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Prazer e sofrimento no trabalho dos operadores de trem diante de ocorrências de falhas no sistema automatizado no metrô de São Paulo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação MARIA SELMA FRANCHI

PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS

OPERADORES DE TREM DIANTE DE

OCORRÊNCIAS DE FALHAS NO SISTEMA

AUTOMATIZADO NO METRÔ DE SÃO PAULO

CAMPINAS 2019

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MARIA SELMA FRANCHI

PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS

OPERADORES DE TREM DIANTE DE

OCORRÊNCIAS DE FALHAS NO SISTEMA

AUTOMATIZADO NO METRÔ DE SÃO PAULO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Supervisor/Orientador: José Roberto Montes Heloani

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA SELMA FRANCHI, ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ ROBERTO MONTES HELOANI.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO DOS

OPERADORES DE TREM DIANTE DE

OCORRÊNCIAS DE FALHAS NO SISTEMA

AUTOMATIZADO NO METRÔ DE SÃO PAULO

Autor: Maria Selma Franchi

COMISSÃO JULGADORA:

José Roberto Montes Heloani Evaldo Piolli

Guilherme Henrique Lima Barati

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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À minha irmã Maria da Graça, pelo apoio e cuidado incondicionais, atitudes que marcaram e foram fundamentais para que eu pudesse concretizar esse sonho.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Desdemona e Sergio Franchi (in memoriam) por tudo que eles representaram e continuam a representar na minha vida e na vida da minha família. Pelo exemplo de caráter, honestidade e perseverança. Por nunca terem deixado faltar nada para todo o meu desenvolvimento pessoal e profissional.

A querida Vera Stella presença atenta e cuidadosa diante dos constantes momentos de lutas e incertezas, mas também uma grande incentivadora desse trabalho e da minha conquista.

A querida Ana Lúcia Pereira pelo apoio incondicional nas diversas etapas desse estudo, pelas conversas prolongadas e enriquecedoras e pelas contribuições preciosas que deram um sentido especial à pesquisa. Jamais te esquecerei.

Ao Prof. Dr. Roberto Heloani, meu orientador, que com tranquilidade, confiança e competência conduziu os trabalhos dessa dissertação. Respeitando os meus limites, meus recuos, incentivando meus avanços e estabelecendo uma parceria acadêmica.

Ao Prof. Dr. Guilherme Henrique Barati, meu amigo “Gui”, em primeiro lugar por ter aceitado compor a banca examinadora e pela seriedade com que acompanhou o meu trabalho, por ter se mostrado sempre disponível e interessado em escutar e acolher os meus questionamentos e indecisões, especialmente, nas muitas caronas à Unicamp.

Ao Prof. Dr. Evaldo Piolli, pela disponibilidade em participar da banca de defesa dessa dissertação e pelas contribuições feitas para a melhor realização desse trabalho.

Ao querido Carlos Eduardo Antonio, pela acolhida, dedicação, presença, disponibilidade e profissionalismo com que me acolheu e compreendeu com ética e imparcialidade, um momento muito especial desse percurso.

A minha amiga Nilza Pimenta, pela confiança da sua amizade, dedicação, torcida e força, nos momentos de insegurança, temores e inquietações.

A minha amiga Andreia Cristina que sempre torceu e acreditou no meu trabalho. Ao amigo Raul Arraigada por ter se mostrado sempre disponível, atento e cuidadoso para ensinar e indicar caminhos já experimentados.

Ao dedicado professor Júlio Ribeiro, parceiro comprometido dos inúmeros momentos desafiadores desse trabalho.

Difícil nomear todos os amigos que se privaram de seu tempo comigo e sempre me apoiaram nos estudos, mas não posso deixar de mencionar os nomes de Cristina e Isabella

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Resende, Cida Ferraiolli, Rita de Cássia, Sandrinha, Teresa e Liliam Hara, Katia Calçada, Regina Nunes, Sandrali. Muito obrigada.

De modo especial agradeço aos Operadores de Trem Metroviário que se dispuseram a conceder seus depoimentos para que este trabalho se tornasse possível. Agradeço a todos de forma especial pela atenção e por terem me permitido participar das suas experiências de sucesso e de fracasso, no dia-a-dia do trabalho automatizado.

Agradeço também aos chefes de departamento, coordenadores, supervisores de segurança, supervisores operacionais e de linha, aos instrutores de treinamento e engenheiros que com interesse e entusiasmo colaboraram com informações detalhadas sobre a rotina de trabalho dos operadores de trem, de forma que pudéssemos compreender melhor a dinâmica que se estabelece no tráfego do Metrô de São Paulo.

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RESUMO

Este estudo objetiva verificar o tipo de sofrimento ocasionado no Operador de Trem do Metrô de São Paulo, em decorrência das situações de falhas no trabalho automatizado. Para tal, buscou: descrever a organização do trabalho a que os operadores estão submetidos; investigar suas vivências de prazer e sofrimento, tanto na rotina da atividade quanto em ocorrências de falhas; analisar a relação entre o trabalho prescrito e a realidade do trabalho na perspectiva dos operadores; bem como as formas diferenciadas de sofrimento entre operadores antigos e novatos após os eventos de falhas. Esta pesquisa teve como aporte teórico a Psicodinâmica do Trabalho, alinhando-se àquelas que consideram o trabalho como atividade e como lugar de sofrimento e prazer ao mesmo tempo, sendo definido como vivências de angústia, medo, insegurança, reconhecimento e liberdade de expressão. As etapas da coleta de dados foram: a) contato com operadores na cabine do trem durante as voltas na jornada de trabalho; b) análise de documentos e textos referentes à Companhia do Metropolitano de São Paulo; c) 19 depoimentos individuais: dez operadores de trem (sete iniciantes, dois intermediários, um antigo); um instrutor de treinamento; um engenheiro; dois supervisores operacionais; dois supervisores de linha e três gestores. Os depoimentos foram analisados pelas etapas do processo de Observação Participante. Percebeu-se rigidez na organização do trabalho prescrito e, consequentemente, pouca oportunidade do trabalhador lançar mão da sua inteligência prática, do seu saber-fazer. Foram evidenciados oito tipos de sofrimentos que se fazem presentes na atuação do Operador de Transporte Metroviário II (OTM2): (1) sofrimento relacionado à expectativa quanto à nova função; (2) sofrimento relacionado à prática operacional; (3) sofrimento dos recém-liberados; (4) sofrimento relacionado à atuação na cabine; (5) sofrimento relacionado aos relacionamentos com os diversos atores da produção; (6) sofrimento relacionado ao prescrito e ao real; (7) sofrimento relacionado às falhas e punições; e (8) sofrimento relacionado a atropelamentos na via. Entretanto, a análise também evidenciou a existência de momentos de prazer, sobretudo, relacionados à superação das falhas, à identificação com a função e ao status motivado pelo sentimento de ser o profissional responsável por “mover o Metrô”. Consideramos que os OTM2 se beneficiariam com a criação de espaços de deliberação que permitissem a troca de informações, de forma a fortalecer o coletivo do trabalho.

Palavras-chave: Automatismo; Operador de trem de Metrô; Prazer-sofrimento no trabalho; Psicodinâmica do Trabalho; Organização do Trabalho.

