• Nenhum resultado encontrado

A Igreja é um dos atores centrais nas relações com os imigrantes e refugiados18

em São Paulo e em La Paz.

17 Tais informações procedem da empresa Transexpress, que lida com envio de remessas.

18 Em relação aos refugiados, as ações do ACNUR (Orgão da ONU responsável pelo trabalho com refugiados)

No trabalho com imigrantes, existem diferentes entidades e agrupamentos no âmbito da Igreja Católica: o Serviço Pastoral do Migrante, que iniciou sua atuação em 1986, o Centro de Apoio ao (i)Migrante e a Pastoral do Migrante.

Além das funções de acolhimento, com a Casa do Imigrante, as entidades auxiliam com questões jurídicas e oferecem cursos. Vale dizer que não é homogênea a percepção das pessoas ligadas à Igreja sobre como qualificar o trabalho realizado pelos imigrantes e sobre as formas de atuação junto a eles.

A Igreja Nossa Senhora da Paz, na baixada do Glicério é um dos lugares onde é possível presenciar a abertura de um espaço de sociabilidade para os imigrantes, majoritariamente, latino-americanos. É lá que são organizadas também as festas tradicionais e eventos culturais-religiosos em datas comemorativas do calendário do país de origem, além das festas em homenagem às santas padroeiras de cada país, como a Virgem de Copacabana, da Bolívia. Aos domingos, é possível encontrar grande quantidade de imigrantes que comparecem, com suas famílias, às missas que são celebradas em várias línguas simultaneamente, como o espanhol e o português (no caso da missa em homenagem à Virgem padroeira do Paraguai, alguns trechos da missa foram falados em guarani). Uma das pessoas da Pastoral relata que eles trabalham o tema dos imigrantes sempre em consonância com uma Igreja Evangélica. “Eles são da Assembléia de Deus e sempre procuram a gente para saber como orientar as pessoas”.

Entidades como o Centro de Apoio ao (I)Migrante (CAMI) oferecem cursos de português e computação, o que vem possibilitando que muitas pessoas entrem em contato com computadores pela primeira vez. Juliana, uma das professoras voluntárias do curso, discorreu sobre a importância da atividade: “a coisa que mais me emociona em todas as atividades que realizo com imigrantes é ver a primeira reação das pessoas quando aprendem a abrir seus e-mails, por saber que aquilo vira uma porta de comunicação com seus familiares e amigos na Bolívia e entre eles mesmos”.

Dirceu, do Centro de Estudos Migratórios da Pastoral, editor da Revista Travessias que trata de assuntos relativos à imigração, explica que a Casa do imigrante atende 24 horas por dia em todos os dias do ano. A casa começou como com cursos profissionalizantes, mas “o processo social transformou-a em albergue”. O comportamento na casa é regrado. A primeira chegada pode ser em qualquer hora. Os que já estão lá têm hora para chegar, antes do jantar, mas depois eles podem ficar na calçada, podem sair à noite para

trabalhar (“só não pode sair, beber e voltar!”). Dirceu diz que existe flexibilidade no horário. A casa tem capacidade para cem pessoas e a gestão é compartilhada entre os padres.19

O perfil das pessoas acolhidas é representativo da intensificação dos fluxos migratórios internacionais para a cidade de São Paulo nas últimas décadas. De 1978 até 1996, a casa abrigava de 1 a 5 por cento de pessoas de fora do país. Os outros vinham do nordeste e norte do Brasil. A partir de 1996 o número se inverte. Atualmente, mais da metade das pessoas que vivem na casa são latino-americanos, africanos, e outros. De acordo com o Padre Mário Geremias da Pastoral do migrante, a chegada de imigrantes africanos muçulmanos está fazendo com que os espaços da Casa reservados à oração adquiram um caráter mais ecumênico.

Os bolivianos não vêm em primeira instância para a Casa do Migrante. Eles só vêm quando o vínculo que eles tinham aqui no Brasil foi quebrado. Algumas mulheres bolivianas vítimas de violência doméstica procuram a Casa.

