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Intuitivamente uma relação binária é qualquer coisa que de certa forma conecta dois objetos e, de maneira geral, uma relação 𝑛-ária é algo que conecta 𝑛 elementos. Ao formalizar tal conceito matematicamente, o significado da ligação entre os objetos fica de certa forma em segundo plano, de tal maneira que restringimos nosso interesse na ordem que eles assumem na relação. Neste capítulo, estudamos as propriedades básicas das relações em ZFC. No que segue, baseamo-nos principalmente em Hrbacek & Jech (1999).

3.1. Relações

Por importarmo-nos com a ordem assumida pelos elementos numa relação, definimos relação binária como sendo um conjunto cujos elementos são pares ordenados; uma relação ternária é um conjunto constituído por ternas ordenadas e assim sucessivamente. No entanto, como 𝑛-úplas ordenadas podem ser consideradas pares ordenados, as relações 𝑛-árias são, sob certo sentido, relações binárias. De tal observação, segue a próxima definição.

Definição 3.1. 𝑅 é uma relação ⟺ (∀𝑎)�𝑎 ∈ 𝑅 ⟹ (∃𝑥)(∃𝑦)(𝑎 = 〈𝑥, 𝑦〉)�. Assim, o conjunto 𝐴 = {〈1, 2〉, 〈⋆ , ∎〉, 〈∅, {∅}〉} é uma relação, pois todos os seus elementos são pares ordenados. Também podemos considerar ingenuamente como relação o “conjunto” 𝒫 = {〈𝑥, 𝑦〉|𝑥 é pai de 𝑦}. Adotamos letras maiúsculas para representar relações com o intuito de distingui-las das coordenadas de seus pares ordenados. Definimos a seguir uma notação conveniente para nos referirmos a elementos pertencentes a uma relação 𝑅.

Definição 3.2. Sejam 𝑅 uma relação e 𝑥, 𝑦 conjuntos quaisquer. Se 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅 dizemos que 𝑥 está em relação 𝑅 com 𝑦, ou ainda que 𝑦 é imagem de 𝑥 na relação 𝑅, e indicamos por 𝑥𝑅𝑦.

Obviamente, o conjunto vazio é uma relação (por vacuidade). Da Definição 3.1, é imediato que qualquer subconjunto de uma relação é também uma relação, bem como para duas relações quaisquer, a interseção, a reunião e a diferença entre elas são também relações,

haja vista seus membros serem todos pares ordenados. Formalizamos tais observações na próxima proposição; suas demonstrações seguem do que discutimos neste parágrafo.

Proposição 3.1. Sejam 𝑅 e 𝑇 relações quaisquer, então: (i) Se 𝑆 ⊆ 𝑅, então 𝑆 é uma relação;

(ii) ∅ é uma relação; (iii) 𝑅 ∩ 𝑇 é uma relação; (iv) 𝑅 ∪ 𝑇 é uma relação; (v) 𝑅 ∖ 𝑇 é uma relação.

A seguir, definimos importantes conjuntos para o estudo das relações e funções. Em todos os casos abaixo, 𝑅 denota uma relação.

Definição 3.3. 𝔇(𝑅) = {𝑥|(∃𝑦)(𝑥𝑅𝑦)}. Definição 3.4. ℑ(𝑅) = {𝑦|(∃𝑥)(𝑥𝑅𝑦)}. Definição 3.5. 𝔉(𝑅) = 𝔇(𝑅) ∪ ℑ(𝑅).

Os conjuntos 𝔇(𝑅), ℑ(𝑅) e 𝔉(𝑅) são denominados respectivamente como

domínio de 𝑅, imagem de 𝑅 e campo de 𝑅.

A rigor, apenas definir os conjuntos acima não é suficiente para garantir a existência deles em ZFC. Devemos provar que as fórmulas que estipulamos para tais conjuntos satisfazem a condição imposta pelo Teorema 2.7.

Teorema 3.1. Seja 𝑅 uma relação. Então: (i) (∃𝐴)(∀𝑥)�(∃𝑦)(𝑥𝑅𝑦) ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴�; (ii) 𝑥 ∈ 𝔇(𝑅) ⟺ (∃𝑦)(𝑥𝑅𝑦); (iii) (∃𝐵)(∀𝑦)�(∃𝑥)(𝑥𝑅𝑦) ⟹ 𝑦 ∈ 𝐵�; (iv) 𝑦 ∈ ℑ(𝑅) ⟺ (∃𝑥)(𝑥𝑅𝑦); (v) 𝔇(𝑅) ≠ ∅ ⟺ ℑ(𝑅) ≠ ∅; Demonstração.

(i) Suponha que exista 𝑦 tal que 𝑥𝑅𝑦, isto é, tal que 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅. Como 〈𝑥, 𝑦〉 = �{𝑥}, {𝑥, 𝑦}�, temos {𝑥} ∈ 〈𝑥, 𝑦〉, mas 〈𝑥, 𝑦〉 é um membro de 𝑅, logo {𝑥} ∈ ⋃𝑅. Analogamente, 𝑥 ∈ {𝑥} e {𝑥} é um elemento de ⋃𝑅, donde segue que 𝑥 ∈ ⋃(⋃𝑅). Portanto, basta tomar 𝐴 = ⋃(⋃𝑅).

(ii) Análoga à demonstração da Proposição 2.3 (iv).

(iii) Suponha que exista 𝑥 tal que 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅. Então {𝑥, 𝑦} ∈ 〈𝑥, 𝑦〉, mas 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅, donde segue que {𝑥, 𝑦} ∈ ⋃𝑅. Novamente, como 𝑦 ∈ {𝑥, 𝑦} e {𝑥, 𝑦} ∈ ⋃𝑅, obtemos 𝑦 ∈ ⋃(⋃𝑅). Portanto, 𝐵 = ⋃(⋃𝑅).

(iv) Decorre do Teorema 2.8.

(v) Suponha que exista 𝑥 ∈ 𝔇(𝑅). Pelo item (ii), existe 𝑦 tal que 𝑥𝑅𝑦 e, por (iv) obtemos 𝑦 ∈ ℑ(𝑅). Reciprocamente, se 𝑦 ∈ ℑ(𝑅), então existe 𝑥 tal que 𝑥𝑅𝑦 donde se conclui que 𝑥 ∈ 𝔇(𝑅). Q.E.D.

O teorema anterior, além de garantir a existência de 𝔇(𝑅) e ℑ(𝑅) como conjuntos em ZFC, nos fornece uma importante equivalência: o domínio de uma relação é vazio se, e somente se, sua imagem é vazia. Assim, não é possível que uma relação tenha domínio vazio e imagem não vazia e vice versa. Outra consequência do teorema anterior é a seguinte, utilizada por Kuratowski & Mostowski (1976, p. 64) como definição de relação.

Teorema 3.2. 𝑅 é uma relação se, e somente se, existem conjuntos 𝐴 e 𝐵 tais que 𝑅 ⊆ 𝐴 × 𝐵.

Demonstração.

Seja 𝑎 um elemento qualquer de 𝑅. Decorre da definição de relação que existem 𝑥 e 𝑦 tais que 𝑎 = 〈𝑥, 𝑦〉. Do teorema anterior, 𝑥 ∈ 𝔇(𝑅) e 𝑦 ∈ ℑ(𝑅). Logo, 〈𝑥, 𝑦〉 pertence a 𝔇(𝑅) × ℑ(𝑅), isto é, 𝑎 ∈ 𝔇(𝑅) × ℑ(𝑅). Como 𝑎 é qualquer, provamos que existem 𝐴 = 𝔇(𝑅) e 𝐵 = ℑ(𝑅) tais que 𝑅 ⊆ 𝐴 × 𝐵.

