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CAPÍTULO V: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.3 Relações entre os operadores e os diversos atores da produção

No terceiro objetivo específico, propusemo-nos a “investigar as relações entre os operadores e os diversos atores da produção (gestores, planejadores e executores) em situações de falhas no trabalho automatizado”.

Para compreender os desafios dos diversos grupos de operadores de trem que atuam no tráfego (antigos, intermediários e iniciantes), faremos uma breve retomada do perfil de cada um deles e de como passaram a integrar o quadro de funcionários da Companhia do Metropolitano de São Paulo.

Os operadores de trem integram a Gerência de Operações (GOP) e são profissionais que sempre estiveram no centro das atenções dos gestores, engenheiros, centro de controle operacional, instrutores de treinamento, sindicato e usuários. Citaremos algumas das atribuições e reponsabilidades dos OTM2: operar trens nas linhas comerciais; atuar no controle de fluxo da plataforma; cumprir e observar todas as normas e procedimentos operacionais; inspecionar e atuar em falhas de trens e estratégias operacionais etc.

Esse grupo de profissionais tem uma tarefa de extrema responsabilidade, considerando o número excessivo de usuários que utilizam esse transporte coletivo diariamente. A segurança do sistema depende da habilidade e experiência dos operadores, sobretudo, se ocorrer alguma anormalidade na via.

A formação específica dos OTM2 foi assumida pela empresa, por meio de programas de treinamento internos (TOT, TA). Dessa forma, os operadores puderam ser admitidos e, com o tempo de experiência na função, foram se tornando habilitados para conduzir o trem.

Este estudo, iniciado em 2016, teve como sujeitos da pesquisa os operadores de trem da L1- Azul, L2- Verde, L3- Vermelha, L5- Lilás e L15- Prata, linhas que, naquele

momento, compunham a Rede Metroviária de São Paulo. A partir 19/01/2018 a L5 deixou de pertencer ao Metrô/SP e passou a ser gerida pela Concessionária CCR. Os OTM2 que pertenciam à L5 foram redistribuídos nas outras linhas do sistema.

O número total de Operadores de Trem da Rede Metroviária contempla 1054 empregados, que estão distribuídos entre:

- Antigos - 25 a 30 anos na função, com idade entre 55 e 65 anos; - Intermediários – 10 a 15 anos na função, com idade acima de 40 anos;

- Iniciantes - um a cinco anos na função, com idade entre 25 e 35 anos.

O recrutamento dos mais antigos foi realizado levando-se em conta a escolarização do candidato (2º grau completo), a necessidade de ocupar os postos mais variados e a mão de obra disponível. Experiência e formação profissional não eram exigências para a contratação naquele momento.

Uma das fontes de indicação para os candidatos às vagas no Metrô se fazia por meio de amigos ou funcionários que já trabalhavam na Companhia. Atualmente, os operadores iniciam sua carreira no Metrô de São Paulo através de concurso público para a vaga de Operador de Transporte Metroviário I (OTM1), com atribuições relativas à estação. As possibilidades de ascensão profissional se dão por meio de concursos realizados internamente pela empresa.

Os operadores intermediários e iniciantes apresentam características muito diferentes dos OTM2 mais antigos. A maioria deles têm escolaridade superior, facilidade com a tecnologia, são práticos e imediatistas. O vínculo com a empresa é percebido como transitório.

As características dos diversos grupos de operadores são muito peculiares no que diz respeito à idade, às crenças, valores, comportamento frente à atividade, cultura, religião, costumes, papel profissional e expectativas. Em função de tantas variáveis que envolvem esse grupo de profissionais, surgem, no local de trabalho, discordâncias e alguns desentendimentos; no entanto, eles se respeitam e convivem profissionalmente. Em algumas situações, constatou-se, pelas falas dos OTM2, que os novatos trouxeram ao tráfego certo dinamismo e inovação, mas também desconforto e inquietações.

Os Treinamentos de Entrada2 ministrados internamente ajustam a conduta do novo empregado no que diz respeito à cultura da empresa: disciplina com horários, disciplina com uniforme, responsabilidade e máxima atenção para com os usuários, precisão com os horários das voltas com o trem são regras que ajudam no alinhamento da equipe.