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ABSTRACT

The purpose of the present study is to observe the types of suffering caused in Train Operators of São Paulo Subway System by events of failures occurred in the automated work. To that end, it seeks to describe the work organization the operators are submitted to, to investigate their feelings of pleasure and suffering in the activity routine as well as in the events of failures, to analyze the relation between prescribed work and work reality from the operators’ perspective and the different types of suffering novice and senior operators experience after the occurrence of failures. The theoretical support of the present study is given by the approach of Psychodynamics of Work, aligned with those ones that consider work as an activity and as a place of suffering and pleasure at the same time, defined by experiences of anguish, fear, insecurity, acknowledgement and freedom of speech. The steps for collecting data were as follows: a) contact with operators in the train cabin during laps at a day’s work; b) analysis of documents and texts related to ‘Companhia do Metropolitano de São Paulo’ (São Paulo Subway Company); c) nineteen individual statements: ten train operators (seven novice, two more experienced, one senior); one training instructor; one engineer; two operational supervisors; two line supervisors and three managers. The statements were analyzed through the steps of Participant Observation process. Rigidity was observed in the prescribed work organization and, consequently, there is little opportunity for workers to use their practical intelligence, their know-how. Eight types of suffering were highlighted in the Subway Transport Operator II´s (OTM2) acting: (1) suffering related to expectations for the new job; (2) suffering related to operational practice; (3) suffering of newly released workers: (4) suffering related to cabin performance: (5) suffering related to relationships with several production actors; (6) suffering related to prescribed and real: (7) suffering related to failures and punishments; (8) suffering related to trampling on the tracks. However, the analysis also reveals moments of pleasure, especially related to overcoming failures, identifying with the job and to the status motivated by the feeling of being responsible for “moving the train”. We consider that train operators (OTM2) would benefit from having deliberation spaces for information exchange in order to strengthen collective work.

Keywords: Automation; Subway train operator; Pleasure-suffering at work; Psychodynamics of Work; Work Organization.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Atuação em ocorrências na operação comercial ... 17

Figura 2 - Estação Sé com anormalidade na via ... 18

Figura 3 - Frotas do Metrô de São Paulo ... 19

Figura 4 - Frotas atuais e modernizadas do Metrô de São Paulo ... 19

Figura 5 - Painel da cabine da frota J ... 20

Figura 6 - Painel da cabine da frota L ... 20

Figura 7 - Quadro das Condições de Contrato de Trabalho do OTM2 ... 21

Figura 8 - Linhas e estações do Metrô de São Paulo ... 22

Figura 9 - Distribuição dos OTM2 por linha ... 23

Figura 10 - Linhas e Estações do Metrô ... 60

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Total de trabalhadores e passageiros transportados no período entre 2013 e 201763 Gráfico 2 - Relação do número de trabalhadores sobre o número de passageiros ... 64 Gráfico 3 - Média de passageiros transportados nos últimos 10 anos ... 64

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Distribuição do Quadro de Empregados do Tráfego do Metrô ... 16

Tabela 2 - Distribuição do Quadro de Empregados Metrô - SP ... 61

Tabela 3 - Trabalhadores (efetivos e terceiros) e passageiros transportados ... 62

Tabela 4 - Variação anual funcionários e passageiros ... 62

Tabela 5 - Número de trabalhadores por passageiros transportados ... 63

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AM - Auxiliar de Manobra

ATO - Controle Automático

APLOP - Abertura de Portas de Lado Oposto ASM1 - Agente de Segurança Metropolitano I ATO - Modalidade Automática

CCO - Centro de Controle Operacional CIT - Circulação de Trens

CMSP - Companhia do Metropolitano de São Paulo GOP - Gerência de Operações

IN - Incidente Notável M - Controle Manual

MCS - Controle Semiautomático

OTM1 EST - Operador Transporte Metroviário I - Estação OTM2 TRA - Operador Transporte Metroviário II - Tráfego

OTM3 SUP - Operador Transporte Metroviário III - Supervisor de Linha OTM3 CTR - Operador Transporte Metroviário III – Controle de Trem OTM3 SUP - Instrutor de Treinamento

OTM4 - Operador de Transporte Metroviário IV - Operador CCO PA - “Public Audition” (comunicação ao usuário)

PDT - Psicodinâmica do Trabalho PO - Prática Operacional

TA - Treinamento de Adaptação (Treinamento de Frotas Novas) TEM - Treinamento de Entrada

TOT - Treinamento de Operadores de Trem ROA - Relatório de Ocorrências

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

Caracterização dos pesquisados 23

CAPÍTULO I: PSICODINÂMICA DO TRABALHO 29

CAPÍTULO II: O MUNDO DO TRABALHO 48

CAPÍTULO III: O MUNDO DO METRÔ 57

3.1 A implantação do Metropolitano de São Paulo 65

3.2 Como surgiram os Metroviários? 68

CAPÍTULO IV: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 75

4.1 Etapas no processo de Observação Participante 75

CAPÍTULO V: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 78

5.1 Organização do Trabalho 78

5.2 Trabalho prescrito e realidade do trabalho 92

5.3 Relações entre os operadores e os diversos atores da produção 100 5.4 Sofrimento após a ocorrência de falhas em novatos e antigos 109

5.5 Retomando a questão de pesquisa 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS 117

REFERÊNCIAS 122

APÊNDICES 131

Apêndice 1 - Depoimento de Campo – Operador de Trem (OTM2) 131

Apêndice 2 - Depoimento de Campo – Supervisores de Tráfego 133

Apêndice 3 - Depoimento de Campo – Gestores 135

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INTRODUÇÃO

As organizações contemporâneas se encontram implantadas em um contexto mundial globalizado. As inovações introduzidas nos sistemas produtivos, tais como a automação, a informatização e os mais recentes modos de organização, vêm se traduzindo por algumas características novas dentro do trabalho.

De um modo geral, podemos observar que com a automação algumas funções foram reduzidas e outras foram criadas. Segundo Itani (1985), verificaram-se problemas de adaptação de tecnologias modernas e dificuldades de absorção de sistemas inovadores no processo de deslocamento, somados a uma exigência de pessoal mais capacitado para controlar os sistemas complexos. Verificaram-se também problemas na saúde do trabalhador, aditando-se a uma frequência polêmica de acidentes.

Atuando há alguns anos como psicóloga na Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, no Departamento de Engenharia e Segurança e Saúde Ocupacional, tive a oportunidade de vivenciar e acompanhar muitas situações de trabalho envolvendo profissionais de diversas áreas da empresa, de modo especial os da área operativa, da qual fazem parte os Operadores de Trem (OTM2-TRA), sujeitos desta pesquisa.

Os operadores de trem integram a Gerência de Operações (GOP), sendo profissionais que sempre estiveram no centro das atenções dos gestores, engenheiros, operadores de console, instrutores de treinamento, sindicato e, finalmente, dos usuários.

Esse grupo de profissionais tem, entre muitas atribuições, a de conduzir o trem, lidando com situações imprevistas e inesperadas no sistema automatizado. Tal atribuição é de extrema responsabilidade, considerando o número excessivo de usuários que fazem uso desse transporte coletivo diariamente.

A formação específica dos OTM2 foi assumida pela empresa por meio de programas internos, tais como: Treinamento de Operadores de Trem (TOT), Treinamentos de Adaptação - TA (frotas novas) e Reciclagens. Dessa forma, iniciam a carreira no tráfego e, com o tempo de experiência, vão cada vez mais se apropriando da função.

Apresentaremos na Tabela 1 o contingente de empregados das cinco linhas do Metrô: (L1 – Azul; L2 – Verde; L3 – Vermelha; L5 – Lilás; Linha 15 - Prata - Monotrilho).

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Tabela 1 - Distribuição do Quadro de Empregados do Tráfego do Metrô

Cargos Contingente

Chefe de Departamento 01

Coordenador 01

Supervisor Geral (SO1) 03

Supervisor linha (OTM3 SUP)

77

Supervisor (OTM3

Controlador de trens)

24

Op. de Trem (OTM2) 1054

Auxiliar de Manobra - (AM) 06

Instrutor de Treinamento 06

Total 1172

Fonte: Metrô (2017)

Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho (CBO), a ocupação “Operador de Trem de Metrô/Piloto de Trem de Metrô” pertence à família “Operadores de Veículos sobre trilhos e cabos aéreos”. São áreas de atividade: 1) conduzir e manobrar trens, bondes e metrôs – monitorando equipamentos de bordo e movimentando o veículo na modalidade manual, semiautomática e automática; 2) operar teleférico para transportar passageiros e cargas, adequando a condução ao tipo de veículo; 3) realizar inspeções e vistorias nos veículos e tomar providências para corrigir falhas detectadas nos equipamentos; 4) seguir procedimentos de segurança, obedecendo à sinalização de via, acatando instruções enviadas por rádio e acionando freio de emergência em situação de risco. No desempenho das atividades, utilizar capacidades comunicativas (BRASIL, 2002).