Reciprocamente, sejam os conjuntos 𝐴 e 𝐵 e considere 𝐴 × 𝐵. Se 𝐴 × 𝐵 = ∅ então 𝐴 × 𝐵 é uma relação. Se 𝐴 × 𝐵 ≠ ∅, então existe 𝑢 ∈ 𝐴 × 𝐵. Por definição, existem 𝑎 ∈ 𝐴 e 𝑏 ∈ 𝐵 tais que 𝑢 = 〈𝑎, 𝑏〉. Então, pela Definição 3.1, obtemos que 𝐴 × 𝐵 é uma relação. Enfim, devido à Proposição 3.1 (i), concluímos que qualquer subconjunto 𝑅 de 𝐴 × 𝐵 é uma relação. Q.E.D.

No caso em que 𝑅 ⊆ 𝐴 × 𝐵, decorre imediatamente da Definição 3.3 e da Definição 3.4 que 𝔇(𝑅) ⊆ 𝐴 e ℑ(𝑅) ⊆ 𝐵. Obviamente, como 𝔇(𝑅) e ℑ(𝑅) são conjuntos, 𝔉(𝑅) é um conjunto. Se 𝔉(𝑅) ⊆ 𝑥, diz-se que 𝑅 é uma relação em 𝑥 ou 𝑅 é uma relação

entre elementos de 𝑥.

Sejam 𝑅 e 𝑆 relações quaisquer, 𝐴 ⊆ 𝔇(𝑅) e 𝐵 ⊆ ℑ(𝑅) subconjuntos arbitrários. Definimos abaixo uma série de importantes conjuntos no estudo das relações.

Definição 3.6. 𝑅[𝐴] = {𝑦 ∈ ℑ(𝑅)|(∃𝑥)(𝑥 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥𝑅𝑦)}. Definição 3.7. 𝑅−1[𝐵] = {𝑥 ∈ 𝔇(𝑅)|(∃𝑦)(𝑦 ∈ 𝐵 ∧ 𝑥𝑅𝑦)}. Definição 3.8. 𝑅 ↾ 𝐴 = {〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅|𝑥 ∈ 𝐴}.

Definição 3.9. 𝑅−1= {〈𝑦, 𝑥〉|𝑥𝑅𝑦}.

Definição 3.10. 𝑅 ∘ 𝑆 = {〈𝑥, 𝑦〉|(∃𝑧)(𝑥𝑆𝑧 ∧ 𝑧𝑅𝑦)}.

A Definição 3.6 nos dá o conjunto 𝑅[𝐴], o qual chamamos de imagem direta de 𝐴

em relação à 𝑅, que consiste de todos os membros da ℑ(𝑅) que são imagens dos elementos

de 𝐴. Analogamente, da Definição 3.7 temos 𝑅−1[𝐵], a imagem inversa de 𝐵 em relação à 𝑅, subconjunto de 𝔇(𝑅) cujos membros estão em relação 𝑅 com os elementos de 𝐵.

De forma semelhante, da Definição 3.8 temos o conjunto 𝑅 ↾ 𝐴 ⊆ 𝑅, a restrição

de 𝑅 ao subconjunto 𝐴, cujos membros são todos os pares ordenados nos quais a primeira

coordenada pertence a 𝐴. Note que 𝑅 ↾ 𝐴 é uma relação, uma vez que 𝑅 ↾ 𝐴 ⊆ 𝑅, bem como 𝑅[𝐴] = ℑ(𝑅 ↾ 𝐴).

A Definição 3.9 estabelece o importante conceito de inversa da relação 𝑅, que consiste basicamente em trocar a ordem dos pares ordenados da relação 𝑅, obtendo assim uma nova relação, 𝑅−1. Outro modo de obter novas relações por meio de relações previamente existentes é fornecido pela Definição 3.10: dadas duas relações 𝑅 e 𝑆, 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅 ∘ 𝑆 (ou 𝑥(𝑅 ∘ 𝑆)𝑦) se, e somente se, existir 𝑧, tal que 𝑥𝑆𝑧 e 𝑧𝑅𝑦 isto é, 𝑧 ∈ ℑ(𝑆) ∩ 𝔇(𝑅). Obviamente, se ℑ(𝑆) ∩ 𝔇(𝑅) = ∅ então 𝑅 ∘ 𝑆 = ∅.

No próximo teorema, provamos que 𝑅−1 e 𝑅 ∘ 𝑆 existem em ZFC, no sentido do Teorema 2.7.

Teorema 3.3. Sejam 𝑅 e 𝑆 relações.

(i) (∃𝐴)(∀𝑎)(∀𝑏)(〈𝑎, 𝑏〉 ∈ 𝑅 ⟹ 〈𝑏, 𝑎〉 ∈ 𝐴);

(ii) (∃𝐵)(∀𝑎)(∀𝑏)�(∃𝑐)(〈𝑎, 𝑐〉 ∈ 𝑆 ∧ 〈𝑐, 𝑏〉 ∈ 𝑅) ⟹ 〈𝑎, 𝑏〉 ∈ 𝐵�; (iii) 𝑅−1 e 𝑅 ∘ 𝑆 são relações.

Demonstração.

Pelo Teorema 3.2, se 𝑅 e 𝑆 são relações, então

Assim, se 〈𝑎, 𝑏〉 ∈ 𝑅, temos 𝑎 ∈ 𝔇(𝑅) e 𝑏 ∈ ℑ(𝑅), donde segue pela Proposição 2.9 (ii) que 〈𝑏, 𝑎〉 ∈ ℑ(𝑅) × 𝔇(𝑅), o que prova (i).

Analogamente, se existe 𝑐 tal que 〈𝑎, 𝑐〉 ∈ 𝑆 e 〈𝑐, 𝑏〉 ∈ 𝑅, segue de [†] que 𝑎 ∈ 𝔇(𝑆) e 𝑏 ∈ ℑ(𝑅) e, portanto, 〈𝑎, 𝑏〉 ∈ 𝔇(𝑆) × ℑ(𝑅), o que valida (ii).

Decorre de (i) e (ii) que 𝑅−1 = {〈𝑦, 𝑥〉|𝑥𝑅𝑦} e 𝑅 ∘ 𝑆 = {〈𝑥, 𝑦〉|(∃𝑧)(𝑥𝑆𝑧 ∧ 𝑧𝑅𝑦)} existem em ZFC. Por definição, qualquer membro de 𝑅−1 ou 𝑅 ∘ 𝑆 deve ser um par ordenado, donde concluímos que 𝑅−1 e 𝑅 ∘ 𝑆 são relações, o que comprova (iii). Q.E.D.

Teorema 3.4. 𝑅 é uma relação ⟹ (𝑅−1)−1 = 𝑅.

Demonstração.

Como 𝑅 é uma relação, 𝑅−1 também é uma relação e, consequentemente, (𝑅−1)−1 é uma relação. Da Definição 3.1, segue que

𝑎 ∈ (𝑅−1)−1⟹ (∃𝑥)(∃𝑦)(𝑎 = 〈𝑥, 𝑦〉),

daí, pela definição de inversa, decorre

𝑎 ∈ (𝑅−1)−1 ⟺ 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ (𝑅−1)−1 ⟺ 𝑥(𝑅−1)−1𝑦 ⟺ 𝑦𝑅−1𝑥 ⟺

⟺ 𝑥𝑅𝑦 ⟺ 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑅 ⟺ 𝑎 ∈ 𝑅.

A igualdade entre 𝑅 e (𝑅−1)−1 é consequência do Axioma da Extensão e da transitividade da equivalência. Q.E.D.

Assim, por exemplo, em 𝐴 = {〈1, 2〉, 〈⋆ , ∎〉, 〈∅, {∅}〉}, temos 𝐴[{1, ⋆}] = {2, ∎}, 𝐴−1��2, {∅}�� = {1, ∅}, 𝐴−1= {〈2, 1〉, 〈∎, ⋆〉, 〈{∅}, ∅〉} e, tomando 𝐵 =

{〈∎, ⋆〉, 〈𝑎, 1〉, 〈{∅}, 2〉}, obtemos 𝐴 ∘ 𝐵 = {〈∎, ∎〉, 〈𝑎, 2〉} e 𝐵 ∘ 𝐴 = {〈⋆ , ⋆〉, 〈∅, 2〉}.