No que diz respeito à integração dos operadores, pudemos observar que existe uma separação entre o grupo dos antigos e dos novatos. Os mais novos gostam de estar com os mais novos, são mais unidos, parecem mais à vontade, estão no mesmo momento de experiência, dúvida, insegurança, e também de realizações e conquistas. Os novatos justificam tal escolha, pois antes de atuarem no tráfego, alguns trabalharam juntos na estação, assim, sentem-se mais próximos e acolhidos.

Os novos são muito diferentes, não assumem o Metrô como nós, eles não vestem a camisa, põem a camisa por cima. Eles não têm muito compromisso como os mais antigos”. [...] “Os mais jovens [...] preferem fazer a PO com os mais novos. [...] Há certa separação entre novos e antigos, os novos procuram os novos e os antigões ficam com os antigões. Os novos não procuram os antigos para falar de uma falha ou pedir ajuda, deveriam procurar, considerando que somos mais experientes e temos mais informações, mas ficam entre eles. Os novos acham que os antigos se acham o rei da cocada”. (P8, operador antigo)

No tráfego, os empregados que foram de estação são mais unidos, conversam mais, no entanto, os mais antigos ‘se acham o rei da cocada’. É nítida a separação entre antigos e os empregados novos ou da estação. (P9, operador iniciante)

No que diz respeito aos novatos considerarem os antigos como “o Rei da Cocada”, pode sugerir que se sintam subestimados pelos mais velhos e com pouca oportunidade de aproximação, troca de experiências sobre a função e convívio entre eles. Já os antigos se sentem experientes, pois atuam há muitos anos no tráfego, conhecem o trem, têm habilidade na função, por isso, parecem indignados com os mais novos por não pedirem ajuda e informações sobre o trem, mas, ao contrário, procurarem outros novatos.

O papel de “Rei da Cocada” é legitimado pelos dois grupos de operadores; tanto os antigos quanto os novatos se apropriam de tal expressão, pois, embora os antigos, na sua fala, não se autodenominem o “Rei da Cocada”, reconhecem que os mais novos os veem assim, colocam-nos nesse lugar de “Rei”, de autoridade; no entanto, não fazem nenhuma questão de corrigir tal denominação, parecem gostar dessa situação.

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Parece-nos que a consequência desse contexto seja um distanciamento entre os grupos, o que compromete a força do coletivo de trabalho para a discussão e, em uma situação de sofrimento, particularmente, de uma falha, não encontrarão espaço de acolhida e suporte, mas, ao contrário, sentir-se-ão sós e desprovidos de solidariedade para suportar as dificuldades.

Um operador pesquisado relatou o sofrimento de um colega que passou por uma falha:

O trem parou e o OTM2 ficou desesperado, e ficou cego, e não conseguia identificar o botão acionado. No meio da confusão, o usuário bate na cabine, o CCO cobra, o operador se cobra. Ele ficou cego e não identificou a falha. Os colegas, especialmente os mais velhos, o ridicularizam e dizem: ele é fraquinho. Depende de cada um a forma de lidar com a pressão. (P7)

Traremos o depoimento de um operador intermediário e procuraremos analisar o papel desse grupo no contexto do tráfego:

O relacionamento é bom, não há rivalidades. Há divergências políticas, de futebol, de religião e outras. Alguns apontam defeitos dos outros, mas, no geral, são solidários. Quando o operador se sente à vontade, ele gosta de estar lá. Já outros parecem deslocados. [...] Eu gosto de estar lá, não tenho muitos amigos, mas prefiro dar voltas do que estar nas folgas. (P7)

Sim, há acolhida, às vezes, a gente escreve no “zap” e dá coordenada para os mais novos de como resolver a falha.

O operador intermediário parece exercer um papel de maior articulação entre os novos e os antigos. Sugere uma posição mais confortável, distante da evidência do iniciante e da cobrança de não poder errar do mais velho. Está em um lugar mais confortável, menos ameaçador e adaptado à função, pois tem de 10 a 15 anos no tráfego, portanto, é experiente e conhece a atividade. Tais condições de trabalho o deixam menos tenso, podendo se relacionar melhor com o grupo como um todo, consequentemente, sugere neutralidade, deixando de tomar partido de determinada situação ou grupo.