Especificamente no caso dos Operadores de Trem de Metrô (METRÔ-SP) as atribuições são: operar trens nas linhas comerciais; abordar, atender e orientar usuários; atuar no controle de fluxo de plataforma; monitorar a prática operacional de treinamentos; atuar em campanhas institucionais; cumprir e observar todas as normas e procedimentos operacionais; operar aparelho de mudança de via (AMV); Inspecionar e atuar em falhas de trens e estratégias operacionais; verificar, distribuir e controlar os transceptores nos pátios e linhas; auxiliar nos controles administrativos; aplicar reciclagens referentes ao Material Rodante; inspecionar a qualidade dos serviços de limpeza de trem; acompanhar e controlar o descarregamento de materiais transportados nos trens.

Na descrição acima, pôde-se observar que os operadores de trem na atuação comercial estão envolvidos em uma rotina de trabalho diária, que contempla diversas variáveis simultâneas, entre elas: painéis da cabine; demanda de usuários; rádio (comunicação

(17)

com usuários e CCO); tempo do hadway (tempo entre trens) e também situações de anormalidade, como falhas do trem e atropelamentos em via.

A Figura 1 apresenta, de maneira esquemática, essas variáveis. A Figura 2, por sua vez, apresenta a Estação Sé em uma situação de anormalidade na via, excesso de usuários na plataforma.

(18)

Figura 2 - Estação Sé com anormalidade na via

Atualmente, os OTM2 operam dez tipos de frotas distintas (C, D, E, F, G, H, I, J, K, L), portanto, atuam em dez tipos de cabines diferentes, entre as novas (modernizadas) e as antigas. É importante ressaltar que a modernização das frotas foi feita por empresas distintas, e, naquele momento, não foi contemplada a padronização dos layouts das cabines, ou seja, dos painéis, a localização e as cores das botoeiras, das alavancas e outros equipamentos (conforme Figuras 5 e 6). Dessa forma, é importante observar se tal contexto pode comprometer a atuação dos operadores, considerando que, em uma jornada de trabalho que contempla quatro voltas, o OTM2 pode conduzir quatro frotas distintas.

As Figuras 3 e 4 apresentam as frotas do Metrô de São Paulo, sendo que os trens sinalizados com “X” se referem às frotas A, D e C, que foram modernizadas e se tornaram, respectivamente, A= (I e J), D=(L) e C=(K).

(19)

Figura 4 - Frotas atuais e modernizadas do Metrô de São Paulo Figura 3 - Frotas do Metrô de São Paulo

(20)

A partir das Figuras 5 e 6 é possível observar as diferenças entre as cabines dos trens das frotas J e L.

Figura 5 - Painel da cabine da frota J

(21)

A jornada de trabalho dos OTM2 é de 36 ou 40 horas semanais e pode ser distribuída nas seguintes escalas:

a) quatro dias de manhã ou à tarde; dois dias à noite; quatro dias de folga; b) dois dias de manhã; dois dias à tarde; dois dias à noite; quatro dias de folga; c) quatro dias de manhã ou à tarde; um dia de folga; quatro dias de manhã ou à

tarde; três dias de folga;

d) cinco dias de manhã ou à tarde; dois dias de folga.

Há situações de trabalho que dependem do turno em que atuam: manhã, tarde ou noite. O trabalho da noite inclui atividades de checagem das instalações e do funcionamento de trens, de preparativos de limpeza destes e de manobras. Os trens rodam até uma hora da manhã. Os operadores fazem a checagem para a liberação da limpeza em cerca de 30 a 40 minutos. A partir das 2h30min da manhã iniciam os preparativos e as verificações para o retorno dos trens aos trilhos. A Figura 7 apresenta informações sobre a jornada e outras condições de trabalho dos OTM2.

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Os empregados mais antigos têm, em média, de 25 a 30 anos de experiência na função, com idade entre 55 e 65 anos; há um segundo grupo, que tem entre dez e 15 anos na função, com idade acima de 40 anos.

Os operadores iniciantes têm de um a cinco anos na função e idade entre 25 e 35 anos. A maioria deles são metroviários oriundos da estação onde atuavam como Operadores de Transporte Metroviário I (OTM1- Estação) e, após prestarem concurso interno, foram promovidos para OTM2.

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Figura 9 - Distribuição dos OTM2 por linha

Caracterização dos pesquisados

Participaram desta pesquisa profissionais com diferentes níveis de experiência: iniciantes (um a cinco anos na função), intermediários (seis a 15 anos na função) e antigos (acima de 15 anos na função).

Abaixo apresentaremos alguns dos profissionais pesquisados. Para preservarmos a identidade destes, utilizamos a denominação participante “P”, seguida dos números identificadores: P1, P2, P3 etc.

P1 – Mulher, sete anos de empresa, sendo seis deles trabalhados como OTM1 (estação) e um ano como OTM2 (tráfego);

P2 – Homem, nove anos de empresa, sendo oito anos na função de OTM1 e um ano como OTM2;

P3 – Mulher, 17 anos de empresa, sendo 16 anos como OTM1 e um ano como OTM2;

P4 – Mulher, seis anos de empresa, sendo cinco deles na função de OTM1 e um ano como OTM2;

P5 – Homem, seis anos de empresa, sendo cinco como OTM1 e um ano como OTM2;

(24)

P6 – Mulher, seis anos de empresa, sendo um ano como OTM1 part time (meio período), quatro anos como OTM1 (período integral) e um ano como OTM2; P7 – Homem, dezoito anos de empresa, sendo seis anos como OTM1 e doze anos atuando como OTM2;

P8 – Homem, 40 anos de empresa, todos eles atuando como OTM2; P9 – Homem, 16 anos de empresa, um ano e seis meses como OTM2;

P10 – Mulher, 32 anos de empresa, sendo 20 anos como OTM1, dois anos como OTM2 e dez anos como instrutora de treinamento;

P11 – Homem, 12 anos de empresa, sendo três anos como ASM1, quatro anos como OTM3 (supervisor de linha) e cinco anos como SO1 (supervisor geral I); P12 – Homem, 29 de empresa, sendo 13 anos como OTM2-TRA, três anos como OTM2 EST e 12 anos como OTM3, um ano como SO1;

P13 – Mulher, nove anos de empresa, sendo nove anos como OTM3;

P14 – Homem, 30 anos de empresa, sendo 25 anos como OTM2 e cinco anos como OTM3;

P15- Homem, 10 anos de empresa, sendo seis anos como Agente de Segurança e quatro anos como Coordenador do Tráfego;

P16 – Homem, 40 anos de empresa, sendo 15 anos como operador de trem, dez anos como Supervisor de Linha do Tráfego, cinco anos como Supervisor Operacional do Tráfego e dez anos como Chefe de Departamento;

P17 – Homem, 45 anos de empresa, sendo cinco anos como Técnico, 20 anos como Supervisor, treze anos como Coordenador e sete anos como Especialista no Tráfego;

P18 – Homem, dez anos como Engenheiro de Operações;

P19 – Homem, 30 anos de empresa, sendo vinte anos como OTM1 (estação) e dez anos como OTM2;

Foram colhidos dezenove depoimentos, sendo sete OTM2 iniciantes, dois intermediários e um antigo; uma instrutora de treinamento; um engenheiro; dois supervisores operacionais; dois supervisores de linha e três gestores (Roteiro dos Depoimentos - Apêndice 1 a 4).

Enquanto psicóloga do Metrô, o meu contato com os OTM2 se dá a partir da necessidade de um acompanhamento psicológico individual a esses profissionais após situações de falhas e atropelamentos em via durante a jornada de trabalho.