Naturalmente, relações binárias podem ser definidas por meio de condições em duas variáveis, como por exemplo, a “relação” dada anteriormente, 𝒫 = {〈𝑥, 𝑦〉|𝑥 é pai de 𝑦}, no qual os “elementos” de 𝒫 são todos os pares ordenados 〈𝑥, 𝑦〉 que satisfazem a condição “𝑥 é pai de 𝑦”. De fato, se admitíssemos classes próprias, bastaria fazer {〈𝑥, 𝑦〉|𝜓(𝑥, 𝑦)}. Porém, pela Definição 2.14, se não existir um conjunto 𝑧 tal que 𝜓(𝑥, 𝑦) ⟹ 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑧, então {〈𝑥, 𝑦〉|𝜓(𝑥, 𝑦)} não é um conjunto, embora possam existir elementos 𝑥 e 𝑦 tais que 𝜓(𝑥, 𝑦).

Por exemplo, em ZFC as relações de “igualdade” 𝐼 = {〈𝑥, 𝑦〉|𝑥 = 𝑦} e “inclusão” 𝒮 = {〈𝐴, 𝐵〉|𝐴 ⊆ 𝐵} não existem, apesar de existirem elementos satisfazendo às condições de 𝐼 e 𝒮. Pelo Teorema 2.1 é imediato que 𝐼 não existe. Provemos que 𝒮 não existe.

(∀𝑋)(∀𝑌)(〈𝑋, 𝑌〉 ∈ 𝒮 ⟺ 𝑋 ⊆ 𝑌)

é verdadeira. Entretanto, ∅ ⊆ 𝑌, para qualquer 𝑌. Assim, 〈∅, 𝑌〉 ∈ 𝒮 é verdadeiro para todo 𝑌, donde concluímos que todo conjunto deve ser membro de ℑ(𝒮), o que é absurdo, pois contraria o Teorema 2.1. Logo, 𝒮 não existe, como queríamos mostrar.

O próximo resultado, proposto por Fraenkel, Bar-Hillel & Levy (1973, p. 42), fornece uma condição suficiente para garantir a existência de uma relação 𝑅 tal que 𝑥𝑅𝑦 ⟺ 𝜓(𝑥, 𝑦).

Teorema 3.5. Seja 𝜓(𝑥, 𝑦) uma condição em 𝑥 e 𝑦. Se existir um conjunto 𝑧, tal

que

(∀𝑥)(∀𝑦)(𝜓(𝑥, 𝑦) ⟹ {𝑥, 𝑦} ⊆ 𝑧),

então existe uma única relação 𝑅𝜓, tal que 𝑥𝑅𝜓𝑦 ⟺ 𝜓(𝑥, 𝑦).

Demonstração.

Esta é apenas uma adaptação do Teorema 2.7.

Como por hipótese, 𝜓(𝑥, 𝑦) ⟹ {𝑥, 𝑦} ⊆ 𝑧 para quaisquer 𝑥 e 𝑦, temos 𝜓(𝑥, 𝑦) ⟹ {𝑥, 𝑦} ⊆ 𝑧 ⟹ 𝑥 ∈ 𝑧 ∧ 𝑦 ∈ 𝑧 ⟹ 〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑧 × 𝑧.

Então basta definirmos 𝑅𝜓 = �𝑎�(∃𝑥)(∃𝑦)�𝜓(𝑥, 𝑦)� ∧ 𝑎 = 〈𝑥, 𝑦〉�, pois o Teorema 2.7 garante que

𝑎 ∈ 𝑅𝜓 ⟺ (∃𝑥)(∃𝑦)�𝜓(𝑥, 𝑦)� ∧ 𝑎 = 〈𝑥, 𝑦〉,

ou equivalentemente, 𝑥𝑅𝜓𝑦 ⟺ 𝜓(𝑥, 𝑦). Notemos que, em vista da Definição 2.19, vale a igualdade 𝑅𝜓 = {〈𝑥, 𝑦〉|𝜓(𝑥, 𝑦)}.Q.E.D.

Obviamente, se existirem uma relação 𝑅 e uma condição 𝜓(𝑥, 𝑦) tais que 𝑥𝑅𝑦 ⟺ 𝜓(𝑥, 𝑦), então existe um conjunto 𝑧 tal que 𝜓(𝑥, 𝑦) ⟹ {𝑥, 𝑦} ⊆ 𝑧 — a saber, 𝑧 = 𝔉(𝑅).

Podemos definir diversas relações sobre um dado conjunto. Por exemplo, para qualquer conjunto 𝑋, 𝐼𝑑𝑋= {〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑋 × 𝑋|𝑥 = 𝑦} é a relação de igualdade dos elementos de 𝑋; temos também ⊂𝑋= {〈𝑥, 𝑦〉 ∈ 𝑋 × 𝑋|𝑥 ⊂ 𝑦}, a relação de inclusão própria entre os elementos de 𝑋. Notemos que apesar de ambas serem relações, elas diferem quanto a algumas propriedades de seus elementos.

Enquanto 𝑎𝐼𝑑𝑋𝑏 ⟺ 𝑏𝐼𝑑𝑋𝑎, e 𝑐 ∈ 𝑋 ⟹ 𝑐𝐼𝑑𝑋𝑐, temos 𝑎 ⊂𝑋 𝑏 ⟹ ¬(𝑏 ⊂𝑋 𝑎) e 𝑐 ∈ 𝑋 ⟹ ¬(𝑐 ⊂𝑋 𝑐). Apesar disso, as duas são “transitivas”, pois 𝑎𝐼𝑑𝑋𝑏 e 𝑏𝐼𝑑𝑋𝑐 implica

𝑎𝐼𝑑𝑋𝑐, bem como 𝑎 ⊂𝑋 𝑏 e 𝑏 ⊂𝑋 𝑐 é suficiente para 𝑎 ⊂𝑋𝑐.

Vemos assim que as relações podem ser rotuladas de acordo com as propriedades que possuem. As definições a seguir visam classificar os principais tipos de relações sobre um conjunto arbitrário. Em todos os casos, assumimos 𝑅 como sendo uma relação em 𝑋 — isto é, com 𝔉(𝑅) ⊆ 𝑋. Por simplicidade, a partir daqui escrevemos “𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋” e “𝑥, 𝑦, 𝑧 ∈ 𝑋” em vez de “𝑥 ∈ 𝑋 ∧ 𝑦 ∈ 𝑋” e “𝑥 ∈ 𝑋 ∧ 𝑦 ∈ 𝑋 ∧ 𝑧 ∈ 𝑋”, respectivamente, e assim por diante.

Definição 3.11. 𝑅 é reflexiva em 𝑋 ⟺ (∀𝑥)(𝑥 ∈ 𝑋 ⟹ 𝑥𝑅𝑥). Definição 3.12. 𝑅 é irreflexiva em 𝑋 ⟺ (∀𝑥)�𝑥 ∈ 𝑋 ⟹ ¬(𝑥𝑅𝑥)�.

Definição 3.13. 𝑅 é simétrica em 𝑋 ⟺ (∀𝑥)(∀𝑦)(𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 ∧ 𝑥𝑅𝑦 ⟹ 𝑦𝑅𝑥). Definição 3.14. 𝑅 é assimétrica em 𝑋 se, e somente se,

(∀𝑥)(∀𝑦)�𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 ∧ 𝑥𝑅𝑦 ⟹ ¬(𝑦𝑅𝑥)�. Definição 3.15. 𝑅 é antissimétrica em 𝑋 se, e somente se,

(∀𝑥)(∀𝑦)�(𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 ∧ 𝑥𝑅𝑦 ∧ 𝑦𝑅𝑥) ⟹ 𝑥 = 𝑦�. Definição 3.16. 𝑅 é transitiva em 𝑋 se, e somente se,

(∀𝑥)(∀𝑦)(∀𝑧)�(𝑥, 𝑦, 𝑧 ∈ 𝑋 ∧ 𝑥𝑅𝑦 ∧ 𝑦𝑅𝑧) ⟹ 𝑥𝑅𝑧�.