O trabalho desenvolvido em La Paz pela Pastoral da Mobilidade Humana (presenciado em duas ocasiões, em 2007 e 2008) revelou-se de grande importância do ponto de vista do atendimento a migrantes, tanto em relação a pessoas que retornam de São Paulo, como de famílias que migram do interior da Bolívia.

Em São Paulo, se os discursos das pessoas e entidades vinculadas à Igreja, em alguns momentos, reforçam a dimensão política da exploração laboral, reivindicando a idéia de “cidadania universal”, em outros momentos, revelam relações como a descrita por Dirceu: “Eles são explorados. A pastoral é mãe, quando uma mãe sabe que o filho vai fazer besteira ela avisa e depois acolhe, a pastoral faz a mesma coisa, ela acolhe”.

Se muitos dos imigrantes bolivianos que vêm para São Paulo são católicos, a presença de signos religiosos é marcada por intenso sincretismo. A mestiçagem de tradições indígenas com elementos cristãos e misticismo é comum. Segundo o estudo realizado por Silva (2003) sobre as práticas festivas e religiosas dos imigrantes bolivianos em São Paulo percebe-se um intenso leque de festas das quais, as festas marianas realizadas no mês de agosto possuem lugar especial no calendário.

As festas passam a ser “espaços de ressocialização na sua própria cultura” (SILVA, 2003:161), onde são acionadas (com exceção da realizada pelos cruzenhos) “práticas

19

Existe um posto da casa do migrante na estação rodoviária do Tietê. Outros lugares que indicam a casa para os migrantes: Cáritas, Pastoral do Migrante, Consulado, Polícia Federal, Igrejas.

mágico-religiosas de origem pré-colombina próprias do universo cultural desses imigrantes” (SILVA, 2003:21). Tais práticas culturais passam a ser ressignificadas em relação ao referencial que essas pessoas possuíam de sua infância, quando muitos desses rituais eram depreciados.

É interessante notar como as festas fazem ressoar identificações, mestiçagens e diferenças. Como salienta Silva (2003:161) :

[...] a festa é o lugar em que os sentimentos de pertença a uma origem comum emergem com força nos momentos em que se canta o hino nacional, quando se dança a cueca Viva mi pátria Bolívia, una gran Nación... ou ainda na imagem da própria bandeira nacional exposta nos cargamentos e durante o cortejo, nas suas cores presentes na decoração da igreja e do salão de festas, no brasão da Bolívia bordado no manto da Virgem, nas insígnias oferecidas aos pasantes, nas colitas obsequiadas aos devotos, nos quadros do libertador Simón Bolívar e alguns próceres da independência colocados num grande arco enfeitado de aguados, armado na frente da igreja.

Tudo remete, como lembra Silva, à pátria distante, a uma experiência de pertença a uma comunidade imaginada, ainda que por pouco tempo (SILVA, 2003). É bom enfatizar que o próprio autor reconhece que os costureiros não são o grande público dessas festas. Ao mesmo tempo, a festa evidencia diferenciações étnicas, sociais, regionais e culturais entre os participantes. Ela aparece, portanto, como um traço diacrítico para o grupo, alterando sua auto-percepção.

No dia 25 de janeiro ocorre uma festa boliviana popular que é a Feira de Alacitas, celebrada mais elaboradamente em La Paz. Realizam-se celebrações que traduzem bem o sincretismo religioso existente. A figura central das festividades é Ekkeko, que representa um Deus índio do lar e da casa. De acordo com a tradição, as pessoas trazem os objetos em miniatura que desejam, como carros, ônibus. Algumas pessoas levam consigo miniaturas de oficinas de costura, fazendo filas para conseguir a benção que trará abundância no período que se inicia. Nesta época, alguns feiticeiros vêm da Bolívia para participar das festividades. Ocorre a benção com a cerveja (a pessoa vai rezando enquanto o feiticeiro realiza o ritual com a bebida).20 O mais interessante é que enquanto a missa é rezada pelo padre da Pastoral dos Migrantes, os preparativos já são iniciados, para que, assim que a missa acabe, as bênçãos com os feiticeiros tenham início.

20 É oportuno mencionar que, por meio das entrevistas, foi possível detectar a existência de feiticeiros que

3 A VIDA DOS IMIGRANTES NA CIDADE DE SÃO PAULO

Documentos relacionados