(25)

Além dessa ação individual, ministro um dos módulos do Treinamento de Operadores de Trem (TOT), denominado “Medidas Preventivas para o Stress no Trabalho”, que tem como objetivo principal preparar os operadores iniciantes quanto à importância do controle emocional na função.

O TOT é um instrumento obrigatório do tráfego. Os candidatos a operadores de trem só são liberados para a função se aprovados no treinamento. A duração do TOT é de aproximadamente quatro meses, e contempla a abordagem teórica e a prática operacional (PO), a qual é acompanhada por um monitor durante as voltas.

Na ocasião do treinamento de uma das turmas de OTM2, em 2016 e após completarem um ano na atividade, tive a oportunidade de colher alguns depoimentos de campo com esses profissionais. Eles me contaram sobre o treinamento, a experiência inicial de operar o trem e os sentimentos de medo e ansiedade frente à possibilidade de passarem por alguma falha e não conseguirem resolvê-la. A partir desses depoimentos percebi que esta seria uma oportunidade de pesquisar o tema de forma mais aprofundada, procurando identificar que tipo de sofrimento pode ser causado no OTM2 em decorrência de situações de falhas no trabalho automatizado.

Abaixo destaco alguns relatos dos operadores:

O treinamento de formação dado pela empresa foca no conteúdo do funcionamento do trem e na resolução de falhas, e não no comportamento do

OTM2. Por exemplo, a ocorrência de atropelamento em via, dependendo das características do operador, terá reações diferenciadas. Na minha opinião, é importante considerar o jeito de cada operador. (P1)

A atuação depende de cada um e de como o operador lida com o inesperado, com a surpresa. Se um OTM2 é mais impulsivo e se desespera, corre mais risco de errar. No tráfego, tudo tem que ter calma. Quando acontece uma falha, tem que parar, pensar, identificar a falha, pensar o que vai fazer, e aí comunicar o CCO e pedir autorização para atuar. (P2)

No primeiro mês de liberado para a função, foi muito difícil, senti medo e insegurança, estava tenso, mas, com o tempo e depois de solucionar algumas falhas, me senti mais seguro e confiante e fui sentindo prazer em ser operador. (P3)

Muito do que acontece no metrô se deve a uma comunicação de rádio comprometida e a precipitação do OTM2. Ele fica estressado e faz muitas ações indevidas. O painel traz todas as informações do que está acontecendo com o trem. No primeiro mês de liberada, fiquei muito tensa, eu lia as informações no painel, mas não entendia e pedia ajuda para o CCO; hoje, mais calma, consigo ler e entender as informações. (P4)

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A atuação errada acaba sempre sendo responsabilidade do operador. É difícil para o OTM2 aceitar, ele se cobra muito, se preocupa com o usuário e pensa na punição. Ele não aceita o erro. O CCO faz muitas cobranças, o trem não pode parar, a pressa de tentar resolver o problema faz com que o operador erre. (P5)

Quando você é liberado para a função, sente uma sensação de abandono e pensa: agora estou sozinho; dá um frio na barriga, mas tem que manter o controle. Eu ia conversando comigo e me orientando nos passos que deveria tomar: agora vou tirar da emergência, colocar em ATO (automático), fechar as portas, agora passo o comando. Isto ocorre nas primeiras voltas, depois você aprende e tudo bem. (P7)

O momento da liberação para a nova função parece trazer insegurança e muita tensão para os operadores. Segundo a fala de P7, inicialmente, eles atuam com muita preocupação e medo de errar, considerando o sistema automatizado. Eles ficam muito atentos à atividade, pois estão aprendendo, na prática, a destreza da função.

Diante das falas apresentadas, podemos observar que o desafio de enfrentar as falhas, os contratempos com os usuários e o medo de errar podem desencadear sofrimentos e tensões nos OTM2, mas, em contrapartida, o relato de P3 aponta a alegria de vencer os obstáculos e o prazer de se tornar um operador.

Se, por um lado, pude me aproximar da realidade vivida pelos operadores nos muitos atendimentos realizados, por outro, também me aproximei dos gestores, que solicitavam constantemente a parceria do psicólogo para ajudá-los a compreender melhor as consequências físicas e emocionais que atingem os operadores após as situações de falhas, consequências estas que podem, por vezes, prejudicar a atuação desses profissionais e, em alguns casos, até mesmo levá-los à ocorrência de novas falhas.

Ouvir e tentar compreender as ideias, justificativas, pontos de vista e decisões dos planejadores e dos executores com tantos anos de experiência e conhecimento técnico da função fizeram com que eu me interessasse em pesquisar este tema.

Assim, a pesquisa terá como objeto de estudo o sofrimento dos operadores de trem diante das falhas no sistema automatizado. A partir do exposto e de todos os questionamentos envolvendo direta ou indiretamente os operadores de trem, eles serão os sujeitos da pesquisa.

No decorrer dos nossos trabalhos, surgiram as seguintes perguntas: Qual o tipo de sofrimento predominante entre os OTM2 em situações de falhas no trabalho automatizado? Existe prazer, para além do sofrimento, na atividade realizada? Os sofrimentos dos operadores

(27)

diante das ocorrências de falhas estão podendo ser ditos/tratados ou têm ficado velados e individualizados? Há abertura para os espaços de discussão?

A partir de todas as indagações supracitadas e com base em minha vivência empírica, assumo como pressuposto que as ocorrências de falhas no trabalho com automação causam sofrimento ao operador. Diante do exposto, este estudo será norteado a partir da seguinte questão de pesquisa: Que tipo de sofrimento pode ser causado no operador de trem

em decorrência das falhas no sistema automatizado?

Assim, o objetivo desta pesquisa será identificar o tipo de sofrimento ocasionado no operador de trem em decorrência das situações de falhas no trabalho automatizado. Para tanto, elencamos os seguintes objetivos específicos:

1. Analisar o papel da organização do trabalho e as ocorrências de falhas no trabalho automatizado.

2. Analisar a relação entre o trabalho prescrito (normas, treinamento de formação e adaptação, sistemas de controle) e a realidade do trabalho na perspectiva dos operadores.

3. Investigar as relações entre os diversos atores da produção (gestores, planejadores e executores) em situações de falhas no trabalho automatizado. 4. Investigar se operadores antigos e novatos apresentam formas diferenciadas de

sofrimento após a ocorrência de uma falha.

Para a construção do referencial teórico que dará sustentação à pesquisa, buscaremos na literatura especializada subsídios para compreender a relação entre trabalho/saúde e sofrimento/adoecimento, privilegiando os seguintes autores: Dejours (1992; 1999); Heloani (2003); Linhart (1995); Lancman e Uchida (2003). E ainda, visando trazer contribuições sobre percepção, falhas em sistemas automatizados e como o corpo se articula às exigências cognitivas relativas às preocupações com erros, retrabalho e ritmo, destacamos Merleau-Ponty (1999); Bouyer (2007; 2008); Sznelwar (2007); Varela, Thompson e Rosch (1993); Varela (2000).

Seguiremos com o primeiro capítulo, intitulado “Psicodinâmica do Trabalho”, que apresenta os conceitos da psicodinâmica dejouriana, que forneceram o respaldo teórico para a análise dos dados apresentados nesta dissertação.

O Capítulo II, intitulado “O Mundo do Trabalho”, traz uma breve revisão dos modelos de gestão a partir da criação da Organização Científica do Trabalho, bem como as considerações de alguns autores contemporâneos (ANTUNES, 1995; FRIGOTTO, 1995;

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HELOANI, 2018), para quem o trabalho foi e continua sendo a categoria central para explicar os diferentes processos sociais.

E, finalizando o corpo teórico, no Capítulo III, apresentaremos “O Mundo do Metrô”, que aborda a experiência singular da implantação do Metropolitano de São Paulo, que teve início no final do ano de 1968; contempla, ainda, o surgimento dos metroviários e, com eles, um novo perfil de trabalhador do serviço público.

No Capítulo IV, descreveremos as opções metodológicas realizadas no decorrer deste trabalho.

