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Relações fotográficas nas páginas dos livros didáticos

1 O PANO DE FUNDO DA PESQUISA: O LIVRO DIDÁTICO E SUAS

1.4. Relações fotográficas nas páginas dos livros didáticos

ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele E o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol e seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos”.

(João Cabral de Mello Neto) Assim como o galo da poesia de João Cabral Mello Neto reproduz o canto a partir de outros cantos, as imagens dos livros didáticos parecem cumprir e ecoar o mesmo padrão – é a partir de outras imagens, e não apenas dos fatos e assuntos retratados, que elas também se repetem e ecoam.

Para Bakhtin (2002), tudo que é dito está situado fora da alma do falante e não pertence somente a ele, pois nenhum falante é o primeiro a falar sobre o seu discurso, porque ele não está falando de algo pela primeira vez, já que cada um de nós encontra um mundo que foi articulado e elucidado, ou seja, falado por alguém.

Nas duas linguagens citadas – visual e oral – é possível notar como essas reproduções também acontecem nos livros didáticos e na geografia escolar. Se adotarmos o conceito de rizoma18 para os livros didáticos, podemos concluir que o livro em si não é nada, mas uma vez que através dele podemos atribuir infinitas possibilidades dentro de determinados espaços (sala de aula, por exemplo) ele passa a conter intensidades capazes de transitar por outros campos, como uma espécie de partícula que circula dentro de um organismo.

Ou seja, a partir do momento que num determinado ponto de um livro podemos fazer relações com outros temas ou assuntos é quando se torna possível multiplicar as possibilidades, desconstruir a raiz principal no ponto de fuga e nos conectar a outros temas, porém também interligados àquele, já que o rizoma transita por todos os pontos – ou essa possibilidade de multiplicação, a intensidade pela qual Deleuze chama de Platô19. Associando a ideia de João Cabral de Mello Neto com a de Deleuze, podemos entender que assim como o canto do galo acontece a partir de outro canto (essa incompletude sugere que um galo deixa para o outro completar o que

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Para Deleuze, o rizoma é inter-relação entre os conceitos. O rizoma é o modelo de realização dos acontecimentos, que tem espaços e tempos livres, onde os acontecimentos são potencialidades desenvolvidas das relações entre os elementos do princípio característico das multiplicidades.

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Por essa razão, o nome do livro: Mil platôs, ou seja, infinitas intensidades com potencialidades de multiplicação.

iniciou), o livro se conecta a outros temas a partir de outros – há uma estrutura que imita uma trama, pela repetição de palavras e segmentos (que sugere repetição de ações, como no trabalho de tecer).

Nesta pesquisa, a preocupação em lidar com como as fotografias constituem a produção de algo, a partir da sua atribuição de significados e como elas podem influenciar estudantes e professores na interpretação do mundo – fazer os estudantes a pensar o mundo real, desenvolver a capacidade de observação e levantar perguntas, mesmo que estas não tenham respostas.

A abundância de imagens que estão presentes aos olhos das pessoas é uma das preocupações deste capítulo, que busca compreender como elas podem influenciar ou não o modo de se observar o mundo, que faz parte de uma educação visual:

Nestas circunstâncias, o observador é deixado à sua capacidade intuitiva para captar as imagens e “repetição silenciosa”: as imagens que estão nas paredes e quadros-negros estão para serem olhadas e aprender mais do que perguntar e analisar. Sem uma instrução clara e atraente para repetir a instrução das figuras que se tornam reconhecíveis pela sua frequência de ocorrência, o destinatário tem poucas ferramentas para desenvolver qualquer análise crítica20 (HOLLMAN & LOIS, 2015, p. 169)

Desta forma, podemos intuir que a “repetição silenciosa” das imagens que exaustivamente fazem parte da educação visual nas escolas pouco contribui para aumentar a visibilidade e compreensão do mundo em que vivem, pois elas se limitam a produções imagéticas que se repetem nos livros didáticos e não dizem mais nada além daquilo – tanto no que diz respeito à própria imagem, mas também no que diz respeito ao que está em torno dela – os textos e legendas.

Dentre as linguagens mais utilizadas no Ensino de Geografia estão as cartográfica e a fotográfica; as quais, na maioria das vezes, assumem o sentido da representação do real e do espaço geográfico, seja este real espacial, entendido como algo mapeável ou visualizável, capturando ambas as linguagens apenas no sentido da fonte, de prova mapeada ou visual da existência de algo no espaço. Esta captura reduz estas linguagens a meros depositários da realidade, retirando delas a potencialidade

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Bajo estas circunstancias, el observador queda librado a su capacidad intuitiva para aprehender las imagénes y a La “repetición silenciosa”: las imagénes que están en las paredes y pizarrones escolares están para ser miradas y aprender más que preguntar y analizar. Sin uma instrucción clara respecto de la lectura de imagénes y apelando a la repetición de figuras de aparición, el destinatário tiene poças herramientas para desarollar cualquier análisis crítico.

criativa – expressiva – que as levariam a tornarem-se mais duas linguagens a se disporem diante dos estudantes e professores para dizer do mundo, para fazer invenções de mundo ainda não existentes, para afirmar algum possível outro modo de habitar o espaço.

A principal ideia neste capítulo é apontar através do livro didático utilizado nesta pesquisa, a maneira dicotômica como trata o tema do rural e do urbano a partir das fotografias, situando como elas participam ativamente da criação desse discurso. Será adotada a prática metodológica utilizada pelas pesquisadoras Hollmann & Lois (2015) sobre a abordagem e os modos de observar as imagens a partir de uma perspectiva da escola – como contexto de exposição e observação das imagens, que molda regras em torno do olhar, sendo eles: o olhar turístico, o olhar científico e o olhar jornalístico.

Sob esses olhares haverá uma relação entre a dicotomia do rural e urbana dos livros didáticos analisados nessa pesquisa, buscando compreender como as imagens acerca do tema contribuíram para a construção do assunto na geografia escolar e fora dela.

1.5 Os modos de olhar da geografia escolar: turístico, científico, jornalístico e