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OS HOMENS BONS E A O EXERCÍCIO DA GOVERNANÇA

CAPÍTULO 3. O PODER LOCAL E OS OUTROS PODERES DA MONARQUIA

3.3. Relações Verticais: A Câmara e a Coroa

Joaquim Romero Magalhães defende que em Portugal, na Época Moderna, a distribuição territorial do poder político caracterizava-se por uma estrutura “a-regional e anti-regional” que compreendia de um lado a Coroa e do outro a vasta malha concelhia, sem a presença de intermediadores regionais570. Mesmo os oficiais periféricos reinóis, como os corregedores não impunham nem tinham meios para fazer “ligações horizontais [entre os concelhos] que pudessem articular espaços nos quais se contivessem várias unidades”. Mais adiante, afirma que “nem o rei nem os concelhos estavam interessados em estabelecer mediações, que inevitavelmente retirariam poderes a ambos” 571. O poder político teria uma base bipolar: o rei e os concelhos, cujas capacidades de comando eram condicionadas por interdependência. Essa estrutura fazia com que o monarca se comunicasse diretamente com as câmaras e lhes impusesse “delegações”. Essas delegações representavam a transferência de certas capacidades

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Para maiores detalhes, ver: CURVELO, Arthur Almeida S. de C. Pescaria e bem comum: pesca e poder local em Porto Calvo e Alagoas do Sul (séculos XVII e XVIII). In: CAETANO, Antonio Filipe P. Alagoas colonial: construindo economias, tecendo redes de poder e fundando administrações (séculos XVII e XVIII). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, p. 41-86.

570

MAGALHÃES, Joaquim Romero. "As estruturas sociais de enquadramento da economia portuguesa de Antigo Regime: os concelhos”. In: MAGALHÃES, Op. Cit. p. 30.

571

executivas da Coroa aos poderes locais, visando o alcance de uma série de medidas, como o recrutamento de tropas, a cobrança das sisas e a fiscalização de medidas sanitárias. Por seu turno, os governantes locais necessitavam do monarca para ter a garantia de seus privilégios políticos, com os quais perpetuavam a distinção social, bem como a autoridade sobre as populações governadas 572.

Contudo, não se pode aplicar esse mesmo modelo de distribuição territorial do poder às conquistas ultramarinas, onde a presença de um monarca ausente e apartado de seus súditos por um oceano ou dois de distância precisava ser representada 573. Como afirmamos no início do capítulo, o principal contato da Câmara com o direito e com as políticas régias se dava pela mediação dos representantes da Coroa na América. No caso de Pernambuco, os governadores e os ouvidores-gerais.

Não encontramos, por exemplo, delegações feitas diretamente às câmaras da Capitania à semelhança das que eram feitas aos concelhos reinóis. Essas delegações costumavam ser colocadas nas mãos desses representantes, principalmente dos governadores, que, por seu turno, as compartilhavam com os poderes locais, como no recolhimento do Dote para o Casamento da Rainha de Inglaterra e Paz com Holanda 574. Mesmo as ordens régias chegavam primeiro à Olinda (pelo porto do Recife) e de lá se encaminhavam às outras vilas, conforme a natureza e a necessidade.

O registro de ordens régias no Livro de Vereações da Câmara de Alagoas do Sul, entre os anos de 1668 e 1680, revela que elas eram recebidas com pouca frequência, pois durante esses doze anos, apenas três ordens régias foram registradas – respectivamente em 1672, 1677 e 1679 575. Essas ordens poderiam ser arbitrariamente enviadas pelo governo da Capitania à Câmara, como as pragmáticas enviadas em 1677 e 1679, ou serem requisitadas por algum morador para fins de registro.

Em 1672, por exemplo, Tomé Dias de Souza, cavaleiro da ordem de Santiago e senhor do Engenho Nossa Senhora da Ajuda, requereu ao ouvidor-geral da Capitania que lhe entregasse a cópia de uma ordem régia, trasladada nas atas da câmara de Olinda, que dava privilégios aos senhores de engenho para não serem executados em “suas fábricas”, para efeito de registrá-la na câmara de Alagoas do Sul. O ouvidor, residindo

572

Idem. "Os nobres da governança das terras". In. MAGALHÃES, Op. Cit. p. 44. 573

Um oceano (o Atlântico) quando se considera o Complexo Atlântico, dois oceanos (o Atlântico e o Índico) quando se leva em consideração o Estado da Índia.

574

Como constatou Charles Boxer: “the Crown on the one hand, and the colonial governors on the other, often relied on them [the municipal councils] to raise and administer funds for a wild variety of purposes (...)”. BOXER, Charles R. Portuguese society in tropics. Madison: The University of Wisconsin Press/ Madison and Milwaukee, 1965.p. 141.

575

em Olinda naquele momento, solicitou à câmara da cidade que enviasse uma cópia da tal ordem para Alagoas do Sul a fim de que fosse registrada pela vereança.

Este seria o caminho “descendente” da comunicação política da Coroa com a vila e, sendo ela tão ocasional, entrevemos que essa relação costumava ser mediatizada pelo governo da Capitania. Cabe investigar, a seguir, o caminho “ascendente”, isto é, o das cartas que a Câmara enviava diretamente à Coroa.

Para Maria Fernanda Bicalho, a comunicação das câmaras das cidades coloniais com a Coroa teria dado as condições para o exercício da governabilidade régia sobre os longínquos territórios ultramarinos. Além disso, teria possibilitado certa aproximação entre os súditos e a administração central. A frequência com que as edilidades “recorreram diretamente à arbitragem régia para a resolução de problemas e conflitos domésticos, confirma que seu isolamento - devido à grande distância que as separava da Metrópole, e em ultima instância do Rei - era menor do que muitas vezes se supõe” 576. A autora completa:

“Nesse vai e vem de reclamações e informações a Coroa podia, por intermédio de uma ampla visão dos diferentes argumentos e das perspectivas contrastantes, administrar sabiamente os conflitos, além de melhor governar a colônia” 577.