Definição 3.17. 𝑅 é uma equivalência sobre 𝑋 se, e somente se, 𝑅 é reflexiva, simétrica e transitiva sobre 𝑋.

Definição 3.18. 𝑅 é uma ordem parcial em 𝑋 se, e somente se, 𝑅 é reflexiva, antissimétrica e transitiva sobre 𝑋. Dizemos que 〈𝑋, 𝑅〉 é um conjunto parcialmente

ordenado.

Definição 3.19. 𝑅 é uma ordem estrita em 𝑋 se, e somente se, 𝑅 é assimétrica e transitiva sobre 𝑋. Dizemos que 〈𝑋, 𝑅〉 é um conjunto estritamente ordenado.

Definição 3.20. Seja 𝑅 uma relação sobre 𝑋. Para quaisquer 𝑎, 𝑏 ∈ 𝑋, dizemos que 𝑎 e 𝑏 são comparáveis na relação 𝑅 se, e somente se, 𝑎 = 𝑏, 𝑎𝑅𝑏 ou 𝑏𝑅𝑎. Caso contrário, 𝑎 e 𝑏 são incomparáveis.

Definição 3.21. 𝑅 é conectada em 𝑋 se, e somente se,

(∀𝑥)(∀𝑦)�(𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 ∧ 𝑥 ≠ 𝑦) ⟹ 𝑥𝑅𝑦 ∨ 𝑦𝑅𝑥�. Em outras palavras, 𝑅 é conectada se todos os elementos de 𝑋 são comparáveis.

Definição 3.22. 𝑅 é uma ordem linear (ou total) em 𝑋 se, e somente se, 𝑅 é conectada e é uma ordem (parcial ou estrita) em 𝑋. Neste caso, dizemos que 〈𝑋, 𝑅〉 é um

conjunto linearmente (totalmente) ordenado.

Definição 3.23. 𝑅 é uma função se, e somente se,

𝑅 é uma relação ∧ (∀𝑥)(∀𝑦)(∀𝑧)�(𝑥𝑅𝑦 ∧ 𝑥𝑅𝑧) ⟹ 𝑦 = 𝑧�.

O estudo das relações pode ser exaustivamente aprofundado. Muitos teoremas referentes aos vários tipos de relações definidas acima, bem como outros tipos de relações e propriedades destas, podem ser encontrados em Suppes (1972) e Hrbacek & Jech (1999). Neste trabalho, focamo-nos num tipo específico de relação de ordem (Capítulo 4) e nas funções devido à sua importância para os números ordinais. Contudo, julgamos importante uma breve discussão sobre relações de equivalência, o que fazemos na seção seguinte.

3.2. Relações de Equivalência

Relações de equivalência sobre um conjunto baseiam-se, em certo sentido, em

alguma noção de igualdade entre seus membros, o que permite “particionar” tal conjunto em

classes de equivalência. A rigor, definimos abaixo o que vêm a ser uma partição de um conjunto, bem como uma classe de equivalência de uma relação de equivalência.

Definição 3.24. Seja 𝐴 ≠ ∅. Uma família 𝑆 ≠ ∅ é uma partição de 𝐴 se, e somente se, 𝑆 possui as seguintes propriedades:

(i) (∀𝐵)(𝐵 ∈ 𝑆 ⟹ 𝐵 ≠ ∅);

(ii) (∀𝐶)(∀𝐷)�(𝐶, 𝐷 ∈ 𝑆 ∧ 𝐶 ≠ 𝐷) ⟹ 𝐶 ∩ 𝐷 = ∅�; (iii) 𝐴 = ⋃ 𝑆.

Definição 3.25. Seja 𝐸 uma relação de equivalência sobre um conjunto 𝑋 ≠ ∅ e 𝑥 ∈ 𝑋 um elemento arbitrário. A classe de equivalência de 𝑥 módulo 𝐸 é o conjunto

[𝑥]𝐸= {𝑦 ∈ 𝐴|𝑦𝐸𝑥}; o conjunto de todas as classes de equivalência é denotado por

𝑋/𝐸 = {[𝑥]𝐸 ∈ ℘(𝑋)|𝑥 ∈ 𝑋}.

O exemplo seguinte, sugerido por Hrbacek & Jech ilustra bem o que queremos dizer.

Seja 𝑃 o conjunto de todas as pessoas vivendo na Terra. Dizemos que uma pessoa 𝑝 é equivalente a uma pessoa 𝑞 (𝑝 ≡ 𝑞) se 𝑝 e 𝑞 moram no mesmo país. Trivialmente, ≡ é reflexiva, simétrica e transitiva em 𝑃. Note que o conjunto 𝑃 pode ser quebrado em classes de elementos mutuamente equivalentes; todas as pessoas que moram nos Estados Unidos formam uma classe, todas as pessoas que moram na França determinam outra classe, etc. Todos os membros da mesma classe são mutuamente equivalentes; membros de diferentes classes nunca são equivalentes. As classes de equivalência correspondem exatamente aos diferentes países. (HRBACEK & JECH, 1999, p. 30, tradução nossa).

Reciprocamente, se um conjunto 𝐴 admite uma partição 𝑆, então podemos induzir uma relação de equivalência em 𝐴, cujas classes de equivalência são exatamente os membros de 𝑆. Formalizamos tais observações a seguir.

Lema 3.1. Seja 𝐸 uma relação de equivalência sobre um conjunto 𝑋 ≠ ∅, com 𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 quaisquer.

(i) [𝑥]𝐸= [𝑦]𝐸 ⟺ 𝑥𝐸𝑦;

(ii) [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸 = ∅ ⟺ ¬(𝑥𝐸𝑦).

Demonstração.

(i) Se [𝑥]𝐸 = [𝑦]𝐸 então para qualquer 𝑤, 𝑤 ∈ [𝑥]𝐸 ⟺ 𝑤 ∈ [𝑦]𝐸, isto é, 𝑤𝐸𝑥 ⟺ 𝑤𝐸𝑦. Suponha 𝑤𝐸𝑥, então temos 𝑤𝐸𝑦, mas 𝐸 é simétrica, assim 𝑥𝐸𝑤 e 𝑤𝐸𝑦; da transitividade de 𝐸 obtemos 𝑥𝐸𝑦.

Reciprocamente, suponha 𝑥𝐸𝑦. Para 𝑢 qualquer, temos 𝑢 ∈ [𝑥]𝐸⟺ 𝑢𝐸𝑥, como 𝑥𝐸𝑦 e 𝐸 é transitiva, inferimos 𝑢𝐸𝑦, o que equivale a 𝑢 ∈ [𝑦]𝐸. Logo, [𝑥]𝐸⊆ [𝑦]𝐸.

Analogamente mostra-se que [𝑦]𝐸 ⊆ [𝑥]𝐸. O resultado segue do Teorema 2.3.

(ii) Suponha [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸 = ∅. Se, por absurdo, 𝑥𝐸𝑦, teríamos pelo item anterior que [𝑥]𝐸= [𝑦]𝐸. Logo, [𝑥]𝐸 = [𝑦]𝐸= ∅, o que é absurdo, uma vez que 𝑥 ∈ [𝑥]𝐸 — pois 𝑥𝐸𝑥. Assim,

(∗) [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸 = ∅ ⟹ ¬(𝑥𝐸𝑦).

