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Desde 1931, com o documento desenvolvido pela UNESCO em Atenas, a chamada Carta de Atenas, a principal preocupação foi o restauro do património material, mais concretamente dos monumentos históricos sujeitos a ameaça externa. Foi o primeiro ato normativo internacional dedicado à proteção do património. Este é produzido num enquadramento específico porque é um intervalo entre dois conflitos mundiais, vindo a revelar-se como um grande marco transformador das mentalidades. Foi influenciador das diversas culturas que procuraram sobrepor a união humana a interesses individuais64. A recuperação do centro histórico de Atenas marca, sem qualquer dúvida, a grande cooperação técnica e institucional entre diversos especialistas oriundos de variadas proveniências, com o interesse comum de valorizar, restaurar e recuperar os monumentos degradados, marcos importantes para a cultura mundial. Foram, neste princípio, acordadas medidas legislativas e administrativas referentes aos monumentos históricos, às técnicas de conservação, ao papel fulcral da educação, ao respeito pelas heranças materiais e à utilidade de produzir documentação internacional com intuito de desenvolver serviços de cooperação entre os diversos Estados. Desde esta data, a procura pela proteção do património material acentua-se

62Diretor da Casa de Cante de Serpa e responsável pelo levantamento do Cante Alentejano e da Arte Chocalheira.

63https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/-o-cante-ja-ganhou-diz-paulo-lima-coordenador-da-

candidatura-1677441 (página consultada a 26/11/2014).

64Lopes, Flávio, Correia, Miguel Brito, Património Cultural, Critérios e Normas Internacionais de

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e produz inúmera legislação. Introduz conceitos de preservação, não só a nível de monumentos, como alarga o seu campo de ação às cidades, aos centros urbanos e aos bens móveis, património natural e outros. Se, inicialmente, este conjunto de medidas nos parece ajustado; numa segunda fase, foi descurando o imaterial. Mais concretamente, por exemplo, veio a acentuar-se o desaparecimento de vários dialetos e línguas, por múltiplos fatores, quer de superiorização de umas culturas sobre outras, quer devido à erradicação de modos de vida, na constante transformação social, como referido por David Crystal65.

Para Ana Amendoeira, e após quarenta anos, a Convenção do Património Mundial (1972), constitui, na sua evolução e como instrumento universal de proteção, a salvaguarda desse mesmo património, sendo diversas vezes relegado para um segundo plano, no que toca à eficaz proteção desses bens. Com a proteção da vertente material do património, desenvolvem-se múltiplos contextos, em que um dos mais fortes é o incremento turístico dos sítios visados pela proteção mundial. Com fatores de globalização acentuados, pelo atingir de uma evolução tecnológica sem precedentes, os bens patrimoniais passam a constituir uma projeção desses locais, havendo mais uma visão economicista do que qualquer outra. Este património encontra-se exposto ao excesso de procura, consequência dos níveis sociais e económicos atingidos que fez surgir uma sociedade de consumo de massas. Foi fomentando a globalização do lazer, nomeadamente nas vastas ofertas produzidas pelas companhias de marketing turístico, que, pela sua evolução, conduziram aos mais diversos aspetos negativos. Estes derivam do turismo e de grandes fluxos de pessoas sem preocupação de proteger os locais. Por sua vez, passam a sofrer pressões que os colocam em risco devido à escassez de controlo e manutenção de forma sustentável devido à falta de sistemas de gestão e proteção credíveis e eficazes que assegurem a

sua durabilidade66. Para a autora, anteriormente citada, em 2001, o Programa do

Património Mundial sobre o Turismo Sustentável67 surge precisamente para tentar

combater os problemas verificados com o crescimento do turismo dos sítios inscritos na lista do património mundial. A crescente procura da rentabilidade dos bens, a

65https://www.youtube.com/watch?v=wDmUSR3L0TA - Inglês deveria ser ensinado com uma língua

'global'? (página consultada a 08/09/2016).

66Amendoeira, Ana Paula, Património mundial e turismo: uma reflexão a propósito dos 40 anos da

Convenção, Revista Património, Ed. DGPC e INCM, número um, novembro de 2013.

67UNESCO, Programme thématique sur le tourisme durable adopté par le Comité du Patrimoine Mondial lors de sa 25e session à Helsinki. Paris: Centre du Patrimoine Mondial, 2006.

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indústria turística, os interesses nos mecanismos da sua difusão com autênticas máquinas de marketing turístico, eleva os riscos da degradação. Cria uma visão difusa sobre o que é pretendido com o património material e influencia, de forma concreta, o imaterial. Se em termos económicos podem ser atingidos patamares de elevada rentabilidade, não são de excluir os fatores que colocam em perigo estes sítios e tendem, simultaneamente, a colocar não só em risco as suas comunidades, como influenciam diretamente os grupos que os envolvem.

Na capacidade cada vez maior de aproximação entre o material e o imaterial, reside a sustentabilidade de vários locais que têm como polo principal o cariz material, móvel e imóvel, mas também a geodiversidade, etc. Este mecanismo não existe individualmente, mas, cada vez mais, há a necessidade de incluir as diversas expressões imateriais, pois vão ser estas, de futuro, a principal sustentabilidade. Concretamente, a não inclusão das várias valências de grupos e associações comunitárias em questões que envolvem o património material, natural, etc. vai acabar por constituir uma situação de “vazio”. Irão ser estas comunidades a sua principal base porque vão permitir, em termos futuros, a sustentabilidade dos diversos locais.

A valorização do PCM e a do PCI deveriam ir a par uma da outra. A vertente material e a imaterial, frequentemente, subsistem nas mesmas realidades, incluindo em pontos turísticos reconhecidos como originais. Por exemplo, José Saramago, na obra Viagem a Portugal68, destaca essencialmente o Património Cultural Material que

vai admirando pelos caminhos percorridos. Refere, mesmo assim, sempre as gentes com quem vai falando, mencionando hábitos tradicionais. Podem, então, separar-se o PCM e o PCI por questões práticas de análise, mas também convém interligá-los. Distinguem-se, opondo-se, segundo a UNESCO, porque uma vertente é o que a outra não é. Seguimos, aqui, este ponto de vista, uma vez que nos interessa observar mais detalhadamente o PCI nacional, a nível municipal.