4 REVISÃO DA LITERATURA
4.3 ESTRATÉGIA E COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS: PONTOS DE
4.3.1 Relações entre Estratégia e Competência Organizacional
A organização empresarial é composta por uma série de interações complexas e sutis,
próprias da ciência social, que são de difícil análise e previsibilidade, gerando uma
dificuldade intrínseca na formulação estratégica de modo que esta seja capaz de preparar a
organização para contingências futuras ou nos tipos de explicações que são elaboradas para os
resultados observados (WATTS, 2011).
Tendo em vista esta imprevisibilidade, Grant (1991) sugere que o ponto inicial mais
estável para a formulação de uma estratégia organizacional deveria ser o da identificação dos
recursos e capacidades internos da própria empresa, pois num ambiente onde as preferências
dos clientes são voláteis, onde as identidades, preferências e tecnologias estão em constante
evolução, uma orientação focada no ambiente externo não seria segura e confiável o
suficiente para a formulação de uma estratégia em longo prazo. A definição do negócio em
termos do que a empresa é realmente capaz de fazer e oferecer pode apresentar uma base
muito mais sólida para a formulação estratégica do que uma definição baseada apenas nas
necessidades que a empresa precisa satisfazer, especialmente se momentâneas.
Grant (1991) propõe assim, um modelo onde a abordagem da VBR é aplicada na
formulação estratégica da organização (Figura 15). Este modelo é composto por cinco etapas,
devendo iniciar pela identificação do que a organização é capaz de realizar, utilizando os
recursos e capacidades como fontes de direcionamento. A questão principal na formulação
estratégica com base na VBR está no entendimento das relações entre recursos, capacidades,
vantagem competitiva e rentabilidade e especialmente, na compreensão dos mecanismos pelos
quais a vantagem competitiva possa ser sustentada ao longo do tempo. Para isso, as
estratégias deveriam explorar ao máximo as características únicas da organização (Grant,
1991).
Figura 15 - Um framework prático para análise estratégica baseada em recursos
Fonte: Grant (1991, p. 115).
Na década de 90, a criação de valor tornou-se central na questão estratégica que
passou a focar em alternativas de crescimento, sem a necessidade de reestruturar ou reduzir o
tamanho das empresas. Assim como Porter, outros autores apresentaram diferentes visões e
frameworks para guiar a formulação estratégica das organizações. Conforme ilustrado na
Figura 16, Prahalad (1993) sugere que a formulação estratégica considere aspectos relativos
às melhorias funcionais da organização, de forma que a lacuna de desempenho seja
preenchida e, também, aspectos relativos à direção e intenção estratégicas, do modo que a
lacuna relativa às oportunidades possa, da mesma maneira, ser eliminada.
Figura 16: A criação de valor
Fonte: Prahalad (1993, p. 42)
! 4. Selecionar uma estratégia
que explore melhor os recursos e capacidades da empresa, relativos às oportunidades externas.
3. Avaliar o potencial de
geração de renda dos recursos e capacidades em termos de: (a) seu potencial para gerar uma vantagem competitiva sustentada, e
(b) a apropriabilidade de seus retornos.
2. Identificar as capacidades
da empresa: O que a empresa pode realizar de modo mais efetivo do que seus concorrentes? Identificar as injeções de recursos necessárias para cada capacidade bem como a complexidade de cada capacidade.
1. Identificar e classificar os
recursos da empresa. Avaliar as forças e fraquezas relativas aos concorrentes e as oportunidades para melhor utilizar estes recursos.
5. Identificar as lacunas de
recursos que precisam ser preenchidas.
Investir no reabastecimento, acréscimo e melhoria da base de recursos da empresa. Estratégia Vantagem Competitiva Capacidades Recursos
A criação de valor somente seria possível quando estas lacunas fossem tratadas
conjuntamente, de forma que os recursos disponíveis sejam reavaliados e alterados se
necessário, para que um novo espaço competitivo possa ser conquistado pela organização.
Através de uma arquitetura estratégica que capture os padrões da evolução da indústria, as
competências organizacionais existentes ou necessárias poderiam ser desenvolvidas de forma
a tornar possível a empresa competir e crescer (Prahalad, 1993).