Se [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸≠ ∅, segue que existe 𝑢 tal que 𝑢𝐸𝑥 e 𝑢𝐸𝑦. Da simetria e da transitividade de 𝐸, obtemos 𝑥𝐸𝑦. Daí [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸 ≠ ∅ ⟹ 𝑥𝐸𝑦 donde, pela contrapositiva, decorre

(∗∗) ¬(𝑥𝐸𝑦) ⟹ [𝑥]𝐸∩ [𝑦]𝐸 = ∅. O resultado segue de (∗) e (∗∗). Q.E.D.

Teorema 3.6. Seja 𝑆 uma partição de um conjunto 𝑋 não vazio. Então o conjunto 𝐸𝑆 = {〈𝑥, 𝑦〉|(∃𝐶)(𝐶 ∈ 𝑆 ∧ 𝑥, 𝑦 ∈ 𝐶)}

é uma relação de equivalência em 𝑋. Além disso, 𝑋/𝐸𝑆 = 𝑆. Demonstração.

Claramente 𝐸𝑆 é um conjunto (em particular, uma relação), pois 𝐸𝑆⊆ ⋃𝑆 × ⋃𝑆. Devemos provar que 𝐸𝑆 é uma relação reflexiva, simétrica e transitiva sobre 𝑋.

Como 𝑆 é uma partição de 𝑋, segue que ⋃𝑆 = 𝑋; assim, para 𝑥 qualquer pertencente a 𝑋, existe 𝐶 ∈ 𝑆 tal que 𝑥 ∈ 𝐶, logo 𝑥𝐸𝑆𝑥, isto é, 𝐸𝑆 é reflexiva.

Assumindo que 𝑥𝐸𝑆𝑦 para 𝑥, 𝑦 ∈ 𝑋 quaisquer, segue que existe 𝐶′ ∈ 𝑆 tal que 𝑥, 𝑦 ∈ 𝐶′. É claro que 𝑦, 𝑥 ∈ 𝐶, e assim 𝑦𝐸

𝑆𝑥 e, por conseguinte, 𝐸𝑆 é simétrica.

Se existirem 𝑥, 𝑦, 𝑧 ∈ 𝑋 tais que 𝑥𝐸𝑆𝑦 e 𝑦𝐸𝑆𝑧, então existem 𝐶1, 𝐶2 ∈ 𝑆 tais que 𝑥, 𝑦 ∈ 𝐶1 e 𝑦, 𝑧 ∈ 𝐶2. Assim 𝑦 ∈ 𝐶1∩ 𝐶2, mas como 𝑆 é uma partição, todos os membros de 𝑆 devem ser disjuntos, logo 𝐶1= 𝐶2, donde segue que 𝑥, 𝑧 ∈ 𝐶1, ou seja, 𝑥𝐸𝑆𝑧 e, por conseguinte, 𝐸𝑆 é transitiva.

Pelo que vimos, 𝐸𝑆 é uma relação de equivalência. Provemos a igualdade 𝑋/𝐸𝑆= 𝑆.

Tome 𝐴 ∈ 𝑋/𝐸𝑆 qualquer. Por definição existe 𝑥 ∈ 𝑋 tal que 𝑦 ∈ 𝐴 se, e somente se, existe 𝐴̃ ∈ 𝑆 com 𝑥, 𝑦 ∈ 𝐴̃. Logo, para qualquer 𝑦 ∈ 𝐴 tem-se 𝑦 ∈ 𝐴̃, donde segue 𝐴 ⊆ 𝐴̃. Da mesma forma, se 𝑦� ∈ 𝐴̃, então 𝑥, 𝑦� ∈ 𝐴, daí 𝐴̃ ⊆ 𝐴. Então 𝐴 = 𝐴̃, e assim 𝐴 ∈ 𝑆. Como 𝐴 é qualquer, mostramos que 𝑋/𝐸𝑆 ⊆ 𝑆.

Reciprocamente, tomemos 𝐵 ∈ 𝑆 qualquer e fixemos 𝑏 ∈ 𝐵. Como ⋃𝑆 = 𝑋, segue que 𝑏 ∈ 𝑋. Então existe 𝐵� = [𝑏]𝐸

𝑆 tal que 𝑦 ∈ 𝐵� ⟺ 𝑦𝐸𝑆𝑏. Para qualquer 𝑏′ ∈ 𝐵,

temos 𝑏, 𝑏′ ∈ 𝐵 e daí 𝑏′𝐸𝑆𝑏, isto é, 𝑏′ ∈ 𝐵�, donde segue que 𝐵 ⊆ 𝐵�. Obviamente, se 𝑏� ∈ 𝐵� então 𝑏 e 𝑏� pertencem ao mesmo conjunto de 𝑆 e, como 𝑆 é uma partição de 𝑋 e 𝑏 ∈ 𝐵, concluímos que 𝑏� ∈ 𝐵, logo 𝐵� ⊆ 𝐵. Assim, 𝐵 = 𝐵� e 𝐵 ∈ 𝑋/𝐸𝑆, donde segue que 𝑆 ⊆ 𝑋/𝐸𝑆. Q.E.D.

Teorema 3.7. Seja 𝐸 uma relação de equivalência num conjunto 𝑋. Então 𝑋/𝐸 é

uma partição de 𝑋. Além disso, 𝐸𝑋/𝐸 = 𝐸 (onde 𝐸𝑋/𝐸 é o conjunto definido no teorema anterior obtido ao substituirmos 𝑆 por 𝑋/𝐸).

Demonstração.

Como 𝐸 é reflexiva, 𝑥 ∈ [𝑥]𝐸, para todo [𝑥]𝐸∈ 𝑋/𝐸, o que garante que todo elemento de 𝑋/𝐸 é não vazio. Para 𝑎, 𝑏 ∈ 𝑋 quaisquer temos 𝑎𝐸𝑏 ou ¬(𝑎𝐸𝑏), donde inferimos pelo Lema 3.1 que [𝑎]𝐸 = [𝑏]𝐸 ou [𝑎]𝐸∩ [𝑏]𝐸 = ∅: assim, elementos distintos de 𝑋/𝐸 são disjuntos.

Para 𝑥 ∈ 𝑋 qualquer tem-se 𝑥 ∈ [𝑥]𝐸, onde [𝑥]𝐸 é um membro de 𝑋/𝐸. Logo 𝑥 ∈ ⋃(𝑋/𝐸) e assim 𝑋 ⊆ ⋃(𝑋/𝐸). Obviamente, se 𝑤 ∈ ⋃(𝑋/𝐸), então existe 𝑊 ∈ 𝑋/𝐸 tal que 𝑤 ∈ 𝑊; contudo 𝑊 ⊆ 𝑋 por definição, logo 𝑥 ∈ 𝑋 e assim ⋃(𝑋/𝐸) ⊆ 𝑋. Portanto ⋃(𝑋 ∖ 𝐸) = 𝑋. Mostramos dessa forma que 𝑋/𝐸 satisfaz às três condições impostas pela Definição 3.24, donde segue que 𝑋/𝐸 é uma partição de 𝑋.

Claramente 𝐸 = 𝐸𝑋/𝐸. De fato, 𝑥𝐸𝑦 ⟺ [𝑥]𝐸= [𝑦]𝐸. Como 𝑥 ∈ [𝑥]𝐸 e 𝑦 ∈ [𝑦]𝐸, obtemos 𝑥, 𝑦 ∈ [𝑥]𝐸, donde segue que 𝑥𝐸𝑋/𝐸𝑦, logo, 𝐸 ⊆ 𝐸𝑋/𝐸. A outra inclusão é imediata. Q.E.D.

Algo muito conveniente ao se trabalhar com partições ou equivalências é ter um

conjunto de representantes das classes. É o que se faz em Álgebra com as relações de

divisibilidade em ℤ, e toma-se ℤ𝑚 = {0�, 1�,…, 𝑚 − 1��������}, ou do exemplo anterior, caso tomássemos o conjunto dos presidentes dos países da Terra. Formalmente, adotamos a definição de Hrbacek & Jech (1999).

