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A RELAÇÃO DO IMIGRANTE COM A LÍNGUA DE ACOLHIMENTO: POR UM ENSINO EM PLA

Nesta seção, fazemos algumas considerações sobre o ensino de língua portuguesa como língua de acolhimento (PLA). Procuramos, para tanto, clarificar essa opção terminológica que, a nosso ver, para além de um conceito específico, trata-se de um conjunto de abordagens teóricas, de abordagens pedagógicas, de pensar sobre o proceder do educador e de compreender como o falante imigrante coloca a língua em uso.

Devemos considerar, inicialmente, em que pese todos os esforços no processo de acolhida e integração ao imigrante, que a aprendizagem da língua portuguesa, certamente, será o maior dos desafios, porque é por meio dela que eles poderão se sentir integrados socialmente, é por meio dela que irão interagir nas comunidades em que estão inseridos; é nela que se constituirão como cidadãos, detentores de direitos e de responsabilidades. Decorre daí a importância de termos o ensino da língua portuguesa como uma das prioridades em termos de propostas de acolhimento que se queiram inclusivas.

Para Grosso (2010), a língua de acolhimento deve ser pensada para além de conhecimentos meramente gramaticais, deve ser pensada a partir do desenvolvimento de competências mediadas pela interação na vida social, porque é por meio desta que o aprendente estabelece relações com os falantes nativos. Acrescenta, a isso, que “o conhecimento sociocultural, a competência sociolinguística são importantes no desenvolvimento da competência comunicativa e servem como base de debate e de diálogo para uma cidadania plena e consciente, aspecto fundamental na língua de acolhimento” (GROSSO, 2010, p. 71).

Moreira (2010, p. 123) também adota essa linha, ao argumentar que é necessário o estabelecimento de vínculos sociais entre a pessoa em processo de acolhimento e a comunidade local em suas palavras “é preciso que o refugiado seja plenamente inserido na sociedade o que requer obtenção de emprego e moradia, aprendizado da língua, utilização de serviços públicos, especialmente saúde e educação”.

Para Barrantes (2015) falar em português como língua de acolhimento exige um repensar sobre a proposta de ensino, dado que o que se tem adotado, geralmente, está amparado no ensino de língua portuguesa a estrangeiros. Para a pesquisadora, um projeto de ensino para imigrantes diferencia-se dos demais pela necessidade de uso, ou seja, deve ter em conta temas que atendam às necessidades imediatas e às diferenças culturais.

Concordamos com essa autora, porque a prática tem demonstrado que se desconsideram, justamente, os benefícios que o ensino de PLA pode proporcionar ao imigrante: o de expor o estudante ao falar espontâneo do brasileiro; o de pensar o uso da língua voltada ao atendimento de situações práticas; o de desenvolver a apropriação da língua portuguesa nesses sujeitos a partir da mediação com aspectos da vida social e cultural das comunidades em que estão inseridos, situações essas que aliadas à condição natural de interação a que estão expostos e à mediação de um educador com uma boa base de conhecimentos linguísticos poderiam acelerar o processo de aprendizagem da língua.

Entendemos que a crítica da autora é perspicaz já que observamos, em geral, o ensino a imigrantes que toma como objeto uma língua realizada em situações artificiais, por exemplo, aulas com o suporte de textos didáticos de português-LE, cujos materiais têm por referencial a língua padrão da comunidade alvo, todavia sem observar contextos culturais, situações que, com certeza, interferem no uso da língua.

Uma outra situação é pensarmos para quem e em quais condições são empregados os materiais de português como LE; queremos com isso dizer que o público de LE possui, em grande parte, condição socioeconômica ou sociocultural diferente de um imigrante ou refugiado em situação de vulnerabilidade, como indicam os dados coletados destes estudantes, ou seja, situações em que para o público em geral o aprendizado da LE (neste caso o português) é realizado por fruição ou por um acréscimo cultural, como exemplo podemos citar alunos intercambistas, ou mesmo, estrangeiros que tencionam vir ao Brasil, os quais procuram conhecer e estudar a língua portuguesa ainda em seu país de origem, oposto à emergencialidade do aprendizado da língua de que necessita o imigrante e o deslocado forçado.

