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3.1 RELAÇÕES INTRACICLO: ZENÓFILA

3.1.3 Relação Eros-Zenófila

Os dois componentes deste grupo – XXXVII – A.P. 5.177 e XXXVIII – A.P. 5.178) são epigramas de certo modo intrigantes pelo fato de focarem o deus Eros e associarem-no à Zenófila de forma oblíqua. São os mais longos de todo o ciclo, pois têm 5 dísticos cada um.

O poema XXXVII abre-se com uma cena típica de procura de escravos, onde está o nome do escravo e quando ele fugiu. Os seguintes 3 dísticos serão

compostos da caracterização deste escravo. O último dístico, como característico em Meleagro, é o ponto de virada do epigrama, quando a persona encontra o fugitivo.

XXXVII (A.P. 5. 177)

Anuncio: procura-se Eros selvagem. Ainda agora de manhã do leito voou para longe.

É um guri doce-amargo, sempre falante, rápido e destemido, ri com o nariz para cima, alado, porta aljava.

O pai não tenho como nomeá-lo. Pois nem o éter 5 nem a terra dizem ter parido o atrevido, nem o mar.

Por toda parte e por todos é odiado. Mas atentai

para que agora ele não coloque outras almas em outras trapas.

E de fato ele, veja, está perto do covil. Não passaste despercebido a mim

arqueiro, quando te escondeste nos olhos de Zenófila. 10

XXXVII

KhrÚssw tÕn ”Erwta tÕn ¥grion· ¥rti g£r ¥rti ÑrqrinÕj œk ko∂taj õcet' ¢popt£menoj.

'sti d' Ð pa√j glukÚdakruj, ¢e∂laloj, çkÚj, ¢qambˇj, sim¦ gelîn pterÒeij nîta, faretrofÒroj.

patrÕj d' oÙk◊t' 'cw fr£zein t∂noj· oÜte g¦r a≥qˇr, 5 oÙ cqèn fhsi teke√n tÕn qrasÚn, oÙ p◊lagoj.

p£ntV g¦r kaπ p©sin ¢p◊cqetai. ¢ll' œsor©te mˇ pou nàn yuca√j ¥lla t∂qhsi l∂na.

ka∂toi ke√noj, ≥doÚ, perπ fwleÒn. oÜ me l◊lhqaj,

toxÒta, Zhnof∂laj Ômmasi kruptÒmenoj. 10

A caracterização de Eros no segundo dístico abrange a sua personalidade - Ð pa√j glukÚdakruj (guri doce-amargo), ¢e∂laloj (sempre falante), çkÚj (rápido), ¢qambˇj (destemido) - e a sua aparência física - sim¦ gelîn pterÒeij nîta, faretrofÒroj (ri com o nariz para cima, alado, porta aljava). Este último atributo pode se relacionar com o sofrimento dos amantes, isto é, Eros se deleita com a desgraça alheia provocada por seus atos. O terceiro dístico corrobora, aparentemente, a versão mítica de Hesíodo na Teogonia, pois Eros teria sido um deus primordial:

[...] sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos mortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias, e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,

solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade94.

O ódio a Eros no quarto dístico advém das inúmeras decepções amorosas que ele causa aos amantes. A persona, recém vítima da armadilha de Eros, adverte tanto os que presenciam o seu anúncio quanto os leitores do poema, de ficarem atentos às trapas do deus, mesmo que refrear os atos do deus seja impossível.

O ponto de virada do poema - o dístico final e o reencontro da persona com Eros - elucida que a trapa de Eros é a amante Zenófila, assemelhada a um fwleÒn (covil), ou seja, o deus atua por meio da amada e ela própria é a armadilha. Pode-se

entender, então, que na verdade a fugitiva era Zenófila, que escapou do leito em que estava em companhia da persona, assim que o dia amanheceu. Como a personagem foi a causa do seu sofrimento de amor, ela só poderia ser um instrumento pelo qual o deus agiu. Assim, não é surpreendente o fato de que a

persona encontre Eros junto a Zenófila.

O segundo poema XXXVIII também se ambienta em um espaço público, provavelmente em um local de transações comerciais. Não se sabe ao certo que objeto a persona tenta vender, mas provavelmente é uma estátua de Eros por conta da caracterização comum do deus disposta nos dísticos intermediários do poema.

