inúmeros índices biometeorológicos (fig. 21) para identificar o stress térmico que o corpo humano enfrenta durante a ocorrência de um episódio térmico extremo de calor.

Figura 21 – Alguns índices biometeorológicos (Monteiro, 2012)

A temperatura radiante média

Usando a temperatura radiante média35 (Tmrt) calculada com o software SOLWEIG (2012), foi efetuada a análise da mortalidade e morbidade no período de 2002 a 200736, durante os meses de maio, junho, julho, agosto e setembro.

Para o cálculo da Tmrt, foram utilizados os dados horários da temperatura média, humidade relativa, vento, radiação solar global e radiação solar total registados na estação meteorológica de Porto-Pedras Rubras37. Foram selecionados os valores horários máximos de Tmrt em cada um dos dias. Posteriormente, procedeu-se à definição das classes de Tmrt diárias máximas de acordo com os percentis encontrados (fig. 22). Esta classificação procurou, na medida do possível, assemelhar-se à classificação do PET38. Finalmente, estimou-se a percentagem de dias por mês/ano de cada classe Tmrt durante o período em análise.

Figura 22 – Classes da Temperatura Média Radiante (Monteiro, 2012).

A figura 23 representa o comportamento das temperaturas mínimas (Tmin), máximas (Tmax) e da temperatura radiante média (Tmrt) no Porto entre 2002 e 2007. A média mensal da Tmrt situa-se entre os 12 °C em janeiro e dezembro e os 29 °C nos

35 De acordo com a ASHRAE (2003) a temperatura radiante média é definida como a temperatura de um

compartimento uniforme preto que troca a mesma quantidade de radiação térmica, com o ocupante desse compartimento. “A temperatura média radiante é o parâmetro meteorológico com o maior efeito sobre a sensação de stress térmico no ser humano” (Koppe et al., 2004, p. 82).

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Foram escolhidos os anos de 2002 a 2007 porque foi o único período com dados disponíveis para a mortalidade e morbidade diária e radiação solar horária no Porto.

37 A estação meteorológica de Porto-Pedras Rubras é a única estação oficial do IM em funcionamento

com dados horários de radiação solar no Porto.

meses de julho e agosto enquanto a média da tmin e tmax variou respetivamente entre 6,6 °C (janeiro) e 16,3 °C (agosto) e entre 13,9 °C (janeiro) e 24,8 °C (agosto). A amplitude térmica foi de cerca de 9,7 °C para a média da tmin e de 10, 9 °C para a média da tmax.

Figura 23 - Média mensal da temperatura radiante média (Porto-Pedras Rubras 2002-2007).

Relativamente à sensibilidade térmica, verifica-se que 20% dos dias entre os anos de 2002 e 2007 registaram valores de Tmrt [41,5 °C - 49,0 °C[, o que significa que se incluem, segundo a classificação da Tmrt, na classe de sensibilidade térmica “Confortável” (P40 e o P60), (fig. 24).

Analisando a Tmrt, agora por mês para o mesmo intervalo, (fig. 25) observa-se que os meses que tiveram 70% dos dias com desconforto térmico devido ao frio, foram janeiro, fevereiro, novembro e dezembro. Os meses de julho e agosto registaram 75% de dias desconfortáveis devido ao calor. O mês de março foi o mais confortável com 49% dos dias a registar temperaturas entre o P40 e o P60.

Figura 25 - Percentagem dos dias, por mês, de acordo com as classes de Tmrt (Porto-Pedras Rubras 2002 – 2007).

Relativamente à distribuição de cada uma das classes durante os anos analisados, a classe “confortável” é a que regista em todos os anos, com a exceção de 2006, a maior percentagem de dias (fig. 26). Curiosamente, no ano de 2006 foi registada a maior percentagem de dias nas classes de “morno” (11%), “quente” (9%) e “muito quente” (18%), a soma destas três classes representou mais de 1/3 do total. Para este valor contribuiu a classe de “muito quente” que exibiu o valor mais alto de toda a série dentro da classe. Nos valores mensais, e no que respeita ao frio, observa-se que os meses de janeiro e dezembro apresentam valores idênticos (27%) de dias classificados como “muito frios” e os meses de novembro e dezembro apresentam valores de 20% e 25%, respetivamente de dias classificados como “frios”. No outro extremo da tabela, o mês de julho apresenta 35% dos dias dentro da classe “quente” e os meses de julho e agosto apresentam percentagens muito altas 32% e 39% respetivamente.

Figura 26 – Percentagem dos dias, por ano e por mês, de acordo com as classes de Tmrt (Porto-Pedras Rubras 2002 – 2007).

maio, junho, julho, agosto e setembro são os meses que apresentam as percentagens mais elevadas nas classes de “confortável”, “morno”, “quente” e “ muito quente”.

A mortalidade e a morbidade

Os dados de mortalidade e morbidade (internamentos diários) foram recolhidos nos quatro principais hospitais públicos da Grande Área Metropolitana do Porto39 entre 2002 e 2007, a saber: Hospital de São João e Hospital de Santo António, no concelho do Porto, Hospital de Santos Silva (Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho – Unidade 1) e Hospital Pedro Hispano, nos concelhos de Vila Nova de Gaia e Matosinhos respetivamente (fig. 27).