O Capítulo V considera a apresentação, a análise e discussão dos resultados encontrados. E, por fim, apresentaremos as considerações finais desta dissertação.

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CAPÍTULO I: PSICODINÂMICA DO TRABALHO

O termo “Psicopatologia do Trabalho” surgiu a partir de 1952, inaugurado pelos psiquiatras sociais Sivadon, Guillant e Begoin. O interesse dos primeiros estudos dessa escola residia na investigação sobre as consequências que o trabalho poderia trazer para a saúde psíquica do trabalhador, bem como sobre as possibilidades de surgimento e desenvolvimento de doenças mentais (DEJOURS; ABDOUCHELI, 2009).

O contexto daquele momento era caracterizado por um conjunto de conhecimentos dominados pela patologia profissional somática, resultante dos danos físico-químico-biológicos do posto de trabalho. A Psicopatologia buscava o nexo causal entre as organizações e condições de trabalho e o adoecimento mental. Seus estudos tomavam como centro os conflitos do encontro entre a história pré-existente do indivíduo e a situação de trabalho.

Um dos estudiosos de renome que inicialmente se posicionava segundo a tradição da Psicopatologia do Trabalho é Christophe Dejours (1949), doutor em medicina, psicanalista, especialista em medicina do trabalho e em psiquiatria. Sua preocupação central, a partir das pesquisas de campo, era compreender o sofrimento psíquico em relação às imposições e constrangimentos vividos nas organizações e a possível desestabilização psicológica do trabalhador. Ou seja, diante de insatisfações de toda ordem em relação às condições de trabalho, esperava-se, consequentemente, uma desorganização psíquica do profissional (LANMAN; UCHIDA, 2003; SELIGMANN-SILVA, 2009).

Entretanto, tais expectativas não se confirmaram. A partir do trabalho de campo e situações concretas de observação, Dejours (1992) constatou nos trabalhadores um estado de normalidade. Segundo Heloani (2007, p. 184), mesmo diante de comportamentos e reações graves, os indivíduos reagiam “[...] como se nada estivesse ocorrendo”. O autor ainda aponta que tais reações podem-se fazer presentes nas organizações atuais, como irritação, angústia e insatisfação frente às condições de trabalho, cefaleia, insônia, obesidade, dores musculares e outros.

Nesse momento, surgiu um novo foco de pesquisa e Dejours dirigiu sua atenção para esse fenômeno: a obscura normalidade constatada nos indivíduos. Para Heloani (2007, p. 184), foi para abarcar a complexidade do fenômeno da normalidade que Dejours “[...] passa a denominar sua atividade de Psicodinâmica do Trabalho ou Análise Psicodinâmica do Trabalho”.

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Dejours (1992,1994,1999) ampliou, assim, o estudo das doenças mentais para as estratégias de defesa contra o adoecer, incluindo a normalidade na relação dinâmica entre o homem, o trabalho e sua subjetividade. O autor sustenta que não se deve confundir normalidade com estado saudável.

Lancman e Uchida (2003) propõem a seguinte reflexão:

Se por um lado a normalidade pode refletir equilíbrio saudável entre as pessoas, pode, de outro, ser um sintoma de um estado patológico, ou seja, o estabelecimento de um precário equilíbrio entre as forças desestabilizadoras dos sujeitos e o esforço destes e dos grupos no sentido de se manterem produtivos e atuantes à custa de muito sofrimento e que se estenderá também em sua vida fora do trabalho. (p. 82)

Assim, a normalidade é o resultado do acordo entre o sofrimento e as estratégias de defesa, podendo-se afirmar que no trabalho ela sempre implicará sofrimento. Nas palavras de Dejours (1999, p. 19), a normalidade é uma conquista “[...] mediante uma luta feroz entre as exigências do trabalho e a ameaça de desestabilização psíquica e somática”.

Diante desse cenário as visões anteriores da Psicopatologia do Trabalho foram alteradas e tomaram novos rumos com a publicação do livro de Dejours: Travail: usure

mentale, lançado na França em 1980 e traduzido posteriormente no Brasil com o título “A

Loucura no Trabalho” (SELIGMANN-SILVA, 2009).

Mas, afinal, qual a preocupação do autor a partir desse momento? A Psicodinâmica do Trabalho tem como foco principal uma dinâmica mais ampliada para compreender a gênese e as transformações do sofrimento mental vinculadas à organização do trabalho (SELIGMAN-SILVA, 2009; GOMES, 2004).

Devido às suas especificidades, Dejours (1993b) chama a Psicodinâmica do Trabalho de Clínica do Trabalho:

[...] a psicodinâmica do trabalho é antes de tudo uma clínica. Ela se desdobra sobre um trabalho de campo radicalmente diferente do lugar da cura. Afirmar que ela se trata de uma clínica implica que a fonte de inspiração é o trabalho de campo e que toda a teoria é alinhavada a partir deste campo. (p. 137)

A respeito dos propósitos da Psicodinâmica do Trabalho, Heloani e Lancman (2004) apontam que ela:

[...] busca estudar os aspectos menos visíveis que são vivenciados pelos trabalhadores ao longo do processo produtivo, tais como: mecanismos de cooperação, reconhecimento, sofrimento, mobilização da inteligência, vontade e motivação e estratégias defensivas que se desenvolvem e se estabelecem a partir das situações de trabalho. (p. 82)

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O trabalho é tudo o que, em uma situação real, não foi previsto pela concepção, planejamento e organização de uma tarefa. Segundo Dejours (2012):

O trabalho é o que implica, de uma perspectiva humana, o fato de trabalhar: os gestos, o saber-fazer, o engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e de reagir a diferentes situações, é o poder de sentir, de pensar, de inventar etc. Em outros termos, para o clínico, o trabalho não é, em primeira instância, a relação salarial ou empregatícia, é o “trabalhar”, ou seja, um modo específico de engajamento da personalidade para enfrentar uma tarefa definida por constrangimentos (materiais e sociais). [...] O trabalho define-se como o que o sujeito deve acrescentar às prescrições para poder alcançar os objetivos para os quais foi designado; ou ainda, o que o trabalhador deve acrescentar de si para fazer frente ao que não dá certo quando ele se atém escrupulosamente à execução das prescrições. (p. 24-25)

A Psicodinâmica do Trabalho (PDT) se inspirou na Ergonomia da Atividade, a partir da ideia de que há uma defasagem na ordem técnica entre a tarefa prescrita e a atividade real. A partir das discussões dessas duas áreas de conhecimento, evidenciou-se o fato de que não seria possível trabalhar e produzir seguindo-se estritamente as regras pré-definidas, principalmente aquelas prescritas por determinados atores da produção – engenheiros e gestores (SZNELWAR; UCHIDA; LANCMAN, 2003).

Os autores ainda afirmam que o trabalhar não envolve só a razão, mas também desejos, afetos e emoções que estão relacionados com algo que não está estabelecido, normalizado e apaziguado. Ao contrário, o trabalho seria um esforço para superar o não prescrito, uma construção constante, que acrescenta algo àquilo que não se previu, que está em constante negociação entre o desejo e o real.

Assim, podem-se reconhecer dois protagonistas envolvidos na situação de trabalho, que se relacionam por meio de contratos, de tarefas prescritas e reais, e da atividade de trabalho em si. De um lado, estão os trabalhadores, que entram em cena com suas características pessoais, a experiência que têm e a formação que receberam, além de sua situação particular no instante do trabalho; e do outro, está a organização, que tem objetivos próprios, disponibiliza o ferramental necessário à atividade e organiza o trabalho de acordo com os seus objetivos (ABRAHÃO et al., 2009).

Um dos aspectos significativos do trabalho está na definição da tarefa, ou seja, no trabalho prescrito, que, segundo Costa (2013), é o conjunto de determinações impostas aos trabalhadores pelos gestores para a execução de suas atividades de trabalho. No entanto, o que se observa na prática é que o trabalho prescrito não consegue dar conta das situações reais de trabalho em função da sua variabilidade e complexidade.

