3.2 RELAÇÕES INTRACICLO: HELIODORA
3.2.3 Relação Eros-Heliodora
O grupo final de epigramas de Heliodora tratará da relação entre Eros e a personagem, no sentido de explicitar como Eros ataca a persona por intermédio de Heliodora. Os poemas em questão são: XLVIII (A.P. 5. 155), XLIX (A.P. 5.157), L (A.P. 5.163), LIII (A.P. 5.214) e LIV (A.P. 5.215).
XLVIII é estruturado semelhantemente a XLVII, já que Heliodora é caracterizada como eÜlalon. Também há o jogo de palavras que Meleagro muitas vezes emprega nas finalizações de seus poemas, pois em XLVII o epigrama se encerra com t¦j C£ritaj c£risin (Graça com suas graças) e no poema XLVIII o último dístico comporta: yuc¾n tÁj yucÁj (alma da minh’alma).
XLVIII (A.P. 5.155)
Dentro do meu coração o próprio Eros moldou Heliodora de doce falar, alma da minh’alma.
XLVIII
'EntÕj œmÁj krad∂hj t¾n eÜlalon `Hliodèran· yuc¾n tÁj yucÁj 'plasen aÙtÕj ”Erwj.
A imagem de Heliodora moldada no coração da persona, na verdade, pode significar que Heliodora se transformou no próprio coração e por isso ela é “alma da minh’alma”. O desejo por Heliodora incitado pelo deus é tamanho que passa a ser o órgão pulsante que dá vida à persona, ou seja, há uma relação de dependência por parte da persona para com Heliodora. Assim, Eros determina essa transformação, subordinando Heliodora e a persona aos seus domínios.
Sendo contíguo ao poema XLVIII, XLIX pode lhe ser complementar pelo seu conteúdo. Neste epigrama, Eros também domina a cena e está nítida a sua influência em Heliodora para que esta faça a persona sofrer.
XLIX (A.P. 5. 157)
Unha afiada de Heliodora, Eros te fez crescer: teus arranhões penetram até o fundo do coração.
XLIX
TrhcÝj Ônux Øp' ”Erwtoj ¢n◊trafej `Hliodèraj· taÚthj g¦r dÚnei kn∂sma kaπ œj krad∂hn.
O interlocutor da persona é a metonímia do seu sofrimento TrhcÝj Ônux (unha afiada). Não se sabe a razão para tal sofrimento, mas pode-se inferir que seja pelo ciúme provocado pela troca de parceiro. Assim como Eros une, ele desune e faz sofrer.
A escolha da unha como instrumento do sofrer torna plástica a imagem, pois sai da superfície e invade o corpo da persona, o que causa maior pathos no leitor que tenta visualizar a imagem.
O autor usará a dor física como marca de seu sofrimento no poema seguinte, L, ao associar Heliodora a uma abelha, e, portanto, ao seu ferrão, que ataca o coração da persona.
L (A.P. 5. 163)
Abelha de flores nutrida, por que a pele de Heliodora me tocas depois de abandonar os cálices primaveris? Por acaso tu revelas que ela doce e insuportável ferrão de Eros possui, sempre amargo ao coração?
Sim, parece que o dizes. Vá, amorosa e marcha 5 de volta sobre teus passos: há muito sabemos deste teu anúncio.
L
'Anqod∂aite m◊lissa, t∂ moi croÕj `Hliodèraj yaÚeij, œkprolipoàs' e≥arin¦j k£lukaj; Ã sÚ ge mhnÚeij, Óti kaπ glukÝ kaπ dusÒiston pikrÕn ¢eπ krad∂v k◊ntron ”Erwtoj 'cei;
naπ dok◊w toàt' eipaj. ≥è fil◊raste, pal∂mpouj 5 ste√ce· p£lai t¾n s¾n o∏damen ¢ggel∂hn.
No primeiro dístico deste epigrama, coloca-se uma questão sobre o abandono dos e≥arin¦j k£lukaj (cálices primaveris) por parte da 'Anqod∂aite m◊lissa
(abelha de flores nutrida). Por conta do epíteto da abelha e porque ela toca a pele de Heliodora, entende-se que não houve um abandono propriamente dito, apenas uma troca: ou seja, Heliodora é alvo da abelha por ser equiparada aqui a uma flor.
Entretanto, há uma virada no segundo dístico, ao se aventar a possibilidade de a abelha ter tocado a pele da personagem. Na verdade, ela é um auspício revelador de que Heliodora, assim como ela, possui um ferrão, o qual é caracterizado como glukÝ kaπ dusÒiston / pikrÕn ¢eπ krad∂v k◊ntron ”Erwtoj 'cei (doce e insuportável ferrão / de Eros possui, sempre amargo ao coração).