Definição 3.26. Seja 𝐸 uma relação de equivalência em 𝑋 ≠ ∅. Um conjunto 𝐴 ⊆ 𝑋 é chamado conjunto de representantes de 𝐸 se, e somente se, para todo 𝐶 ∈ 𝑋/𝐸, 𝐴 ∩ 𝐶 = {𝑎}, para algum 𝑎 ∈ 𝐶. Analogamente, se 𝑆 é uma partição de 𝑋, um conjunto 𝐵 ⊆ 𝑋 é dito um conjunto de representantes da partição 𝑆 se para todo 𝐷 ∈ 𝑆, 𝐵 ∩ 𝐷 = {𝑎} para algum 𝑎 ∈ 𝐷.

Uma pergunta aparentemente simples é se toda relação de equivalência sobre algum conjunto admite um conjunto de representantes. É preciso assumir o Axioma da Escolha a fim de obter uma resposta para tal questionamento: ela é afirmativa, conforme provamos abaixo. Encerramos esta seção com a demonstração de tal fato.

Teorema 3.8. Seja 𝐸 uma relação sobre um conjunto 𝑋 ≠ ∅. Existe um conjunto

de representantes de 𝐸. Demonstração.

Chamemos de 𝑃 = 𝑋/𝐸 a partição de 𝑋, cuja existência é garantida pelo Teorema 3.7. Por definição, 𝑃 é uma família disjunta tal que ∅ ∉ 𝑡. Logo, pelo Axioma da Escolha,

[†] (∃𝑈)(∀𝑤)�𝑤 ∈ 𝑃 ⟹ (∃! 𝑣)(𝑣 ∈ 𝑤 ∩ 𝑈)�.

Tomemos 𝐶 = {𝑎 ∈ 𝑈|𝑎 ∈ 𝑋} = 𝑈 ∩ 𝑋. Obviamente 𝐶 ⊆ 𝑋. Notemos que para qualquer 𝑐 ∈ 𝑃, tem-se por [†] que 𝑐 ∩ 𝑈 = {𝑣}, para algum 𝑣 ∈ 𝑐. Entretanto, como 𝑐 ⊆ 𝑋 — pois 𝑐 é uma classe de equivalência de 𝑃 = 𝑋/𝐸 —, temos 𝑣 ∈ 𝑋, donde segue que

{𝑣} = (𝑐 ∩ 𝑈) ∩ 𝑋 = 𝑐 ∩ (𝑈 ∩ 𝑋) = 𝑐 ∩ 𝐶.

Portanto, para cada 𝑐 ∈ 𝑃, existe um único 𝑣 ∈ 𝑐 tal que 𝐶 ∩ 𝑐 = {𝑣} e, pela Definição 3.26, concluímos que 𝐶 é um conjunto de representantes de 𝐸. Q.E.D.

Observação: No Capítulo 5, provamos que o “Teorema 3.8” é equivalente ao

3.3. Funções

Funções estão no cerne da Matemática e têm fundamental importância em diversas áreas de estudo, como Análise, Álgebra e Topologia. Uma função 𝑓 é, grosso modo, “uma regra que relaciona a cada elemento 𝑥 de uma coleção um único elemento” (FRAENKEL, BAR-HILLEL, & LEVY, 1973, p. 43, tradução nossa). Assim, é natural considerar funções como subcasos das relações definidas anteriormente, o que foi feito na Definição 3.231.

Todos os conceitos definidos anteriormente para relações — como domínio, imagem, campo, restrição, etc. —, estendem-se para funções, uma vez que toda função é, por definição, uma relação. A seguir, estabelecemos importantes notações e “tipos” de funções. Posteriormente, provamos alguns teoremas concernentes a tais definições. No que segue, baseamo-nos, sobretudo, em Hrbacek & Jech (1999).

Definição 3.27. Seja 𝑓 uma função. Admitimos as seguintes notações para indicar (𝑥, 𝑦) ∈ 𝑓:

(i) 𝑓(𝑥) = 𝑦; (ii) 𝑓𝑥 = 𝑦.

Definição 3.28. Seja 𝑓 uma função. Se ℑ(𝑓) ⊆ 𝐵 e 𝔇(𝑓) = 𝐴, admitem-se as seguintes notações para indicar a função 𝑓:

(i) 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵; (ii) 〈𝑓(𝑎)|𝑎 ∈ 𝐴〉; (iii) 〈𝑓𝑎|𝑎 ∈ 𝐴〉; (iv) 〈𝑓𝑎𝑎∈𝐴.

Definição 3.29. Seja 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵. Dizemos que:

(i) 𝑓 é injetora ⟺ (∀𝑥)(∀𝑦)�(𝑥, 𝑦 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥 ≠ 𝑦) ⟹ 𝑓(𝑥) ≠ 𝑓(𝑦)�; (ii) 𝑓 é sobrejetora ⟺ ℑ(𝑓) = 𝐵;

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Tal definição se deve a Giuseppe Peano, em seu trabalho Formulaire de Mathématiques (Formulário de Matemática), de 1895 (KURATOWSKI & MOSTOWSKI, 1976).

(iii) 𝑓 é bijetora ⟺ 𝑓 é injetora e sobrejetora.

Notemos que a Definição 3.27 está bem definida, pois se 𝑓 é uma função e 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓), então existe um único 𝑦 ∈ ℑ(𝑓) tal que 𝑥𝑓𝑦, que então chamamos 𝑓(𝑥) ou 𝑓𝑥; diz-

se neste caso que 𝑓 leva 𝑥 em 𝑦, 𝑓 transforma 𝑥 em 𝑦, etc., mas comumente lê-se apenas 𝑓 de 𝑥.

Por sua vez, diz-se que 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵 é a função 𝑓 de 𝐴 em 𝐵, onde 𝐵 é o

contradomínio da função 𝑓. Vale ressaltar que se para alguma função 𝑓, 𝔇(𝑓) ⊂ 𝐴, não se

utiliza a notação 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵. Ainda, no caso (iii) da Definição 3.28, 𝑓 = 〈𝑓𝑎|𝑎 ∈ 𝐴〉 é dito um

sistema de conjuntos indexados por 𝐴, e ℑ(𝑓) = {𝑓𝑎|𝑎 ∈ 𝐴} é um conjunto indexado por 𝑓,

enquanto 𝐴 é o conjunto de índices.

Um exemplo que ilustra bem tal nomenclatura consiste em tomar 𝐴 = {1, 2, 3}, 𝐵 um conjunto qualquer não vazio e 𝑓:𝐴 ⟶ 𝐵 uma função arbitrária: temos assim ℑ(𝑓) = {𝑏1, 𝑏2, 𝑏3} ⊆ 𝐵, um subconjunto de 𝐵 cujos elementos estão “indexados” pelos membros de 𝐴.

Uma função injetora de 𝐴 em 𝐵 (ou injetiva, correspondência biunívoca de 𝐴 em 𝐵, ou ainda uma injeção), é uma relação na qual todo elemento da imagem de 𝑓 está relacionado a um único membro do domínio 𝐴; o que justifica a nomenclatura predominante na literatura inglesa, função um-para-um (one-to-one). Uma função sobrejetora de 𝐴 em 𝐵 (sobrejeção, ou simplesmente uma função de 𝐴 sobre 𝐵) é uma função que tem como imagem todo o contradomínio da função — obviamente, como ℑ(𝑓) = 𝑓[𝐴], tem-se que 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝑓[𝐴] sempre é uma sobrejeção. Enfim, uma função bijetora de 𝐴 em 𝐵 (ou bijeção,

correspondência biunívoca de 𝐴 sobre 𝐵), é uma função na qual todo membro de 𝐴 está

relacionado a um único elemento de 𝐵 de tal maneira que todo elemento de 𝐵 é imagem de algum membro de 𝐴. Tais funções constituem a pedra angular do estudo da equipotência entre conjuntos.