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O prescrito corresponde ao que antecede a execução da tarefa; um registro que satisfaz uma necessidade de orientação, burocratização e fiscalização; é fonte de reconhecimento e de punição. Já o trabalho real é o próprio momento de execução. Dejours (2004) chega a definir trabalho como tudo aquilo que não está prescrito, porque não é o prescrito que realiza o trabalho, mas a ação real do trabalhador. Sem desconsiderar os planejadores para a coordenação das forças de trabalho de uma empresa, é importante ressaltar o papel do funcionário.

Ainda segundo Dejours (2012a), trabalhar é preencher a lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real, já que o trabalho é aquilo que o sujeito deve acrescentar às prescrições para que atinja os objetivos propostos pela organização, ou ainda, o que ele deve dar de si mesmo para fazer frente ao que não funciona quando ele segue de maneira fiel a tarefa.

Em síntese, a discrepância entre trabalho real e trabalho prescrito agrega dificuldades aos trabalhadores, pois reduz a margem de manobra para responder satisfatoriamente às exigências presentes nas situações, gerando, em consequência, uma sobrecarga de trabalho e aumento do custo humano da atividade. Tal sobrecarga acarreta impactos nos componentes físicos, cognitivos e psíquicos, originando:

- fadiga física, produzindo a incidência de dores lombares, dorsais, ombros e pescoço;

- fadiga mental, expressa sob a forma de cansaço mental, sensação de esgotamento;

- fadiga nervosa, expressa sob a forma de manifestação de ansiedade, medo e frustração (Daniellou; Laville; Teiger, 1989).

Para exemplificarmos o trabalho entre o prescrito e o real, apresentamos as falas dos operadores P1 e P2, iniciantes no cargo. Eles disseram:

Muita coisa do que acontece com o trem não está no procedimento, porque trabalhar

com a máquina sempre tem uma coisa nova. Aconteceu comigo durante uma volta, de repente, o trem parou e eu pensei: “Ferrou, o que vou fazer?" Meu coração disparou, comecei a suar, tive um retorcido no estômago, mas tinha que continuar, saí em manual, bem devagar, e logo que o trem entrou na estação seguinte, normalizou. [...] As falhas dadas no treinamento são clássicas; muitas “coisas” que acontecem na prática não está no procedimento. Lidar com uma máquina é lidar com o inesperado, tudo pode acontecer (P1)

O conteúdo passado no treinamento de formação (TOT) é muito bom, mas nunca será suficiente porque você lida com uma máquina que pode falhar a qualquer momento. [...] Na prática operacional (PO), nem todas as

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estratégias utilizadas no trem são vistas e alertadas pelo instrutor. Assim, o operador pode ser surpreendido diante de uma ocorrência (P2).

A fala dos operadores entrevistados, P1 e P2, convergem com as dos teóricos pesquisados (DEJOURS, 2012; HELOANI E LANCMAN, 2004; SZNELWAR, 2007), que alertam para o fato de, frequentemente, o prescrito não ser suficiente para suprir as demandas do trabalho real, pois este envolve situações inéditas e desconhecidas que desafiam as prescrições. Por exemplo, P1 não teria como encontrar em nenhum manual uma descrição ou orientação para a situação que relatou.

Como visto, a PDT se inspirou na Ergonomia da atividade, a partir da ideia de que existe uma defasagem na ordem técnica entre a tarefa prescrita e a atividade real. Para além dessa realidade indicada pela Ergonomia, a PDT se interessa pelo que seria o real do trabalho, aquilo que é conhecido por resistir ao conhecimento técnico-científico e que é apreendido, inicialmente, sob a forma de experiência de fracasso, e resiste à simbolização, estando ligado consubstancialmente ao insucesso (Dejours, 1997; Nascimento, 2015).

Ainda segundo Dejours (1997), a habilidade no trabalho exige a implicação do corpo inteiro, que explora a si mesmo no desempenho da tarefa. O trabalho ordinário, ao exigir certas habilidades, confronta esse corpo com as suas inabilidades, os seus limites, a sua impotência. A experiência do real se mostra como uma provação ao corpo, da qual pode sair engrandecido ou enfrentar uma crise. Tal experiência é a desinstalação do comum, do esperado, do conhecido, é o confronto com o não saber, com o não simbolizado, com o não dito, com o não compreendido. A aquisição de novos registros de sensibilidade, em função das experiências e do trabalho, não está dada de antemão, mas, ao contrário, para poder se apropriar desses novos registros, muitas vezes, é necessário passar por uma reorganização do corpo subjetivo, que estava mais ou menos estabilizado antes do encontro com o real (DEJOURS 2012a).

A realidade do trabalho se apresenta não apenas como a experiência de insucesso, desfavorável, mas também como algo inédito para o sujeito. É uma experiência radical de ininteligibilidade, que conduz a um sentimento de incompetência, sendo enfrentado pelo sujeito a partir da ausência de procedimentos conhecidos e previamente definidos. É preciso que o trabalhador crie novas soluções para que possa atingir os resultados do seu trabalho, abrindo espaço para a intuição (DEJOURS 2012a).

O mesmo autor ainda afirma:

Trabalhar não é tão só produzir, é colocar seu corpo à provação, com uma possibilidade que ele volte mais sensível se comparado consigo mesmo antes dessa provação. Assim, trata-se de aumentar suas capacidades de

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experimentar prazer. [...] A provação do trabalho, a provação do real não são apenas a passagem obrigatória para o conhecimento do mundo, essas provações são também por onde a vida é experimentada, revelada a si. O que está em causa, aqui, não é mais do que a vida propriamente dita. (DEJOURS, 2012, p. 179-180)

Para ilustrarmos a reflexão apresentada por Dejours, destacamos a fala de um Instrutor de Treinamento, que atuou por mais de 20 anos como operador de trem:

Conheço o trem como a palma da minha mão, sinto no meu corpo o balanço do trem, conheço o som das rodas do trem nos trilhos e sei apurar pelo balanço quando há algo de errado ou alguma imperfeição que não deixa o trem deslizar naturalmente.

O real resiste e se manifesta sempre de uma maneira que põe em xeque o querer, e é assim, a partir de um insucesso (incidente/falha) que o trabalho de fato se inicia. No entanto, o insucesso é sempre uma experiência que pode proporcionar dor, irritação e desespero, que se designa pelo nome de sofrimento (DEJOURS 2012a).

Quando trabalha, o sujeito experimenta não apenas uma resistência que chega do exterior, mas também a que provém do interior de si mesmo, do real do inconsciente. Dejours (2012a) reconhece que nem sempre é possível distinguir o real do trabalho do real do inconsciente, isto é, “[...] não é sempre fácil saber se a resistência ao domínio resulta do fato de a tarefa ser de execução impossível ou é o resultado da minha incapacidade” (p.183). Para Ferreira (2013), a relação interior-exterior não deve ser pensada de forma dicotômica, mas como um processo de permanente e recíproca constituição.

Trabalhar, então, é confrontar a resistência do real material, do real inconsciente, além de ser o reencontro das relações sociais e da dominação, já que o trabalho não se faz conhecer somente no mundo objetivo e no mundo subjetivo, ele se revela também no mundo social (DEJOURS 2012a).

Podemos observar que a contemporaneidade do trabalho tem sido fonte de intenso sofrimento para os trabalhadores que se veem entre o confronto da organização (o que ela espera deles) e o que eles podem executar (sua atividade). Tais contradições comprometem a saúde mental dos trabalhadores. Cada incidente leva a um novo procedimento, o que, consequentemente, incidirá em um número excessivo de prescrições, dificultando a memorização e a execução do trabalho.

Os OTM2 relatam certa dificuldade de memorização em função do número excessivo de prescrições e da falta de padronização em relação às diversas frotas do sistema. Dessa forma, quando um operador é escalado para uma determinada frota na qual não tem operado há muito tempo, existe maior incidência de erro, pois nem sempre é possível se

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lembrar de todos os procedimentos. Tal situação pode gerar o aumento das prescrições, o que, consequentemente, eleva o risco de transgressão e gera muito sofrimento aos trabalhadores.

