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Relações sem relata individuais em uma teoria standard de

No documento Elementos para uma ontologia de estruturas (páginas 188-192)

6 ELEMENTOS PARA UMA ONTOLOGIA DE

6.1 TRÊS CAMINHOS PARA O PROBLEMA DAS RELAÇÕES SEM

6.1.3 Relações sem relata individuais em uma teoria standard de

Nesta seção, esboçarei de modo breve uma maneira de desenvolver-se uma metafísica de estruturas dentro da teoria de conjuntos ZFC* (Zermelo-Fraenkel com o Axioma da Escolha mas sem o Axioma do Fundamento). Não há nada de especial na escolha de ZFC* como framework matemático, a não ser o fato de que podemos expressar em ZFC* toda a matemática que necessitamos para desenvolver as teorias físicas conhecidas.233 Como já ficou claro acima, desenvolver uma metafísica de relações sem relata a partir de teorias como ZF ou ZFC (incorporando o Axioma do Fundamento), que são teorias extensionais de conjuntos, comporta uma série de dificuldades, em particular porque nessas teorias as relações são identificadas com n- uplas de indivíduos – por exemplo, como vimos na seção 5.1, uma relação binária entre dois conjuntos A e B é uma coleção de pares ordenados de A × B. Os elementos desses pares são os relata.

Seguindo a segunda proposta apresentada no final da seção anterior, podemos argumentar que esses relata também podem ser relações, e isso é verdade. Mas essas relações, por sua vez, teriam os seus relata, e assim sucessivamente. Se nossa teoria incorpora o Axioma do Fundamento (ou Regularidade), “entrando” cada vez mais nos conjuntos – nos elementos de seus elementos, etc. –, ou seja, considerando o fecho transitivo dos conjuntos, deparar-nos-emos, mais cedo ou mais tarde, ou com o conjunto vazio (como é o caso de ZFC “pura”) ou com urelementos (ZFU), objetos que não são conjuntos mas que podem ser elementos de conjuntos – mas que também não são estruturas, como requer o realismo estrutural ontológico.234 Em ZFC,

      

233 Com efeito, o Axioma do Fundamento tem apenas um “efeito cosmético” relativamente à

matemática usual, já que nada impede, nessa matemática, que haja conjuntos extraordinários, no sentido de Mirimanoff (KRAUSE, 2002, p. 117).

234 Para uma distinção entre teorias “puras” e teorias com urelementos, ver KRAUSE, 2002, §§

tanto o conjunto vazio quanto os urelementos são indivíduos235 numa certa acepção. Assim, para contornarmos este fato – com o objetivo de termos relações sem relata individuais –, precisamos alterar de algum modo ZFC.

O conceito de “indivíduo” é ambíguo. Alguns significados possíveis são. 1) Entidades que obedecem a uma teoria da identidade. Aqui, m-átomos na teoria de quase-conjuntos Q seriam “não- indivíduos”. Por outro lado, em ZF, digamos, relações – sendo conjuntos – também são indivíduos nesta acepção. 2) da Costa e Rodrigues, por exemplo, chamam relações 0-árias de indivíduos. Aqui, indivíduo é a menor “aridade” de uma relação – são os objetos do conjunto base da estrutura considerada, que pode ser suposto um só. Neste sentido de indivíduo, por definição, parece que não podemos dizer que relações de aridade maior ou igual a 1 são indivíduos. 3) m-átomos em Q não são indivíduos na acepção 1 acima, mas eles são “entidades” de algum tipo, pois podem formar coleções com cardinalidades não nulas. 4) Na lógica clássica, variáveis e constantes individuais representam indivíduos. Constantes individuais funcionam como nomes de indivíduos específicos do domínio (lógica elementar); variáveis individuais funcionam como variáveis percorrendo esse domínio. Estas poucas opções já servem para mostrar a ambiguidade do conceito de “indivíduo”.

Uma conclusão possível disso é a de que o conceito de “indivíduo” é relativo. Não temos uma definição de indivíduo que sirva universalmente. Intuitivamente, um indivíduo é algo para o qual podemos atribuir um “critério de identidade”, mas para isso necessitamos de uma teoria da identidade, e é este precisamente o ponto que não é claro no que concerne a alguns domínios da ciência, como a física quântica, conforme já tivemos oportunidade de ver. Por exemplo, podemos assumir uma teoria de conjuntos como ZF, com ou sem o Axioma do Fundamento, e sua “teoria da identidade”, dada pelos axiomas da lógica elementar clássica e pelo Axioma da Extensionalidade. Deste ponto de vista, podemos dizer que todos os objetos do universo conjuntista são indivíduos, pois para quaisquer dois deles temos que eles são iguais ou distintos; se forem iguais, são o

mesmo conjunto, e se forem distintos, temos até um critério de distinção

entre eles: somente um deles pertence ao seu conjunto unitário. Esta

      

235 Mencionei acima que a teoria de quase-conjuntos comporta dois tipos de urelementos, M-

átomos e m-átomos, sendo que só os primeiros são indivíduos. Para detalhes, ver FRENCH; KRAUSE, 2006, § 7.

mesma ideia pode ser estendida para teorias de conjuntos envolvendo átomos.