Um supervisor operacional (SO1) fez o seguinte comentário sobre OTM2 antigos e novatos:

Os mais novos estão em outro momento, buscando conquista de espaço no posto, firmar-se com o grupo de colegas, com a supervisão. O mais novo está preocupado em fazer certo e atuar bem. No entanto, o mais antigo já conquistou o seu espaço, se organiza com os operadores mais antigos por causa das escalas, são amigos fora daqui, se juntam para comemorar aniversários e viagens. Há relação entre as famílias.

O depoimento do SO1 nos ajuda a compreender a dificuldade de interação entre os operadores, considerando o momento e os interesses de cada grupo. Os novatos, na

intenção e com a preocupação de “fazer certo e atuar bem”, procuram não se desviar dos procedimentos e de manter uma postura dedicada e atenta às exigências da supervisão. Preferem não correr riscos diante de alguma solução mais prática sugerida por um operador antigo, ainda que este tenha razão.

Em contrapartida, os mais antigos já conquistaram o seu lugar no grupo e têm conhecimento técnico para uma atuação mais ágil e desembaraçada. Estão em outro momento de vida, com grupos sociais definidos e com outros interesses particulares.

A partir das considerações feitas, parece esperado, no momento inicial da carreira, que os novatos, como em qualquer outra profissão, necessitem se sentir seguros e atuar adequadamente, seguir regras e procedimentos estabelecidos pela empresa; afinal, estão se definindo enquanto profissionais, formando a sua imagem diante do grupo e da chefia.

De outro lado, os antigos estão mais à vontade na função, têm domínio do trem, sabem como a máquina funciona, confiam na sua atuação.

No entanto, podemos perceber por parte deste grupo pouco interesse e envolvimento em receber o grupo dos novatos, e, em contrapartida, os novatos se resguardam observando o momento.

Apresentaremos inicialmente a fala de um supervisor operacional e, na sequência, a de um instrutor de treinamento, que ratificam a análise feita sobre os antigos:

Os antigos criam caminhos alternativos e seguros, pois já têm muito domínio da máquina. (P11)

Os mais antigos sabem onde estão, são mais seguros e arriscam, e, às vezes, dá certo, outras, não. (P10)

Assim, diante dos depoimentos apresentados, a chegada dos novatos ao tráfego por um lado sugere uma separação esperada entre os grupos de operadores, considerando as necessidades e os interesses de cada um, mas por outro, nos dá indícios de relações que caracterizam certa ameaça entre os dois grupos, ou seja, os novatos estão em evidência podendo a qualquer momento, em decorrência de uma falha, serem alvos de ridicularização, já os antigões embora experientes, são “antigões”, menos informatizados, menos ágeis, com menor nível de formação escolar, consequentemente, também se tornam alvo dos novatos.

Outro ponto investigado foi observar se os OTM2, após situações de falhas, podem contar com um espaço de discussão com o grupo de operadores e os supervisores, para falar sobre si, seus sentimentos e sobre as ocorrências.

Pudemos observar entre os operadores, especialmente os mais antigos, dificuldade para acolher os OTM2 que se envolvem em falhas consideradas grosseiras, ou seja, falhas que

poderiam ter sido solucionadas com rapidez e facilidade e se tornaram um incidente notável. Ou ainda, os OTM2 que atuaram de forma equivocada na resolução de um problema surgido com o trem. Constatamos que os mais antigos apresentam uma crítica acirrada em relação ao erro e só serão poupados os operadores que raramente cometem falhas e que sempre têm uma atuação adequada.

Depende, se o operador é um cara respeitado na atuação, se ele raramente comete erros, sempre teve uma atuação adequada, ele vai ter solidariedade dos colegas, vai ter apoio, vão perguntar para ele o que aconteceu, como foi, por quê, mas se é um operador que vive errando, não tem respeito do grupo, ele vai ser ridicularizado, vão dizer: “Ah, só podia ser com ele”. (P8)

Se um OTM2 erra muito e comete mais de três ou quatro incidentes notáveis (IN), ele será estigmatizado pelo grupo e passa a haver dúvida quanto ao seu pertencimento no quadro de operadores. (P18)

[...] Há espaço para encontrar os colegas, mas quando acontecem as

‘cagadas’, aí vira chacota, gozação. (P19)

No depoimento de um supervisor operacional, identificamos uma observação que converge com as falas de P8, P18 e P19:

Quando um operador passa por muitas ocorrências ou erros grosseiros, o grupo sente a sua imagem prejudicada frente ao usuário que o avalia. Se há muitas falhas com um mesmo operador, se cria um estigma em relação a ele”. (P11)

Ainda que, diante de um cenário de certa frieza e individualismo no grupo dos OTM2, pudemos identificar alguns deles mais sensíveis e preocupados com o todo, nos seus depoimentos, evidenciaram que o ambiente é de muita descontração e que ajudam uns aos outros.