Nas situações de trabalho, a transgressão é vista como infração, insubordinação, devendo ser escondida pelo sujeito, e é alvo de punição caso seja descoberta. Ela traz um peso ligado a valores como desobediência, descumprimento, desrespeito, invasão, safadeza, trapaça, fraude – palavras normalmente ligadas à ideia de mal (FACAS; MENDES, 2011; SUGIZAKI, 2000).

Ainda sobre a transgressão, Ferreira e Mendes (2003) enfatizam que com o intuito de fazer funcionar o processo, os trabalhadores criam macetes, artimanhas, truques e quebra-galhos; são as chamadas estratégias de mediação operatórias.

Embora, na maioria das vezes, a transgressão carregue o estigma de comportamento negativo, cabe destacar também o seu caráter ético e criativo. Conforme a caracterização proposta por Costa (2002), a transgressão pode permitir que o trabalhador saia da posição de mero executor das prescrições determinadas pela empresa e se lance para uma conduta ativa e participativa. Esse processo árduo e sempre inacabado apresentará efetividade quando os trabalhadores mobilizarem suas inteligências de forma individual e/ou coletiva, beneficiando a organização.

A trapaça, segundo Dejours (2004, p. 229), designa a “[...] parte nobre do reajustamento da organização do trabalho pelos agentes”, trabalho este que é “submetido ao reconhecimento pelo outro”. A denominação “trapaça” designa os “procedimentos que permitem alcançar um objetivo, afastando-se da regra, sem, contudo, trair seus princípios” (ibidem, p. 228).

Mencionando um exemplo descrito por Dejours (2004), Silva e Heloani (2013) descrevem o caso:

[...] do carpinteiro que encobre um erro, seu ou da alvenaria, ao executar, com uma angulação diferente da inicialmente prescrita, um batente, de modo a não utilizar o esquadro, justamente com o objetivo de que seu fechamento possa ocorrer com maior precisão. (p. 485)

A transgressão perversa ocorre quando o trabalhador é convencido de que terá garantias de proteção ou felicidade se seguir rigorosamente as prescrições da organização. Entretanto, tais promessas são falaciosas, uma vez que, em muitos casos, não é possível, nas situações reais de trabalho, manter a completa sujeição às normas. Assim, ao transgredir, o trabalhador experimentará a angústia e o fracasso como punição pela desobediência aos preceitos dos líderes empresariais.

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A esse respeito, utilizaremos um exemplo relativo aos OTM2. De acordo com os procedimentos estabelecidos pelo Centro de Controle Operacional, que visa à segurança dos operadores, esses profissionais não são autorizados a operar com o trem na posição manual, salvo mediante autorização prévia do CCO. Entretanto, em situações de anormalidade, eventualmente, os operadores fazem uso dessa modalidade com o objetivo de atender eficazmente às necessidades do trabalho.

Segundo Dejours (2011), para que o trabalho de fato se realize, é necessário que o sujeito se afaste parcialmente das prescrições para que possa “interpretá-lo”, criando atividades, saber-fazer e novos modos de atuação. Diante da pressão organizacional, o trabalhador se vê num impasse: para trabalhar tem que transgredir ou ficar paralisado. Sem alternativa, o sujeito se vale de “trapaças”, “jeitinhos” (tricheries) e “gambiarras”. Segundo Heloani e Capitão (2007 p. 186), “[...] a transgressão é consciente e o indivíduo não tem certeza da justeza da sua solução. Para superar esta angústia vai se submeter ao julgamento do outro, a fim de poder avaliar a solução dada a um problema”.

Podemos considerar duas variáveis que constituem os fundamentos da Psicodinâmica do Trabalho: Condições de Trabalho e Organização do Trabalho. A primeira está diretamente voltada à saúde do corpo do trabalhador, podendo prejudicá-la dependendo das condições do ambiente em que se desenvolve o trabalho: tarefas repetitivas, condição do ambiente físico desfavorável, os riscos de acidentes, dentre outros. Já a segunda, que é fundamental na Psicodinâmica do Trabalho, refere-se especificamente ao funcionamento psíquico, portanto, mais relacionada às condições subjetivas do indivíduo: as relações de hierarquia e poder, os graus de responsabilidade e autonomia, o conteúdo da tarefa, as regras para a divisão do trabalho e as competências exigidas para o cargo (DEJOURS, 1994).

Em relação às Condições de Trabalho, tem-se observado que o seu efeito sobre o sofrimento foi minimizado em decorrência da mecanização e da robotização das atividades, atenuando as consequências das obrigações mecânicas (GOMES, 2004).

Já a esfera subjetiva do trabalho é representada mais comumente pela angústia que o indivíduo sente por não dominá-lo, precisando se esforçar constantemente para se adaptar e atender às imposições da organização do trabalho. Assim, de um lado, encontra-se o sujeito constituído de uma história singular e única, com suas necessidades de prazer; e de outro, a organização, que visa adaptá-lo a um modelo determinado de produção, independentemente da sua vontade. Entre outros exemplos, podemos citar: o ritmo de trabalho, o grau de instrução do trabalhador, a experiência adquirida e a adaptação à cultura da empresa.

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A organização do trabalho é a variável fundamental da Psicodinâmica, pois implica a dimensão em que as regras para a divisão do trabalho serão estabelecidas e, consequentemente, exercerão influência no funcionamento psíquico do indivíduo, gerando vivências de prazer e sofrimento.

Partindo da concepção freudiana, Dejours (2011a) afirma que o sofrimento é inerente ao trabalhar, porque há um conflito central entre a organização do trabalho, que se constitui de normas e procedimentos, e o funcionamento psíquico, apoiado no desejo.

É importante ressaltar que o sofrimento pode levar tanto à paralização, inviabilizando qualquer atitude no sentido de questionamento da organização do trabalho, quanto à mobilização para a transformação das condições laborais; ele “assume um papel fundamental que articula ao mesmo tempo a saúde e a patologia” (MENDES, 2007, p. 33).

Nos casos em que o sofrimento pode atuar como um mobilizador para mudanças, motivando o trabalhador a buscar novas soluções e estratégias, encontra-se diante de uma situação em que o sofrimento se torna criativo. Existem, contudo, casos em que a organização do trabalho é demasiado restrita ou contraditória, havendo uma tendência para que o sofrimento se torne patogênico e favoreça o aparecimento de descompensações psíquicas e somáticas (SZNELWAR, 2009).

Diante de tal conflito, de onde surgiria a possibilidade do prazer nas relações profissionais? Segundo Dejours (1994), o trabalho não é apenas um lugar de sofrimento, mas pode proporcionar prazer, transformação e criatividade, de acordo com as exigências psíquicas de satisfação dos desejos inconscientes e o real da organização do trabalho. O prazer no trabalho se dá a partir da inteligência prática, que é astuciosa, criativa e subverte a prescrição, visando ao benefício da organização e também à realização pessoal do trabalhador. A temática da categoria inteligência prática será aprofundada um pouco mais à frente.

Na intenção de ilustrar as vivências de sofrimento e prazer nas relações de trabalho, destacamos o relato de uma operadora de trem recém-liberada para a função, que disse:

Nos dias posteriores à liberação para a função, entrava no trem muito ansiosa e com medo. Ficava com as mãos grudadas no painel e os olhos fixos nos trilhos, quase nem piscava. Quando terminava as quatro voltas (jornada de trabalho), estava esgotada, mas feliz por ter conseguido. O cansaço no final da jornada é mental, por causa da atenção com a plataforma, usuário, painel do trem, verificação de falhas. Prestar atenção em tudo. [...] Desde que entrei no Metrô tinha vontade de ser operadora; ser aprovada foi o maior desafio da minha vida. Eu consegui. (P4)

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No caso da operadora P4, podemos constatar as vivências de sofrimento e prazer: o sofrimento se originou a partir da tensão e do medo vivido diariamente ao entrar na cabine para conduzir o trem; em contrapartida, podemos observar o prazer e a alegria ao enfrentar o sofrimento e transformá-lo em prazer, vitória e conquista. Estamos diante do sofrimento criativo.