Seja agora A uma estrutura construída em ZFC ou em ZFC* – ou seja, Zermelo-Fraenkel com o Axioma da Escolha mas sem o Axioma do Fundamento – por recursão transfinita, tendo o conjunto X como base. Chamaremos de A-indivíduos aos elementos de X. Suponha, agora, que estamos em ZFC* e que os elementos x de X sejam conjuntos não bem-fundados tais que cada um deles admita como elementos conjuntos a0 tais que existam a1, a2 etc. de forma que ... ∈ an ∈ ... ∈ a2 ∈

a1 ∈ a0 ∈ x, ou seja, os elementos de X são o que Mirimanov chamava de “conjuntos extraordinários”.236 Os “objetos” a

0 serão chamados de x-

relata; os objetos a1 são os a0-relata, e assim sucessivamente. Ora, cada um desses conjuntos pode ser uma relação n-ária (falaremos de relações binárias por simplicidade). Os elementos de x (ou seja, os a0), são conjuntos do tipo {{a1}, {a1, a1′}}, com a1′sendo um dos a1. (Note que {a1} e {a1, a1′} são objetos do tipo a0). Assim, a estrutura A, em um sentido preciso, contém somente relações como elementos. Se pensarmos em uma estrutura mais geral contendo como elementos estruturas do tipo A, teremos estruturas cujos elementos serão estruturas e cujas relações que a elas pertencem são relações de relações, relações de relações de relações etc. Se for preciso generalizar ainda mais, podemos pensar em uma estrutura cujos elementos sejam estruturas cujos elementos sejam estruturas deste tipo e assim por diante. Neste sentido, talvez o problema das relações sem relata possa ser resolvido. Se isso é de fato assim é ponto que deixo em aberto, pois é necessário estender e aprofundar ainda mais essa análise.

Agora, vamos tentar explorar um pouco mais ZFC*. Chamaremos de R-estrutura uma n-upla ordenada R = 〈D, rii ∈ I,, onde D é um

conjunto não vazio, cujos elementos são relações, cada uma de certa aridade k; I é um conjunto de índices e as ri são relações cujos relata são

elementos de D. Assim, as relações de uma R-estrutura são relações cujos relata são também relações, relata est relationis! Indo um pouco mais longe, podemos agora considerar uma estrutura da forma O = 〈E,

ejj ∈ J, que chamaremos de O-estrutura (este ‘O’ significando,

intuitivamente, “ontologia”), definida como segue: seu domínio E é um conjunto de R-estruturas (novamente, J é um conjunto de índices), e as

ej são estrutura selecionadas de E que interessam para o campo

científico sendo investigado.

      

236 Ver KRAUSE, 2002, p. 117.

Neste sentido, O é um esquema de estruturas que envolve apenas estruturas quer como seus elementos, quer como relata de suas relações (que também são estruturas). De certo ponto de vista, tudo aquilo que seja “modelado” por meio de uma estrutura do tipo O envolve apenas estruturas: não há relatum que não seja estrutura e, sem o Axioma do Fundamento, não incorremos no problema de que em algum momento nos deparemos ou com o conjunto vazio ou com urelementos.

Suponha agora que temos um domínio do conhecimento – os casos que mais nos interessam aqui se referem às ciência empíricas, e nos restringiremos ainda mais à física – que “modelamos” por meio de uma estrutura do tipo O (repare o leitor que estamos trabalhando em ZFC*). Podemos agora falar em uma linguagem adequada para O – no sentido de da Costa e Rodrigues (2007).237 Seja L* a linguagem

escolhida. As variáveis de L* percorrem elementos do domínio de O, ou

seja, estruturas. As sentenças de L* contêm variáveis ligadas e são tais

que aqueles objetos com os quais devemos nos comprometer ontologicamente, de modo que elas sejam verdadeiras no sentido de Tarski – ou quase-verdadeiras, no sentido da seção 5.2 –, são estruturas. Para encerrar esta seção e a abordagem ao problema das relações sem os relata, volto a enfatizar que o que foi apresentado acima foi apenas um esboço de algumas alternativas ao problema. Em minha dissertação de Mestrado, havia sugerido as duas primeiras alternativas – quase-relações e teorias das relações – como possíveis respostas ao problema. 238 A terceira opção, todavia, é original. Acredito que as três alternativas possuem vantagens e limitações. Por exemplo, a ideia das quase-relações elimina, como vimos acima, apenas a referência aos

particulares relata envolvidos nas relações, constituindo-se numa

solução parcial do problema; a teoria das relações como lógica subjacente a uma teoria de conjuntos aparentemente resolve a questão de forma completa, mas às custas de uma reformulação de toda a linguagem do aparato lógico-matemático envolvido – o que talvez seja muito complicado de fazer ou, no mínimo, pouco conveniente. No momento, creio que a última alternativa seja a mais frutífera, pelo menos para os propósitos dos defensores do realismo estrutural ontológico, e, no que segue, explorarei brevemente algumas dessas vantagens.

      

237 Ver também KRAUSE; ARENHART; MORAES, 2011, §§ 3 e 7.

238 Ver STEINLE, 2006, §§ 4.2.1; a teoria das relações como alternativa ao problema das

relações sem os relata foi abordada em STEINLE, 2010, §§ 6. A ideia original das quase- relações é de KRAUSE, 2005, como indicado acima.

No documento Elementos para uma ontologia de estruturas (páginas 188-192)

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