O ambiente na base é de muita brincadeira uns com os outros. O ambiente é alegre, são colaboradores, todo mundo se ajuda. (P1)

A seguir, traremos as falas de um instrutor de treinamento e de um supervisor operacional, respectivamente, que veem o grupo de operadores como interessados e acolhedores após uma ocorrência de falha.

Eu acho que os operadores são solidários, tem alguns mais complicados, mas, no geral, eles são bons, ajudam. (P10)

Na minha opinião, o grupo acolhe o OTM2 que se envolveu na falha, mesmo que ele tenha errado. O grupo quer entender o que aconteceu. (P11)

Diante das falas de alguns operadores pesquisados pudemos observar que há pouco espaço de acolhida e conversa entre os OTM2. A maioria evidenciou que a solidariedade do grupo pode ou não acontecer dependendo do operador; se for um profissional

reconhecido, com muitas atuações adequadas, ele terá apoio e acolhida; em contrapartida, se o OTM2 tiver muitos erros consecutivos, não terá o respeito do grupo e será ridicularizado. A partir da fala apresentada acima por P11, os operadores justificam que a sequência de erros compromete a imagem do tráfego frente ao usuário.

Tal atitude de segregação por parte do grupo promove o individualismo, afastando dos operadores qualquer possibilidade de atuarem em um espaço genuíno, de solidariedade e cooperação entre os trabalhadores.

Segundo Dejours (2004), se os trabalhadores não possuem espaço de discussão para falarem sobre si, suas dificuldades e facilidades, se não são reconhecidos como sujeitos e não podem intervir na organização das práticas laborais, são levados a um embotamento pessoal, ao descrédito das suas capacidades e potencialidades; acreditam que seu sofrimento é único e particular e, portanto, não têm espaço na esfera pública, consequentemente, não são capazes de compartilhar com outros trabalhadores sentimentos semelhantes.

Ainda segundo o autor, a constituição e manutenção do espaço público levam o grupo a dar sentido ao trabalho e a alicerçar as relações entre os pares, com base na confiança e na cooperação, de forma que o trabalhador, ao se manifestar sobre o seu trabalho, passa a questioná-lo, interpretá-lo e, consequentemente, modificá-lo, tentando, assim, transformar as situações vividas (DEJOURS, 2004).

Mesmo reconhecendo um cenário de pouca integração profissional entre os OTM2 antigos e novatos, pudemos flagrar falas e atitudes de alguns OTM2 preocupados em proporcionar um espaço de bem estar ao grupo como um todo.

Gostaríamos de evidenciar a atitude de P19, um operador intermediário, que se tornou responsável pelo café da sua escala:

Coordeno o café da minha escala e fico muito feliz de ver o grupo tomando café e conversando, aproxima os “caras”, deixa menos “duros”, o que faz diminuir a solidão da cabine e os pensamentos deles. No café, sentam juntos e conversam juntos”. (P19)

Tal iniciativa pode ser o início da formação de um coletivo de trabalhadores e a organização de um espaço de deliberação. E ainda, uma ampliação da conversa informal para outras ações, tais como: poder contar com uma atitude de acolhida e solidariedade após uma ocorrência de falha ou em alguma outra circunstância; estender o contato do café para uma experiência de mobilização coletiva e de força da palavra, de forma a poder reunir o maior número de pessoas para reformular a organização do trabalho.

Vale ressaltar ainda que, para a PDT, o espaço público é definido como um lugar de discussão legitimado e validado pelo coletivo, um espaço genuíno que resgata os vínculos afetivos, a solidariedade, a cooperação e a confiança entre os trabalhadores, visando à mobilização coletiva e, consequentemente, à saúde mental no trabalho (MERLO; BOTTEGA; MAGNUS, 2013).