O último dístico constata tal hipótese naπ dok◊w toàt' eipaj (sim, parece que o dizes) e mostra que a persona já estava ciente de tal atributo de Heliodora p£lai t¾n s¾n o∏damen ¢ggel∂hn (há muito sabemos deste teu anúncio).
O epigrama, portanto, caracteriza Heliodora como uma abelha cujo ferrão foi dado por Eros, possuindo assim as características ambíguas do deus: glukÝ e pikrÕn, ou seja, Heliodora é mais uma vez o instrumento pelo qual Eros faz com que a persona sofra de amores.
O próximo epigrama analisado marca a relação amorosa como um jogo, cujos protagonistas são Heliodora, Eros e a persona. Neste jogo, Eros lança para Heliodora o coração da persona como uma bola, o que se remete ao ato de se lançar uma maçã à amada convidando-a ao ato amoroso.
LIII (A.P. 5. 214)
Nutro um Eros, que joga bola; para ti, Heliodora, ele lança o coração que bate em mim.
Vamos, recebe o Desejo jogador. E se me
LIII
Sfairist¦n tÕn ”Erwta tr◊fw· soπ d', `Hliodèra, b£llei t¦n œn œmoπ pallom◊nan krad∂an.
¢ll' ¥ge sumpa∂ktan d◊xai PÒqon· e≥ d' ¢pÕ seà me ˛∂yaij, oÙk o∏sei t¦n ¢p£laistron Ûbrin.
Em mais um epigrama a persona se coloca passiva diante de uma divindade e de sua amada, ao transformar o seu coração no objeto que, ao ser aceito, marca o ato amoroso. No primeiro dístico, pode-se entender Sfairist¦n tÕn ”Erwta tr◊fw (Nutro um Eros que joga bola) como a presença de um amor que cresce dia-a-dia dentro da persona.
O segundo dístico incita a personagem a aceitar a “bola”, o que marca o seu consentimento para fazer parte desse jogo de amor. Entretanto, caso ela se desfaça da bola, a persona pode não suportar tal jogo baixo, pois seu sofrimento será tamanho que ela não resistirá.
O último epigrama que trata de Eros e Heliodora é uma súplica ao deus para que ele aponte suas setas aladas para outros, pois a persona é o único alvo aparente do deus, tema já previamente tratado em XXIV.
LIV (A.P. 5. 215)
Suplico-te, Eros, adormece o meu desperto desejo por Heliodora em respeito à minha musa suplicante.
Sim, juro pelos teus arcos, que não sabem atingir outro e sempre apontam contra mim setas aladas,
ainda que me mates, deixarei as letras 5 falantes: “Veja, estranho, a crueldade de Eros.”
LIV
L∂ssom', ”Erwj, tÕn ¥grupnon œmoπ pÒqon `Hliodèraj ko∂mison a≥desqeπj moàsan œm¦n ≤k◊tin.
naπ g¦r d¾ t¦ s¦ tÒxa, t¦ m¾ dedidagm◊na b£llein ¥llon, ¢eπ d' œp' œmoπ ptan¦ c◊onta b◊lh,
e≥ kaπ me kte∂naij, le∂yw fwneànt’ œpπ tÚmbJ 5 gr£mmat',‘ ”Erwtoj Óra, xe√ne, miaifon∂an’.
O poema abre-se com uma súplica da persona, que nada mais é do que um adormecimento do desejo ardente que ela sente por Heliodora. A persona respalda o seu pedido ao inserir nos poema a musa suplicante, o que pode ser entendido como uma referência aos próprios poemas que ela escreve: ou seja, a sua súplica deve ser atendida por Eros, pois a persona compõe um poema súplice.
O segundo e terceiro dísticos são uma espécie de ameaça ao deus, pois caso ele não atenda às suas súplicas, a persona registrará por escrito, ainda que seja morta, ‘ ”Erwtoj Óra, xe√ne, miaifon∂na.’ (Veja, estranho, a crueldade de Eros.). O fechamento do poema se dá com a morte da persona, que na verdade será causada por Eros, já que todas as suas setas aladas acertam apenas a ela.
Nesta seção da análise, tentou-se mostrar que o domínio de Eros se deu por meio de Heliodora, uma vez que todas as referências da influência de Eros na personagem (unha afiada e ferrão) condizem com o instrumento principal de Eros:
setas aladas. Em soma, a associação entre Eros e Heliodora indica como o deus age: por meio de uma personagem que incorporará os desígnios amorosos.