Grosso (2010, p. 62) compartilha desse entendimento ao afirmar que é importante distinguir os variados conceitos que “resultam diferentes formas de ver a educação em línguas”. Segundo o ponto de vista dessa autora, conceitos são cunhados por necessidade de novas situações socioeducativas que emergem do contexto de ensino e de aprendizagem mais multilíngue e multicultural. Para tanto, sustenta que diferenciar o que se entende por Língua Estrangeira, Segunda Língua e Língua de Acolhimento é relevante, em virtude de que a escolha implica a forma de se orientar o processo educacional a determinadas práticas pedagógicas, em suma, influi em todo o planejamento linguístico.

Procuremos, para tanto, clarificar as distinções desses diferentes conceitos, amparados nas formulações dessa autora. Para Grosso (2010), trata-se de Língua Estrangeira o aprendizado de uma língua não natural, que exige um esforço de aprendizagem pelo falante

em patamares distintos de eficiência e pressupõe o desenvolvimento e assimilação de conhecimento sobre outras culturas. Já Língua Segunda é aquela definida como língua de escolarização na qual a língua objeto será, em princípio, a língua oficial de uma comunidade linguística. Esse conceito de Língua Segunda pode ser estendido a outras línguas que sucedam a língua materna, desde que se tenha o domínio proficiente dela. Por fim, trata a autora da Língua de Acolhimento, sustentando que esta ultrapassa as outras concepções, porque se refere a um sujeito em situação de imersão em uma nova realidade linguístico-cultural, com a qual não tivera contato anterior e, assim, o emprego da língua “estará ligado a um diversificado saber, saber-fazer, a novas tarefas linguístico-comunicativas que devem ser realizadas na língua-alvo” (GROSSO, 2010, p. 68).

Diante dessas constatações, é necessário termos claro como as propostas de PLA são orientadas o que, para Barrantes (2015), implica discutir algumas limitações à implementação, das quais destaca as seguintes: (i) a deficiência dos métodos de ensino e dos materiais de apoio didático; (ii) o problema dos currículos, que não preparam os futuros professores para trabalharem em contextos de ensino diversificados, como na situação de ensino a imigrantes; (iii) os conteúdos linguísticos que, muitas vezes, são inadequados às reais necessidades dos falantes de PLA e que desconsideram necessidades comunicativas em detrimento de um ensino normativo da língua; e (iv) a carga horária inadequada dos cursos para um processo formativo eficaz.

Apesar de concordarmos em grande parte com os apontamentos da autora, entendemos que algumas dessas questões podem ser equacionadas com o desenvolvimento de estratégias pontuais de ensino de língua, o que passa por instrumentalizar os educadores com conhecimentos teóricos que fundamentem a ação prática. Nesse sentido é que no próximo capítulo se apresenta alguns aspectos da teoria Sociolinguística e da Competência Comunicativa e se discute formas de introduzir esse conhecimento em sala de aula.

3 A SOCIOLINGUÍSTICA: RESSIGNIFICANDO ALGUNS PRINCÍPIOS TEÓRICOS PARA AS ESTRATÉGIAS DE ENSINO DE LÍNGUA DE ACOLHIMENTO

Em qualquer estudo sobre a língua, provavelmente, um primeiro procedimento consiste em refletir sobre qual perspectiva teórica, sobre qual concepção de língua se realizará a análise. Dentre as possibilidades, faz-se uma breve incursão por algumas das teorias que influenciaram e ainda influenciam o ensino de língua/linguagem, em que se procura evidenciar como essas teorias trabalham essa questão e, por fim, coloca-se em perspectiva a Sociolinguística, opção teórica adotada nesta pesquisa.

Para tanto, neste capítulo, evidencia-se alguns dos princípios e dos conceitos teóricos dessa vertente como linguagem, língua, variação, mudança, heterogeneidade, plurilinguismo, aquisição/aprendizagem, competência, que se pensa coadunar ao ensino de língua, em especial, na língua portuguesa como língua de acolhimento (PLA). Entretanto, cabe-nos observar que a escolha não possui o condão de prescrever uma metodologia do ensinável e do apreensível, em outras palavras, determinar o que deve ser ensinado [conteúdo] e como a ação educativa deva ocorrer [ação de quem educa e de quem aprende], trata-se, apenas, de um convite à reflexão sobre um arcabouço teórico que possa, minimamente, contribuir para o saber-fazer docente e subsidiar estratégias de ensino de língua a sujeitos imigrantes, o que faremos no quarto capítulo ao aproximar essa teoria com a prática [de alunos e de professores] observada em um curso de ensino de PLA.