Dejours (2011) traz uma importante contribuição sobre a ação de ajudar, de prestar auxílio, de se importar com o outro; todas essas ações estão no bojo da definição do ato de cooperar. Para a Psicodinâmica, a cooperação será um dos pilares fundamentais para que se constitua um ambiente de trabalho em que haja confiança naquilo que os outros fazem.

Após termos apresentado os grupos de operadores (antigos, intermediários e novatos) que constituem o tráfego e como se relacionam e convivem no trabalho, passaremos agora a outro item de fundamental importância, que diz respeito às relações entre os diversos atores da produção (gestores, engenheiros, instrutores de treinamento, CCO).

Tanto no tópico Organização do Trabalho, quanto no Trabalho Prescrito e Trabalho Real, já havíamos observado um distanciamento entre os diversos atores da produção, o que nos levou a suspeitar de uma comunicação truncada e comprometida, ou seja, os planejadores e executores atuam em domínios distintos, em mundos de percepções e atuações distintas.

Assim, poderíamos nos perguntar por que se torna tão difícil essa compreensão recíproca entre os diversos atores da produção?

Segundo Varela (2000), não há uma linguagem comum entre os que planejam o trabalho e os que executam o trabalho, porque o executor e o engenheiro trabalham em mundos distintos e percebem coisas distintas. Mundos que não se interceptam pela falta de um código comum e de um domínio comum de distinções que permitam aos interlocutores a intercompreensão.

Tais comprometimentos da comunicação foram observados em muitas falas dos operadores de trem relativas a: diversidade de frotas; treinamento de formação; procedimentos; ocorrências de falhas; relacionamento entre operadores; relacionamento entre operadores e elaboradores e operadores e instrutores de treinamento.

Assim, poderíamos lançar a seguinte pergunta: Qual é a consequência de uma comunicação truncada entre planejadores e executores?

Os modelos de funcionamento da mente humana presentes na cultura dos projetistas almejam eliminar o homem do cenário produtivo; são baseados nos tradicionais modelos computacionais de tratamento da informação (Simon, 1969; Fodor, 1975; Turing,

1996). As fragilidades desses modelos são as suas pressuposições teóricas que envolvem uma lógica de negação da complexidade e tentativa da simplificação e separação entre o sujeito e o objeto. Ou seja, uma “razão fechada”, conforme denominação de Morin (2011). Assim, desconsidera-se que haja no mundo do trabalho modos de pensar tão racionais e elaborados quanto os que existem no mundo dos intelectuais, cientistas ou engenheiros.

Aqui, evidencia-se a lacuna entre o prescrito e o real, ou ainda, a lacuna entre os domínios de planejamento e execução. Como é sabido, o prescrito e sua linguagem não cobrem o campo de atuação em que efetivamente se desenrola a ação do trabalhador. As situações reais vão além dos projetos e procedimentos, não contemplam o saber incorporado, corporificado, latente, que surge com as imprevisibilidades e as variabilidades da situação de trabalho (BOUYER, 2008).

Portanto, mundos que não se conectam não podem se compreender em reciprocidade, ou, nas palavras de Maturana (2001), “domínios diferentes e não intersectantes”. Tal evidência da comunicação inacessível entre os atores da produção sugere como “saída” um aumento considerável no número de procedimentos.

Podemos observar que a contemporaneidade do trabalho tem sido fonte de intenso sofrimento para os trabalhadores, que se veem entre o confronto da organização (o que ela espera dele) e o que ele pode executar (sua atividade). Tais contradições comprometem a saúde mental dos trabalhadores. Cada incidente leva a um novo procedimento, o que, consequentemente, incidirá em um número excessivo de prescrições, dificultando a memorização e a execução do trabalho.

Para adentrar esse “mundo vivido no trabalho”, é necessário que se permita dar espaço amplo ao discurso dos trabalhadores; mais do que uma convivência, um aprofundamento na vivência do próprio indivíduo e num universo compartilhado de uma dada atividade em um mesmo mundo comum.

A análise do terceiro objetivo: “Investigar as relações entre os operadores e os diversos atores da produção (gestores, planejadores e executores) em situações de falhas no trabalho automatizado”, nos levou a constatar características muito peculiares nos diversos