Para a mortalidade, foram consideradas todas as causas de mortalidade e para a morbidade foi considerada apenas uma Grande Categoria Diagnóstica (GCD), GDC 4 - Doenças e Perturbações do Aparelho Respiratório.

Figura 27 – Distribuição dos quatro hospitais públicos nos concelhos do Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia. A) Localização da GAMP em Portugal continental; B) GAMP 2007; C) Localização dos

hospitais.

A importância dos episódios térmicos extremos no estado de saúde da população foi mencionada por diversas vezes no capítulo II do nosso trabalho mas agora procuraremos avaliar como é que no Porto elas ocorreram, especificamente, no período 2002-2007.

Primeiro procuraremos avaliar a relação entre os eventos climatológicos extremos e a mortalidade (Óbitos observados e Óbitos esperados) durante o episódio e cinco dias após a sua a ocorrência (fig.28). Depois, analisaremos a relação entre a morbidade (Admissões observadas e Admissões esperadas) durante o episódio e cinco dias após a sua ocorrência (fig.34). Em ambos os casos selecionaremos a título de exemplo alguns períodos com comportamento térmico extremo e observaremos a sua relação com os valores de mortalidade e morbidade (fig. 29 a fig.33 e fig. 35 a fig. 39).

Os eventos extremos de calor que produziram maior mortalidade comparativamente com o período homólogo ocorreram nos períodos de 30 de julho e 12 de agosto de 2003 com um excesso de mais 34% de óbitos e de 11 a 18 julho de 2006 com mais 39% de óbitos (fig. 28). Observa-se que, à exceção do evento que ocorreu

entre os dias 12 e 15 de agosto de 2005, a mortalidade durante e depois da ocorrência do evento também aumentou. Em relação à Tmrt verifica-se que na maioria dos dias antes e durante o evento a Tmrt esteve sempre na classe acima do P90 (excecionalmente quente).

Mortalidade

Figura 28 - Excesso de mortalidade durante e após a ocorrência de um episódio extremo de calor e intensidade da Tmrt antes e durante a ocorrência de um episódio extremo de calor (Monteiro, 2012).

A relação entre a Tmrt e o excesso de mortalidade nos cinco períodos de calor extremo selecionados é muito expressiva (fig. 29 a fig. 33). Na maioria dos dias o número de mortes observadas é superior ao número das mortes esperadas, tendo em conta o período homólogo. O facto de existir uma relação muito próxima entre o comportamento da Tmrt e o número de mortes observadas, é também revelador de uma potencial forte relação de causalidade (fig. 29). Veja-se a título de exemplo o período entre 30 de julho e 12 de agosto: os dias que registaram o maior número de mortes foram os dias 7 e 8 julho, com 49 e 44 mortes cada. Estes dias registaram os valores mais elevados de Tmrt (61,7 °C no dia 7 e 56,1 °C no dia seguinte). Isto é, durante o período em que ocorreu o evento, estes dias registaram simultaneamente os valores mais elevados de Tmrt e de mortalidade.

Figura 29 - Excesso de mortalidade por todas as causas entre 30 de julho e 12 de agosto de 2003 (Monteiro, 2012).

No período entre 8 a 11 de julho (fig. 30) verifica-se que o dia 9 registou os valores mais elevados de Tmrt e de mortalidade. Este dia registou uma Tmrt de 58,3 °C e 36 mortes. Mas se olharmos para o conjunto do gráfico, salta-nos à vista o dia 19 de julho. Este dia registou os valores mais elevados do mês de julho para as duas variáveis (59,6 °C e 38 mortes). Este facto parece indicar que o número de mortes aumenta com Tmrt acima do P80 dentro de um conjunto de dias ou apenas num só dia.

Figura 30 - Excesso de mortalidade por todas as causas entre 8 e 11 de julho de 2005 (Monteiro, 2012).

O período entre o dia 12 e 15 de agosto de 2005 (fig. 31) possui os valores mais elevados de Tmrt do mês de agosto. Apesar de, o dia com maior número de mortes observadas não estar incluído neste intervalo, 26 de agosto com 26 mortes. É interessante observar, mais uma vez, a relação estreita entre a variação da temperatura e a variação da mortalidade. O dia 14 de agosto foi o mais quente dos cinco períodos com 62,8 °C quase no limite do P90, de acordo com a classificação de Tmrt.

Figura 31 - Excesso de mortalidade por todas as causas entre 12 e 15 de agosto de 2005 (Monteiro, 2012).

O intervalo ilustrado no gráfico (fig. 32) é o que regista os dias com maior número de mortes de todos os períodos. Os dias 16 e 17 de julho de 2006 registaram 59 mortes cada, com Tmrt de 62,6 °C 58,8 °C respetivamente. Devemos ter em atenção que para os mesmos dias esperavam-se valores de mortalidade de 25,2 e 29,6. Isto significa que morreram o dobro das pessoas. Aqui verifica-se, uma vez mais a relação muito próxima entre a Tmrt e a mortalidade. Observe-se no dia 18, o número de mortes (34) diminui quase à mesma proporção da variação da temperatura radiante média.