XXXVIII (A.P. 5. 178)

Que seja vendido, mesmo no colo da mãe dormindo, seja vendido. Que me importa esse arrogante criar? Ele é esnobe e alado, e com unhas afiadas

arranha, e quando chora muitas vezes no meio ri.

Que mais? Desnutrido, sempre loquaz e de olhar agudo, 5 selvagem, e nem sequer pela mãe querida foi domesticado.

É todo fera. É então vendido. Se algum mercador de partida deseja comprar este pequeno, aproxime-se. Aliás está implorando, vê, chorando! Não mais te vendo.

Coragem! Fica aqui, companheiro de Zenófila. 10

XXXVIII

Pwle∂sqw, kaπ matrÕj 't' œn kÒlpoisi kaqeÚdwn, pwle∂sqw. t∂ d◊ moi tÕ qrasÝ toàto tr◊fein;

kaπ g¦r simÕn 'fu kaπ ØpÒpteron, ¥kra d' Ônuxin kn∂zei, kaπ kla√on poll¦ metaxÝ gel´·

prÕj d' 'ti loipÕn ¥trepton ¢e∂lalon ÑxÝ dedorkÒj 5 ¥grion, oÙd' aÙt´ matrπ f∂lv tiqasÒn.

p£nta t◊raj· toig¦r pepr£setai· e∏ tij ¢pÒplouj 'mporoj çne√sqai pa√da q◊lei, pros∂tw.

ka∂toi l∂sset', ≥doÚ, dedakrum◊noj· oÜ s' 'ti pwlî·

q£rsei· Zhnof∂lv sÚntrofoj ïde m◊ne. 10

Enquanto no poema anterior a filiação de Eros era indefinida, aqui ele é retratado no colo de sua mãe, que podemos inferir como Afrodite, com a qual Eros é comumente retratado na poesia de Meleagro.

Como no poema precedente, Eros é descrito no segundo, terceiro e quarto dísticos e de forma semelhante: kaπ g¦r simÕn 'fu kaπ ØpÒpteron, ¥kra d' Ônuxin /kn∂zei, kaπ kla√on poll¦ metaxÝ gel´· / loipÕn ¥trepton ¢e∂lalon ÑxÝ dedorkÒj / ¥grion, oÙd' aÙt´ matrπ f∂lv tiqasÒn. / p£nta t◊raj (ele ri com o nariz para cima e é alado e com unhas afiadas / arranha, e quando chora muitas vezes no meio ri. / desnutrido, falante com o olhar agudo, / selvagem, e nem sequer pela mãe foi domesticado / É todo fera). Embora a imagem do primeiro verso seja a de Eros com a mãe, no sexto a persona afirma que Eros não foi domesticado pela mãe e talvez por esse motivo ele tenha um temperamento tão díspare.

O quinto dístico parece ambientar o poema em um porto, dado que a persona oferece a sua estátua a qualquer mercador que esteja de partida. É interessante notar que a oferta a um mercador prestes a viajar é uma tentativa de afastar o máximo possível a persona dessa estátua.

No último dístico a estátua ganha vida e Eros, acordado, implora - fingindo choro? - para permanecer junto de seu dono, que cede ao apelo e desiste da venda, deixando-o como companheiro de Zenófila. Este desfecho é intrigante, pois não se sabe o motivo de se deixar a estátua com Zenófila. Tal companhia se torna tão misteriosa quanto aquela do cantor a quem Agamêmnon confere a guarda de Clitemnestra ao partir para Tróia95. Apesar desta incógnita, não podemos ignorar a

relação explícita entre Eros e Zenófila, também parte do poema anterior. Como Zenófila é instrumento das armadilhas de Eros, o lugar da estátua do deus é com a personagem.

Este grupo de epigramas, como visto, enfocou a caracterização de Eros e a aproximou da amante Zenófila. Apesar de não terem sido inclusos atributos da personagem, se entendermos que existe uma relação estreita entre ela e Eros, os atributos dele são também os de Zenófila no âmbito da realidade mísera da persona que sofre com as desilusões amorosas.