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CAPÍTULO 3 CONCEITUAÇÃO DO PONTO DE VISTA ANALÍTICO

3.2 Relações de Articulação

Também em função de que as palavras se relacionam no acontecimento enunciativo, ao passo que constituem/produzem sentido, a articulação apresenta-se como um procedimento que permite apreender tais relações de sentido pela textualidade construída nesse processo.

Esse procedimento será compreendido pela observação feita em virtude do modo como os elementos linguísticos se dispõem e significam em termos de proximidade, pelo agenciamento enunciativo, ou seja, “diz respeito às relações próprias das contiguidades locais. De como o funcionamento de certas formas

afetam outras que elas não redizem” (GUIMARÃES, 2007, p. 91, grifo nosso).

Para melhor compreender no que consiste essas contiguidades, Guimarães (2009) ainda considera que

(...) a organização local das contiguidades linguísticas se dá como uma relação local entre os elementos linguísticos, mas também e fundamentalmente por uma relação do Locutor (enquanto falante de um espaço de enunciação) com aquilo que ele fala. Uma articulação é uma relação de contiguidade significada pela enunciação (GUIMARÃES, 2009, p.51).

Para melhor entendermos o que se pretende com o procedimento da articulação, Guimarães (2009) estabelece três modos de ocorrência da mesma entre as expressões linguísticas a serem consideradas em um enunciado: por

dependência, por coordenação e por incidência. Trataremos brevemente de cada

um com exemplos contidos no material do qual dispomos.

Antes de iniciarmos os exemplos para os três modos de articulação, é preciso reforçar o caráter enunciativo que circunscreve todos esses procedimentos, uma vez que não há nada de exclusivo, específico ou previamente contido nas palavras ou expressões nas quais se pretende tomar para observação, ou seja, algo que pudesse condicioná-las a atribuírem ou determinarem outra, pois tudo se constrói por meio do agenciamento enunciativo em que o Locutor é agenciado no acontecimento.

A articulação por dependência se caracteriza por estabelecer uma relação entre certos elementos do enunciado, de modo que sua organização no enunciado ocorre como sendo uma única unidade, por exemplo, um grupo nominal (GN). Analisemos o seguinte enunciado: Ao Povo Paulista.33

Verifica-se que a relação entre Paulista e Povo é construída pela enunciação, não reservando assim certa atribuição antecipada ao elemento Paulista que determina Povo, como também para o elemento ao. Tal construção enunciativa é possibilitada por sua configuração em um espaço enunciativo que, recortado pela instabilidade política do dizer, legitimou-a em forma de apelo, de uma evocação que pretende direcionar e afetar seus leitores para a mobilização diante da causa paulista que se desfigura no momento em que se enuncia, produzindo sentidos ao possibilitar o funcionamento dessa expressão.

Dessa forma, por essa relação de dependência, Paulista é atribuído a povo por um acontecimento específico de linguagem, realizando uma operação de caracterização por um sintagma nominal (SN).

Para o modo da articulação por coordenação, consideremos o seguinte enunciado:

Mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina, caracteristicos fundamentaes da nobre gente de São Paulo.34

33 Título de uma publicação feita no Jornal impresso Folha da Manhã, em 10 de julho de 1932, 2ª

seção. Ver na íntegra na seção: Anexos.

Ao encontrar na coordenação um modo de articulação que organiza elementos que têm em comum a mesma natureza, como se formassem um único elemento, coincidentes por sua vez com a natureza de seus constituintes, teríamos em ordem, serenidade e disciplina, o que Guimarães (2009, p.51) define enquanto um “processo de acúmulo de elementos numa relação de contiguidade”.

Há então nesse caso, assim como verificado no caso da dependência, uma operação de caracterização à palavra exemplo feita pelo Locutor e particularizada pelo acontecimento enunciativo, ao serem relacionados elementos de um enunciado em um texto.

O que distingue o modo de articular por incidência dos modos anteriores é que sua articulação se constitui no acontecimento pelo fato de que a operação especificada é aquela onde o Locutor instaura uma relação entre sua enunciação com o enunciado verificado, relacionando-se elementos de naturezas distintas para que se forme um novo elemento. Esse novo elemento conterá a natureza de algum de seus formadores, sem existir para isso a dependência necessária entre os mesmos. Vejamos os seguintes enunciados:

(1) São Paulo não é só um patrimônio dos paulistas.

(2) Aqui vivem brasileiros de todas as circumscripções do território nacional.35

Verifica-se no enunciado (1) que há uma relação entre só e um patrimônio

dos paulistas, de modo que o primeiro elemento incide sobre o segundo, ficando tal

afirmação mais consolidada ao realizarmos uma paráfrase. Antes de exemplificarmos, sabemos que a paráfrase é compreendida, em linhas gerais, como um processo de construção de sentido por meio da linguagem em que se busca dizer algo já materializado linguisticamente, sem, contudo, desviar ou modificar o sentido do que se parafraseia. Entretanto, esse processo, ao se utilizar de outras palavras para que se retome ao já dito, permite que a polissemia atue nessa nova ocorrência, movimentando, portanto, outros sentidos. Assim, com relação ao enunciado em análise teríamos as seguintes paráfrases:

a) São Paulo não é só um patrimônio dos paulistas, ou

b) Não só dos paulistas São Paulo é um patrimônio.

35 Enunciados retirados do texto: Brado de Alarma, publicado na Folha da Manhã de 16 de julho de

Se tivermos, por um lado, um enunciado como São Paulo não é um

patrimônio dos Paulistas, o elemento só, não se estrutura enquanto tal, mas, ao ser

tomado em relação ao primeiro, verificamos um novo enunciado, exemplificado em (1).

Desse modo, a incidência de só sobre um patrimônio dos paulistas, produz no enunciado uma orientação que argumenta sob duas vias: pela posição exclusiva verificada pela particularização de paulistas, por esses determinarem o elemento

patrimônio tomando a relação entre esses elementos no enunciado; a favor de uma

perspectiva da inclusão, em que outros, não necessariamente paulistas, se estabelecem nesse funcionamento das expressões obtendo acesso a essa condição de patrimônio, elemento pelo qual São Paulo é reescriturado por substituição, a partir do que se apresenta em (2), principalmente pelo elemento brasileiros.

Por fim, após traçarmos um percurso analítico que pudesse fundamentar o procedimento da articulação em suas ocorrências, atentamos para o que Guimarães (2009) orienta a respeito deste procedimento, no sentido de que não sejam as articulações reduzidas ao âmbito exclusivo das relações internas ao enunciado, reduzindo-as ao seu limite, dado que as mesmas propiciam ao enunciado uma relação integrativa a um texto em razão da contiguidade, reportando-se também as suas articulações dispostas.

A seguir, antes de tratarmos pontualmente do dispositivo analítico mencionado, o chamado DSD, faz-se importante apresentar uma reflexão sobre os termos nomear, referir e designar. Ao tomarmos tais termos em conjunto, temos que os mesmos são tratados na maioria das situações do uso cotidiano das palavras por uma relação de sinonímia entre si.

Essa atitude de englobar os três termos ocorre pelo ato de significarem um mesmo fato nas práticas de linguagem, sendo utilizados uns pelos outros, em que a prática de se nomear, referir e designar todo e qualquer elemento/objeto, passível de significação constituída pela linguagem, seria uma função legítima a cada um dos termos. Contudo, não há uma condição de correlação conceitual entre nomear, referir e designar nos estudos enunciativos. Vejamos o que de fato estabelece as diferenciações entre os mesmos no processo enunciativo.

3.3 Nomeação, Referência e Designação: distinções e relações necessárias