Definição 3.30. Sejam 𝐴 e 𝐵 conjuntos quaisquer. 𝐴 ≾ 𝐵 se, e somente se, existir uma função injetora 𝜑: 𝐴 ⟶ 𝐵. Se 𝜑 for uma bijeção, dizemos que 𝐴 e 𝐵 são equipotentes (ou têm a mesma cardinalidade), o que indicamos por 𝐴 ≈ 𝐵. Se 𝐴 ≾ 𝐵 e ¬(𝐵 ≾ 𝐴), escrevemos 𝐴 ≺ 𝐵.

Como funções são relações, valem os mesmos conceitos de composição e inversa. Contudo, enquanto a composta de duas funções é sempre uma função, o mesmo não vale para a inversa de funções: elas existem, mas nem sempre são funções. Os teoremas a seguir esclarecem estes e outros fatos.

Teorema 3.9 (Princípio da Extensionalidade Para Funções). Sejam as funções 𝑓 e 𝑔. Temos 𝑓 = 𝑔 se, e somente se, 𝔇(𝑓) = 𝔇(𝑔) e 𝑓(𝑥) = 𝑔(𝑥), para todo 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓).

Demonstração.

Como 𝑓 e 𝑔 são funções, podemos dizer que, para um 𝑎 qualquer, [†] 𝑎 ∈ 𝑓 ⟹ 𝑎 = 〈𝑥, 𝑓(𝑥)〉, 𝑎 ∈ 𝑔 ⟹ 𝑎 = 〈𝑧, 𝑔(𝑧)〉. Suponha que 𝑓 = 𝑔. Assim,

[††] 𝑎 ∈ 𝑓 ⟺ 𝑎 ∈ 𝑔,

daí, por [†], segue que 𝑥 = 𝑧 e então 𝑓(𝑥) = 𝑔(𝑥). Além disso, temos 〈𝑥, 𝑓(𝑥)〉 ∈ 𝑓 ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) e 〈𝑥, 𝑔(𝑥)〉 ∈ 𝑔 ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔), donde, por [††], obtemos 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔). Assim, 𝔇(𝑓) = 𝔇(𝑔).

Reciprocamente, suponha 𝔇(𝑓) = 𝔇(𝑔) e 𝑓(𝑥) = 𝑔(𝑥) para todo 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓). Seja 〈𝑥, 𝑓(𝑥)〉 ∈ 𝑓 arbitrário. Como 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓), segue da hipótese que 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔) e consequentemente 〈𝑥, 𝑔(𝑥)〉 ∈ 𝑔; por outro lado, 𝑓(𝑥) = 𝑔(𝑥) e assim 〈𝑥, 𝑓(𝑥)〉 ∈ 𝑔. Por termos tomado 〈𝑥, 𝑓(𝑥)〉 ∈ 𝑓 arbitrário, concluímos que 𝑓 ⊆ 𝑔. Analogamente mostra-se que 𝑔 ⊆ 𝑓, donde a igualdade segue-se. Q.E.D.

Lema 3.2. 𝑓 é função ⟹ (∀𝑥)(∀𝐴)�𝑥 ∈ 𝑓−1[𝐴] ⟺ (∃! 𝑦)(𝑦 = 𝑓(𝑥) ∧ 𝑦 ∈ 𝐴)�.

Demonstração.

Pela Definição 3.7, se 𝑥 ∈ 𝑓−1[𝐴], então existe um único 𝑦 ∈ 𝐴 tal que 𝑦 = 𝑓(𝑥) e 𝑓(𝑥) ∈ 𝐴. Reciprocamente, se existe um único 𝑦 tal que 𝑦 = 𝑓(𝑥), então 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) e por 𝑓(𝑥) ∈ 𝐴 segue que 𝑥 ∈ 𝑓−1[𝐴]. Q.E.D.

Teorema 3.10. Sejam as funções 𝑓 e 𝑔. Então 𝑔 ∘ 𝑓 é uma função. Além disso, 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) = 𝔇(𝑓) ∩ 𝑓−1[𝔇(𝑔)] e (𝑔 ∘ 𝑓)(𝑥) = 𝑔�𝑓(𝑥)�, para todo 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓).

Pelo Teorema 3.3 (iii), 𝑔 ∘ 𝑓 é uma relação. Provemos que 𝑔 ∘ 𝑓 é uma função. Para tanto, seja 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) e suponha que existam 𝑦1, 𝑦2 ∈ ℑ(𝑔 ∘ 𝑓) tais que 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦1 e 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦2. Pelo mesmo teorema, segue que existem 𝑧1 e 𝑧2 tais que

�†1� (𝑥𝑓𝑧1∧ 𝑧1𝑔𝑦1) ∧ (𝑥𝑓𝑧2∧ 𝑧2𝑔𝑦2) ⟺ 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦1∧ 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦2. Como 𝑓 é função, 𝑧1 é único, isto é, 𝑧1= 𝑧2= 𝑓(𝑥). Assim,

�†2� �𝑥𝑓𝑧1∧ (𝑧1𝑔𝑦1∧ 𝑧1𝑔𝑦2) ∧ 𝑧1= 𝑓(𝑥)� ⟺ 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦1∧ 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦2,

e como 𝑔 também é função, segue que 𝑦1 = 𝑦2 — em particular, 𝑦1 = 𝑔(𝑧1) = 𝑔�𝑓(𝑥)�. Logo, 𝑔 ∘ 𝑓 é função e, por �†2� temos ainda

�†3� 𝑥(𝑔 ∘ 𝑓)𝑦 ⟺ (𝑔 ∘ 𝑓)(𝑥) = 𝑦 ∧ 𝑦 = 𝑔�𝑓(𝑥)�. Além disso, como 𝑓 e 𝑔 são funções, obtemos de �†1�, �†3� que

𝑥 ∈ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) ⟺ (∃! 𝑦)(∃! 𝑧)�𝑥𝑓𝑧 ∧ 𝑧𝑔𝑦 ∧ 𝑧 = 𝑓(𝑥)� ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) ∧ 𝑓(𝑥) ∈ 𝔇(𝑔), o que equivale, pelo Lema 3.2, à

𝑥 ∈ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) ∧ 𝑥 ∈ 𝑓−1[𝔇(𝑔)] ⟺ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) ∩ 𝑓−1[𝔇(𝑔)];

a igualdade 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) = 𝔇(𝑓) ∩ 𝑓−1[𝔇(𝑔)] segue de (A1). Q.E.D.

Corolário 3.1. Sejam as funções 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵 e 𝑔: 𝐶 ⟶ 𝐷. ℑ(𝑓) ⊆ 𝐶 é uma

condição necessária e suficiente para que 𝑔 ∘ 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐷. Demonstração.

Suponha que 𝑔 ∘ 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐷. Pelo teorema anterior, temos 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) = 𝔇(𝑓) ∩ 𝑓−1[𝔇(𝑔)] = 𝐴 ∩ 𝑓−1[𝐶] = 𝐴,

donde, pela Proposição 2.7 (xvi), inferimos 𝐴 ⊆ 𝑓−1[𝐶], isto é, [†] (∀𝑥)(𝑥 ∈ 𝐴 ⟹ 𝑓(𝑥) ∈ 𝐶).

Tome então 𝑦 ∈ ℑ(𝑓) qualquer. Para tanto, existe 𝑥 ∈ 𝐴 tal que 𝑓(𝑥) = 𝑦, mas, por [†], tem-se que 𝑓(𝑥) ∈ 𝐶. Logo, ℑ(𝑓) ⊆ 𝐶.

𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) = 𝔇(𝑓) ∩ 𝑓−1[𝔇(𝑔)] = 𝐴 ∩ 𝑓−1[𝐶],

e assim 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) ⊆ 𝐴. Por outro lado, para 𝑥 qualquer, temos

𝑥 ∈ 𝐴 ⟺ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥 ∈ 𝐴 ⟺ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑓) ⟺ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ (∃! 𝑦)(𝑦 ∈ ℑ(𝑓) ∧ 𝑓(𝑥) = 𝑦), contudo, ℑ(𝑓) ⊆ 𝐶 por hipótese, donde segue que

𝑥 ∈ 𝐴 ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ (∃! 𝑦)(𝑦 ∈ ℑ(𝑓) ∧ 𝑓(𝑥) = 𝑦) ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ (∃! 𝑦)(𝑦 ∈ 𝐶 ∧ 𝑓(𝑥) = 𝑦) ⟹ ⟹ 𝑥 ∈ 𝐴 ∧ 𝑥 ∈ 𝑓−1[𝐶] ⟹ 𝑥 ∈ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓).

Logo, 𝐴 ⊆ 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓) e assim 𝐴 = 𝔇(𝑔 ∘ 𝑓). Obviamente ℑ(𝑔 ∘ 𝑓) ⊆ 𝐷. Portanto, 𝑔 ∘ 𝑓:𝐴 ⟶ 𝐷. Q.E.D.

Corolário 3.2. Sejam 𝐴, 𝐵 e 𝐶 conjuntos não vazios, 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵 e 𝑔: 𝐵 ⟶ 𝐶

funções quaisquer.

(i) Se 𝑓 e 𝑔 são injetoras então 𝑔 ∘ 𝑓 é injetora;

(ii) Se 𝑓 e 𝑔 são sobrejetoras então 𝑔 ∘ 𝑓 é sobrejetora;

(iii) Se 𝑓 e 𝑔 são bijetoras então 𝑔 ∘ 𝑓 é bijetora. Demonstração.

Provamos apenas (i), pois (ii) se prova de maneira análoga e (iii) decorre dos itens imediatamente anteriores. Pelo Corolário 3.1, 𝑔 ∘ 𝑓:𝐴 ⟶ 𝐶 (isto é, 𝑔 ∘ 𝑓 é função). Tomemos 𝑥1, 𝑥2 ∈ 𝐴 tais que (𝑔 ∘ 𝑓)(𝑥1) ≠ (𝑔 ∘ 𝑓)(𝑥2). Temos 𝑔�𝑓(𝑥1)� ≠ 𝑔�𝑓(𝑥2)�. Da injetividade de 𝑔 segue 𝑓(𝑥1) ≠ 𝑓(𝑥2), da injetividade de 𝑓 segue 𝑥1≠ 𝑥2. Portanto, 𝑔 ∘ 𝑓 é injetora. Q.E.D.

Teorema 3.112. Seja 𝑓 uma função de 𝐴 em 𝐵. 𝑓−1 é uma função de 𝐵 em 𝐴 se, e

somente se, 𝑓 é uma bijeção. Além disso, 𝑓−1 é bijetora e (𝑓−1)−1 = 𝑓.

Demonstração.

Suponha que 𝑓−1 seja uma função, com 𝔇(𝑓−1) = 𝐵 e ℑ(𝑓−1) ⊆ 𝐴.

Seja 𝑦 ∈ 𝐵 qualquer. Como 𝑓−1 é função, existe um único 𝑥 ∈ ℑ(𝑓−1) tal que 𝑦𝑓−1𝑥, o que equivale a 𝑥𝑓𝑦 e daí 𝑦 ∈ ℑ(𝑓). Como 𝑦 é arbitrário, obtemos 𝐵 ⊆ ℑ(𝑓), no

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Na maioria das obras consultadas para a realização deste trabalho, os autores propõem “𝑓−1 é função ⟺ 𝑓 é injetora”. Tal sentença não contradiz o Teorema 3.11, pois nele exigimos que 𝔇(𝑓−1) = 𝐵, o que não é cobrado pelos autores.

entanto, como ℑ(𝑓) ⊆ 𝐵 por hipótese, concluímos que ℑ(𝑓) = 𝐵, donde segue que 𝑓 é sobrejetora (∗).

Tomemos então 𝑦1, 𝑦2 ∈ ℑ(𝑓), onde 𝑥1𝑓𝑦1 e 𝑥2𝑓𝑦2 para certos 𝑥1, 𝑥2∈ 𝐴. Suponha 𝑥1≠ 𝑥2. Temos 𝑦1𝑓−1𝑥1 e 𝑦2𝑓−1𝑥2. Como 𝑓−1 é função, segue que 𝑦1 ≠ 𝑦2, do contrário existiriam 𝑥1≠ 𝑥2 com 𝑦1𝑓−1𝑥1 e 𝑦1𝑓−1𝑥2, contrariando 𝑓−1 ser função. Logo, 𝑦1 ≠ 𝑦2, isto é, 𝑓(𝑥1) ≠ 𝑓(𝑥2). Assim, 𝑓 é injetora (∗∗).

Segue de (∗) e (∗∗) que 𝑓 é bijeção.

Reciprocamente, suponha que 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵 seja uma bijeção. Como 𝑓 é sobrejetora, para todo 𝑦 ∈ 𝐵 existe 𝑥 ∈ 𝐴 tal que 𝑥𝑓𝑦, ou equivalentemente, 𝑦𝑓−1𝑥 e assim 𝔇(𝑓−1) = 𝐵. Enfim, tome 𝑥1, 𝑥2∈ 𝐴 tais que 𝑦𝑓−1𝑥1 e 𝑦𝑓−1𝑥2 para algum 𝑦 ∈ 𝐵. Como 𝑓 é injetora obtemos de 𝑥1𝑓𝑦 e 𝑥2𝑓𝑦 que 𝑥1= 𝑥2, caso contrário 𝑓 não seria injetora. Portanto, 𝑓−1 é função, como queríamos. Pelo Teorema 3.4, segue que (𝑓−1)−1= 𝑓 e, pelo que vimos acima, 𝑓−1 é também bijetora. Q.E.D.

Corolário 3.3. Seja uma bijeção 𝑓 de 𝐴 em 𝐵. Então 𝑓(𝑥) = 𝑦 ⟺ 𝑓−1(𝑦) = 𝑥.

Demonstração.

Decorre imediatamente da definição de relação inversa. Q.E.D.

Observação: a inversa de uma função 𝑓 também pode ser caracterizada pela

avaliação do “resultado” da composição entre elas, isto é, se 𝑓: 𝐴 ⟶ 𝐵 e 𝑔: 𝐵 ⟶ 𝐴 são tais que 𝑓 ∘ 𝑔 = 𝐼𝑑𝐵 e 𝑔 ∘ 𝑓 = 𝐼𝑑𝐴, então 𝑔 = 𝑓−1. Tal caracterização é vista em detalhes, por exemplo, por Lima (2009).

Corolário 3.4. Sejam 𝐴, 𝐵 e 𝐶 conjuntos quaisquer. Então: (i) 𝐴 ≈ 𝐵 ⟹ 𝐴 ≾ 𝐵;

(ii) 𝐴 ≺ 𝐵 ⟹ 𝐴 ≾ 𝐵;

(iii) 𝐴 ≾ 𝐵 ∧ 𝐵 ≾ 𝐶 ⟹ 𝐴 ≾ 𝐶 (igualmente válido para ≺); (iv) 𝐴 ≈ 𝐵 ⟺ 𝐵 ≈ 𝐴;

(v) 𝐴 ≈ 𝐵 ∧ 𝐵 ≈ 𝐶 ⟹ 𝐴 ≈ 𝐶; (vi) 𝐴 × 𝐵 ≈ 𝐵 × 𝐴;

(vii) 𝐴 ≾ 𝐵 ⟹ ℘(𝐴) ≾ ℘(𝐵) (em particular, 𝐴 ≈ 𝐵 ⟹ ℘(𝐴) ≈ ℘(𝐵)).

Demonstração.

Como toda bijeção é também uma injeção, temos provado (i). (ii) decorre imediatamente da definição. Os itens (iii), (iv) e (v) seguem imediatamente do Corolário 3.2 e

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