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3. Ética da Responsabilidade

3.3. Características da ética empresarial

3.3.1. Relações Internas

Apesar da ética da empresa ser reconhecida como uma necessidade no plano das relações de trabalho, a realidade concreta tem-se mostrado ora intermitente ora erosiva em matéria de valores éticos.

As diferentes ordens de interesses que preenchem o espaço sociopolítico influenciam frequentemente as relações de trabalho no interior da empresa. Todavia, as construções ideológicas que outrora fizeram das empresas palco de confrontos numa acção centrada na luta de classes, são parte de uma realidade que se encontra ultrapassada. Actualmente, o pós-

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La meta de la actividad empresarial es la satisfacción de necessidades humanas a través de la puesta en marcha de un capital, del que es parte esencial el capital humano – los recursos humanos -, es decir, las capacidades de cuantos cooperan en la empresa. A. Cortina. Ética de la Empresa.

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L’éthique donc n’est pas une mode ou une simple respirationentre deux systèmes de regulation. (…) Le premier mot de l’éthique est un “oui” à la vie, à la existence …,à l’existence avec les autres. François Guiraud, in Le Temps de la Responsabilité. Frédéric Lenoir.P.128.

capitalismo apropria-se da empresa assegurando uma verdadeira revolução na produtividade, convertendo o proletariado em classe média com rendimentos e estilos de vida que se aproximam da classe superior, com isso deixando para trás a velha luta de classes. O motor desta transformação está no domínio do saber e na sua aplicação. É neste contexto que o capital e o trabalho, ambos, são colocados num processo de secundarização face ao passado. A produtividade destas novas classes que constituem a sociedade pós-capitalista faz-se pela aplicação do saber, numa perspectiva em que o trabalho surge como um saber especializado.

Esta será a alteração mais marcante na vida das empresas na sociedade pós- capitalista.

A relação entre empresa e trabalho é abordada por A. Cortina que faz uso de uma fundamentação inspirada em P.F.Drucker, afirmando que “as classes da sociedade capitalista são os trabalhadores do saber e os trabalhadores dos serviços e a nova dicotomia será produzida entre os intelectuais e os gestores: os primeiros ocupar-se-ão das palavras e das ideias; os segundos, de pessoas e trabalho.”102

O desafio proposto por A. Cortina tem como fundamento a percepção da diferença entre a sociedade capitalista e a sociedade pós-capitalista, num ponto central para a empresa: a prática da gestão, através da sua visão científica, ultrapassa códigos de conduta e pratica actos de gestão que prejudicam as melhores práticas de relacionamento, tanto ao nível interno como externo. A referência vai claramente para as diferentes formas políticas de reestruturação empresarial. Por um lado, a reestruturação da empresa processa-se na sua mais brutal e desumana forma, promovendo despedimentos. Quando não é esse o método, a equipa de gestores decide a restruturação sem a promoção de qualquer debate colectivo, numa atitude autoritária que rejeita o modo de gestão participativa e provoca a desmotivação e desvinculação dos trabalhadores face a uma eventual necessidade de mudança. Estas duas

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Las clases de la sociedad postcapitalista, anuncia Drucker, son los trabajadores del saber y los trabajadores de los servicios, y la nueva dicotomia se producirá entre los intelectuales y los gestores: los primeiros se ocuparán de las palabras e ideas; los segundos, de personas y trabajo. A. Cortina. Ética da la Empresa. P. 77.

práticas são o quotidiano da moderna gestão de empresas e constitui uma nova problemática: o relacionamento ético não sujeita a códigos de conduta, mas que deverá fazer parte do espólio mais importante da empresa, ou seja, os valores, sem os quais os códigos de conduta apenas farão parte de uma responsabilidade punitiva.

“A suposta transparência e comunicação, o tratamento com trabalhadores e consumidores como interlocutores válidos, fazem parte do cálculo estratégico até ao ponto que tem sentido perguntar-se se se trata de um

novo ópio do povo ou de uma necessidade.”103

Deste modo, A. Cortina lança um conjunto de suspeitas sobre a actuação da empresa, nomeadamente sobre o aparente núcleo de valores que devem orientar a actividade empresarial, colocando num mesmo plano trabalhadores e clientes, que, devendo ser considerados agentes fundamentais na construção de valor na empresa, são exclusivamente entendidos como elementos passivos da estratégia empresarial.

Existem aspectos centrais no relacionamento interno da empresa que se prendem com a sua actividade e com a envolvência do seu público interno, que só podem ser entendidos do ponto de vista participativo, o único que possibilita e fomenta uma cultura de responsabilidade, em torno da qual se estrutura uma cultura empresarial de valores (orientada pela Ética). Enquanto a ética for apenas um elemento instrumental da estratégia empresarial, somente a quantificação terá lugar na actividade empresarial.

Há um saber técnico-científico que participa na gestão empresarial da actualidade e que não é alheio ao facto da empresa se constituir como um núcleo social de extrema importância, lugar privilegiado para a aplicação das teorias políticas e económicas dominantes. Daí que, incorporar a ética nos modelos de gestão empresarial significará também o alargamento dos princípios éticos à sociedade através dos seus principais agentes: público

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La presunta transparencia Y comunicación, el trato a trabajadores y consumidores como interlocutores válidos, forma parte entonces del cálculo estratégico, hasta el punto de que tiene sentido preguntarse si se trata de un

interno e público externo no âmbito do desempenho interactivo de papéis a que ambos se encontram sujeitos no espaço social. Este é também o contexto onde se desenvolve o princípio da responsabilidade, que podendo ser específica no plano empresarial, difunde os seus princípios estruturantes através de todos os sujeitos que por ela são afectados.

Talvez por dificuldades decorrentes quer da lógica da quantificação, quer da lógica da obediência, ainda muito presentes na estratégia empresarial, o debate em torno da ética da responsabilidade conduz algumas empresas à sua utilização sob a forma de instrumentos de marketing, fazendo prevalecer a sua desvalorização num contexto de estratégia empresarial. Através desta actuação, a empresa dá continuidade ao princípio segundo o qual, “os fins justificam os meios”, mantendo o espaço da irresponsabilidade social empresarial, que no presente impõe à humanidade o questionamento ético da sua própria continuidade.

A ética da empresa deve desenvolver-se segundo uma racionalidade comunicativa estratégica, numa atitude de diálogo que considere todos os que intervêm na actividade da empresa (gestores, trabalhadores, consumidores) como interlocutores válidos, com os quais é necessário estabelecer um relacionamento que suporte a acção comunicativa, e onde todos possam relacionar-se no cumprimento do seu papel, respeitando mútuos direitos e interesses e definindo estratégias que permitam alcançar a finalidade que justifica a essência da empresa, e que pode ser entendida como a “satisfação de necessidades sociais através da obtenção de benefício”104. Considerado como resultado da actividade empresarial, o benefício obedece a uma lógica qualitativa que compreende a perspectiva ética, e constitui-se numa base de reciprocidade segundo a qual a comunidade interage com a empresa.

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(…) la satisfacción de necesidades sociales a través de la obtención del beneficio. A. Cortina. Ética da la Empresa.P.80.