Ainda em relação ao conflito entre a organização do trabalho e suas imposições e o desejo do trabalhador, no entendimento de Fleury e Macêdo (2015), o sofrimento ocorre:

[...] se a organização do trabalho é rígida em sua prescrição, se o reconhecimento inexiste e, desta forma, não possibilita a ressignificação do sofrimento e do sentido do trabalho. No entanto, se a tensão entre organização do trabalho e sujeito resultar em uma liberdade para ajustar a defasagem entre o trabalho prescrito e o real, se o reconhecimento estiver presente no modelo de gestão, o sofrimento e o esforço resultante do engajamento no trabalho para dar conta do real são ressignificados e o trabalhador vivencia o prazer ao poder repatriar o reconhecimento ao seu ser, ou seja, à sua identidade. (p. 102)

Dejours (2006) resume o sofrimento no trabalho em quatro pontos fundamentais: 1. O medo da incompetência se faz conhecer pelo enfrentamento entre a

organização prescrita e a organização real do trabalho.

2. A pressão para trabalhar mal: as pressões sociais do trabalho (obstáculos, sonegação de informações, ambiente social ruim etc.) levam o trabalhador ao constrangimento por executar mal o seu trabalho.

3. A falta de esperança de reconhecimento leva ao sofrimento, pois o trabalho somado ao reconhecimento possibilita a realização do ego e o fortalecimento da identidade, oferecendo proteção à saúde mental. Entretanto, mostra-se fundamental na dinâmica de mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho (motivação), permitindo a transformação do sofrimento em prazer, pois passa a dar sentido não só ao trabalho, mas ao esforço, à angústia, à decepção, à dúvida.

4. Sofrimento e defesa: a normalidade não implica ausência de sofrimento, mas uma normalidade sofrida. O trabalhador utiliza estratégias defensivas que lhe permitem controlar a si mesmo, no entanto, elas podem atuar como uma armadilha que o insensibiliza contra aquilo que o faz sofrer.

No contexto político atual, tem-se observado nas organizações a não reposição de profissionais que foram demitidos, aposentados ou incluídos em Programa de Demissão Voluntária (PDV). Dessa forma, os trabalhadores que permanecem na empresa ficam

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excessivamente sobrecarregados, e quando questionados sobre essa situação, eles dizem: “Atualmente, aqui na empresa, todo mundo está trabalhando assim, não é só comigo, não é persecutoriedade, é a nova diretriz”. Esse exemplo ilustra o mecanismo de sofrimento e defesa, porque os trabalhadores, sobrecarregados em função da redução nos quadros de pessoal, “normalizam” essa situação, ignorando os transtornos que ela acarreta.

Podemos afirmar que a organização inflexível, rígida e homogênea acaba tornando o trabalho fonte geradora de intenso sofrimento para os que desempenham suas atividades, sem margem para transformá-lo em prazer. Assim, os trabalhadores, mediante tantas pressões, passam a desenvolver estratégias defensivas para não incorrerem no adoecimento ou na loucura.

A expressão estratégias defensivas, historicamente, apoia-se na concepção freudiana de funcionamento psíquico, que presume um conflito estrutural dirigido a duas vertentes: a busca pelo prazer e a ausência de sofrimento e desprazer, ou seja, um antagonismo entre as exigências do desejo do indivíduo e as restrições impostas pela realidade (MORAES, 2013).

Quanto à influência da Psicanálise para a conceituação das defesas, segundo Dejours e Jayet (2009, p. 127), diferentemente dos mecanismos de defesa descritos pela Psicanálise, a Psicodinâmica do Trabalho descreve as estratégias de defesa coletivas como “construídas, organizadas e gerenciadas” pelos trabalhadores coletivamente.

Para a Psicanálise, os mecanismos de defesa são recursos da mente para evitar o sofrimento originado na consciência pelos conflitos intrapsíquicos entre os desejos e as proibições. Eles têm como objetivo afastar da consciência o que o indivíduo não aceita, promovendo “disfarces” (FREUD, 1968) Assim, para compreender essa diferenciação do conceito dado por Freud e o conceito dejouriano, Merlo (2002) refere que:

[...] a psicodinâmica do trabalho visa à coletividade de trabalho e não aos indivíduos isoladamente”, ela não tem o intuito de analisar as práticas individuais dos sujeitos inseridos na organização do trabalho e tampouco intervir no modo como o coletivo vê o seu trabalho. (p.2)

A partir dessas reflexões podemos inferir que o que diferencia as estratégias individuais das coletivas é que as primeiras permanecem no sujeito independentemente da influência do meio externo, enquanto as coletivas são elaboradas como fruto de um fator externo (OLIVEIRA, 2014).

Dejours (2009) esclarece que, muitas vezes, as estratégias coletivas de defesa ajudam o indivíduo a suportar determinada situação no contexto de trabalho, que não conseguiria tolerar isoladamente, apenas com suas próprias defesas. Dessa forma, elas

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também favorecem a organização, a coesão e a estabilização dos coletivos de trabalho, ou seja, os sujeitos, a partir de um determinado sofrimento, unem-se e constroem uma estratégia defensiva comum, que funciona com regras que precisam do consentimento do grupo como um todo e que podem ter o seu funcionamento interrompido quando alguém desiste.

O funcionamento das estratégias defensivas é inconsciente. Normalmente, são construídas a partir de uma denegação em relação à percepção daquilo que faz sofrer. Por esse motivo, os trabalhadores não explicitam o medo, mas antes, tentam negá-lo. Assim, a elucidação das estratégias defensivas leva à compreensão do sofrimento negado e transformado pelos trabalhadores, com expressão particular e específica para cada coletivo de trabalho (DEJOURS; BÈGUE, 2010).

Mencionaremos como exemplo clássico a pesquisa (DEJOURS, 1997) realizada com trabalhadores da construção civil que descumpriam propositadamente as regras de segurança, colocando-se em risco de acidentes. A análise da Psicodinâmica do Trabalho apontou que essa ação ilógica se referia a uma estratégia coletiva de defesa que negava o medo: os trabalhadores, ao desafiarem o perigo, suportavam as atividades de alto risco, quase indiferentes às mesmas, e dessa forma, permaneciam no ambiente de trabalho. A necessidade de sobrevivência fez com que o coletivo estabelecesse um código específico de “virilidade”, em que o perigo era valorizado e a manifestação do medo banalizada. A negação do medo coligada à “virilidade” foi identificada como uma estratégia muito comum nos coletivos de trabalho masculinos.

Embora os sujeitos desta pesquisa sejam os operadores de trem, utilizaremos um exemplo do Corpo de Segurança do Metrô. Em conversa informal com alguns seguranças, eles relataram que, muitas vezes, em situações de tensão e risco, fazem brincadeiras recíprocas entre os colegas e dizem: “Você é segurança ou pé de alface”? (SIC).

A compreensão das estratégias desvendou o fenômeno do predomínio da normalidade sobre a doença mental em situações adversas no contexto de trabalho. Tais “saídas” encontradas pelos trabalhadores demonstram que estes profissionais não estão paralisados diante do sofrimento, mas buscam recursos que lhes possibilitem, ainda que em um precário equilíbrio, evitar as descompensações psíquicas (DEJOURS, 1997; 2011).

Observamos que as estratégias defensivas apresentam um duplo caráter, ou seja, tanto podem proteger o trabalhador contra o sofrimento, como também podem insensibilizá-lo para aquilo que o faz sofrer, embotando-o ou cristalizando-o (DEJOURS, 2009). O segundo caráter mencionado pode levar o trabalhador à alienação. Esse momento marca a passagem da estratégia defensiva para a ideologia defensiva; em outras palavras, a estratégia, que até então

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