Figura 32 - Excesso de mortalidade por todas as causas entre 11 e 18 de julho de 2006 (Monteiro, 2012).

Finalmente, para o último período analisado (fig. 33), observa-se a tendência, embora ténue, dos gráficos anteriores. A curva da Tmrt situa-se entre os 58,2 °C e os 61,9 °C.

Figura 33 - Excesso de mortalidade por todas as causas entre 3 e 13 de agosto de 2006 (Monteiro, 2012).

Morbidade

Para a morbidade a nossa análise incidiu nos internamentos com as Grandes Categorias de Diagnóstico 4, também para os cinco períodos referidos no ponto anterior. No entanto, sabemos que de acordo com o estudo elaborado por Monteiro (2012) a morbidade, relacionada com a Bronquite, Asma, Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, Pneumonia e Pleurisia no caso das Doenças do Aparelho Respiratório, é também substancialmente afetada pelo comportamento da temperatura e passível de ser muito bem relacionada com os valores mais elevados de Tmrt.

Morbidade relacionada com as Doenças do Aparelho Respiratório-GCD4

Os valores do excesso de morbidade esperada relativamente à observada para o GCD4 - Doenças do Aparelho Respiratório, durante e depois, dos cinco períodos em que ocorreram episódios extremos de calor, coincidiram com um incremento também nos valores de Tmrt tanto durante como depois do evento (fig. 34).

Figura 34 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade durante e após a ocorrência de um episódio extremo de calor e intensidade da Tmrt antes e durante a ocorrência de um episódio

extremo de calor (Monteiro, 2012).

O primeiro facto que sobressai é que, em todos os períodos foram registados aumentos nos internamentos hospitalares durante o momento em que ocorreu o evento (fig.34). Registou-se um aumento de 42% nas admissões hospitalares dos quatro

agosto de 2005 registou o aumento mais reduzido e que corresponde a 3% das admissões hospitalares. Curiosamente, estes dois períodos registaram uma tendência idêntica no comportamento dos valores da mortalidade, 39% e -9% respetivamente.

A análise mais detalhada de cada um dos eventos extremos (fig. 35 a fig.39) demonstra que tal como acontece com a mortalidade, a morbidade também é muito afetada pela ocorrência de eventos térmicos extremos relacionados com o calor.

Figura 35 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade por todas as causas entre 30 de julho e 12 de agosto de 2003 (Monteiro, 2012).

Figura 36 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade por todas as causas entre 8 e 11 de julho de 2005 (Monteiro, 2012).

Figura 37 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade por todas as causas entre 12 e 15 de agosto de 2005 (Monteiro, 2012).

Figura 38 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade por todas as causas entre 11 e 18 de julho de 2006 (Monteiro, 2012).

Figura 39 - GCD4 Doenças do Aparelho Respiratório. Excesso de morbidade por todas as causas entre 3 e 13 de agosto de 2006 (Monteiro, 2012).

Da análise da relação entre a temperatura e a mortalidade para todas as causas e para a morbidade das doenças respiratórias destacamos três dos cinco períodos analisados e concluímos que:

No período entre 30 de julho e 12 de agosto de 2003, a Tmrt registou valores entre os 41 °C e os 62 °C e em 80% dos dias deste intervalo foi ≥ 53 °C (fig. 29 e 35). O que resultou em valores de mortalidade para todas as causas de 34% e para a morbidade para as doenças respiratórias 26%;

No período entre 11 e 18 de julho de 2006, a temperatura radiante média registou valores entre os 45 °C e os 63 °C, onde em 90% do tempo foi ≥ 59 °C (fig. 32 e 38). Os seus impactos traduziram-se num excesso de mortalidade para todas as causas de 39% e na morbidade para as doenças respiratórias foram registados valores na ordem dos 42%;

No período entre 3 e 13 de agosto de 2006 foram registados valores entre os 56 °C e os 62 °C onde durante 100% do tempo a Tmrt foi ≥ 56 °C (fig. 33 e 39). Os impactos do evento resultaram em 25% de excesso de mortalidade para todas as causas e 37% de excesso de admissões hospitalares para as doenças respiratórias.

Assim, verificamos que a mortalidade em excesso relativamente ao período homólogo aumenta no Porto quando a Tmrt é superior a 53 °C. E este número é ainda

mais elevado quando a Tmrt é igual ou superior a 59 °C. Ao mesmo tempo, observamos que a morbidade aumenta quando a Tmrt é superior a 53 °C Tmrt, atingindo valores máximos com Tmrt de 56 °C. Todavia, quando a Tmrt ultrapassa os 59 °C a morbidade começa a diminuir precisamente o limiar a partir do qual a mortalidade é mais elevada.

3.2 A pertinência de um Sistema de Alerta e Resposta (SAR) para episódios