Sanchez e Heene (1997) entendem a firma como um modelo aberto formado pelas
inter-relações dos estoques e fluxos de ativos, conforme proposto por Dierickx e Cool (1989).
Estes ativos tangíveis e intangíveis são organizados de acordo com a lógica estratégica
configurada pela empresa para a obtenção de suas metas e objetivos, sendo coordenados pelos
processos gerenciais de formação e alavancagem de competências. Conforme apresentado na
Figura 17, a firma é vista como um sistema aberto, pois o processo de formação e
alavancagem das competências deve ser nutrido constantemente por estoques de ativos
tangíveis e intangíveis (incluindo-se as capacidades), através das interações com os
indivíduos, outras empresas, instituições financeiras, governos, comunidades e outras fontes
de recursos. Toda mudança estratégica seria motivada pelas lacunas entre seus estoques atuais
e os necessários para que as metas organizacionais fossem atingidas em um ambiente
competitivo (SANCHEZ; HEENE, 1997).
Figura 17: Modelo da Firma como um Sistema Aberto
Para os autores, a ambiguidade causal, ou seja, a dificuldade de se entender os motivos
e variáveis que levam às organizações apresentarem resultados distintos, e as dificuldades
para que relações de causa-e-efeito sejam percebidas aumentam proporcionalmente com o
crescimento da hierarquia dos elementos do sistema, a qual é formada principalmente pelos
ativos intangíveis (como sua base de conhecimentos, por exemplo), seus processos gerenciais,
sua lógica estratégica. Esta dificuldade intrínseca em identificar os elementos mais altos do
sistema faz com que os gerentes direcionem sua atenção aos elementos localizados na base da
hierarquia, sendo eles menos ambíguos por serem formados por ativos tangíveis de fácil
visibilidade.
O gerenciamento estratégico, na competição baseada pelas competências, demanda
uma expansão da gestão das capacidades além das habilidades tradicionais em gerenciar
fluxos de fundos, materiais e produtos, de forma a incluir novas habilidades em gerenciar
fluxos de informação, conhecimentos e conjecturar sobre o presente e futuro. Um aspecto
fundamental no trabalho dos gerentes estratégicos seria o de perceber as possibilidades na
construção de novas competências e novas formas de alavancar as competências já existentes
na organização em alinhamento com as escolhas estratégicas (SANCHEZ, 1993).
Fleury e Fleury (2003) propõem um modelo dinâmico que combina a estratégia
competitiva, aprendizagem e formação de competências, no qual a formulação estratégica é
direcionada no sentido de potencializar as competências organizacionais. A constante
evolução das competências, por sua vez, permitiria o sistemático refinamento e reformulação
da estratégia competitiva, que, consequentemente, originaria novas orientações e demandas na
formação de competências. A manutenção entre as estratégias e competências seria
desencadeada pelos processos de aprendizagem. Para Fleury e Fleury (2003), o processo de
criação de vantagens competitivas é obtido através de um alinhamento entre estratégia e
competências essenciais.
Em 2004, Fleury e Fleury buscam explicar mais objetivamente a relação entre
competências organizacionais e estratégias competitivas. Para eles, a definição das estratégias
deve iniciar por uma análise profunda dos recursos da empresa que garantem lucratividade no
longo prazo, de modo que estes direcionem as escolhas estratégicas. Se utilizada a definição
de Prahalad e Hamel, a de que uma competência seria a habilidade de combinar, reconfigurar
e integrar os recursos em produtos e serviços, a competitividade seria então oriunda desta
inter-relação dinâmica entre competências organizacionais e estratégias competitivas. A visão
baseada em recursos criaria um processo contínuo que se retroalimenta da formulação da
estratégia e das competências (conforme Figura 18). Os recursos determinam as competências
e estas por sua vez, influenciam as escolhas estratégicas. O processo de aprendizagem
organizacional, intrínseco a esta construção, reforçaria e promoveria as competências
organizacionais, dando o foco e reposicionando as estratégias competitivas.
Figura18: Estratégia e competências essenciais
Fonte: Fleury e Fleury (2004, p.46).