Essa posição é respaldada pela perspectiva de Ronald Raminelli que enxerga a grande circulação de cartas entre o reino e o ultramar como uma cadeia de informações responsável por aproximar a administração central das realidades americanas. Assim, o “mundo colonial era decodificado e transformado em papel para ser enviado ao núcleo administrativo” 578.

A perspectiva desses autores é válida, sobretudo, se tomamos o mundo português como um todo ou se consideramos a comunicação que as câmaras dos maiores centros populacionais da América Portuguesa mantinham com a Coroa, pois, o “vai e vem” de cartas entre as pequenas vilas e a Coroa assumia ritmos muito mais lentos e inconstantes.

Basta fazer uma comparação simples, a partir dos Catálogos de Documentos Manuscritos Avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino, para perceber essa diferença.

576

BICALHO, Maria Fernanda. Fronteiras da negociação: as câmaras municipais na América Portuguesa e o poder local. In: Anais do XX Simpósio Nacional da ANPUH. História: fronteiras. Florianópolis, 1999. p. 481.

577

Idem, ibidem, p. 482. 578

RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e o governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008. P. 20.

Se a câmara de Olinda enviou mais de 211 cartas ao Conselho, ao longo dos séculos XVII e XVIII, a câmara de Alagoas do Sul, no mesmo período escreveu apenas nove (e mesmo assim, quatro foram escritas num único ano, 1732), o que corresponde a menos de 5% do total da primeira 579.

As primeiras cartas da vereança começaram a ser enviadas ao Conselho Ultramarino na última década do século XVII. A primeira delas, de 1695, trazia uma queixa acerca do procedimento do ouvidor-geral da Capitania, José de Sá Mendonça. Indo o ministro àquela vila em correição, recusou-se a ordenar o pagamento dos salários do escrivão da câmara, do alcaide, do escrivão da alcaidaria e do carcereiro, ordenando aos oficiais que pagassem dos próprios rendimentos da câmara e caso isso não fosse possível, solicitassem o pagamento dos mesmos ao monarca. O Conselho Ultramarino, enxergando a situação ordenou que se consultasse o então ouvidor da Capitania, o bacharel Inácio de Moraes Sarmento, para que desse seu parecer. Infelizmente, o estado de conservação da resposta deste ministro é lastimável, não sendo possível identificar sua posição na referida matéria. Contudo, por meio do resumo do documento, sabemos que o Conselho deu parecer favorável ao requerimento dos oficiais, ordenando que os salários fossem pagos pela Provedoria da Real Fazenda580.

Se esta primeira carta tratou de apenas um assunto, outras acabaram se referindo a mais de um. Este é o caso da segunda carta, endereçada ao Conselho em maio de 1699. Os oficiais a iniciam com a apresentação dos velhos “topos” do discurso restaurador581. Afirmando serem “obrigados do zelo de leais vassalos de Vossa Majestade”, advogavam, “por parte deste povo o grande valor e lealdade com que se tem havido em todas as ocasiões, desde as guerras holandesas, até as presentes dos negros levantados [dos Palmares]” empenhando-se todos “no Real Serviço com

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Catálogos de Documentos Manuscritos Avulsos referentes às Capitanias de Pernambuco e de Alagoas existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. Ressaltemos que o número total de cartas foi obtido de forma grosseira, no caso da Câmara de Olinda, por onde se pesquisou apenas as cartas enviadas ao Conselho, sem considerar as consultas que foram dadas em resposta às cartas, que poderiam, certamente, aumentar esse quantitativo. O fato é que um estudo pormenorizado da comunicação política das câmaras de Pernambuco (e das capitanias do norte do estado do Brasil) com o Conselho Ultramarino ainda precisa ser publicado.

580

Para ver o caso, consultar: CARTA dos oficiais da câmara da vila das Alagoas ao rei [d. Pedro II] sobre os salários devidos ao escrivão, alcaide e seu escrivão, porteiro e carcereiro da mesma câmara, que o ouvidor geral de Pernambuco, o dr. José de Sá Mendonça em correição naquela vila duvidou dar-lhes. AHU, Alagoas Avulsos, cx. 1, d. 4 (25 de Abril de 1695) e CARTA do ouvidor-geral da capitania de Pernambuco, Inácio de Moraes Sarmento ao rei [D. Pedro II] sobre seu parecer acerca dos requerimento dos oficiais da Câmara da vila de Alagoas. AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 17, d. 1721. (13 de maio de 1697).

581

MELLO, Evaldo Cabral. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ª ed. revista. São Paulo: Alameda, 2008. p.92.

dispêndios grandiosos de suas fazendas, e perdas de suas vidas”, buscando “em remuneração” de tantos serviços “os prêmios de que necessitam pera sua conservação e aumento do Real Serviço” 582.

É interessante explorar um pouco da maneira como se articula o discurso dos oficiais no início da carta. Notamos que as cartas que eram endereçadas ao rei (por meio do Conselho Ultramarino) tinham um tom de discurso diferente dos atos cotidianos da vereança, cuja finalidade principal estava voltada a registrar a atividade da câmara, assumindo mais a característica de uma súplica feita por devotos e leais súditos a um monarca que, na cultura política da época, era entendido como a fonte suprema da liberalidade, da justiça e da graça 583. O discurso da lealdade aparece, então, para reivindicar o pertencimento ao conjunto político mais amplo que era a monarquia portuguesa.

A reprodução do discurso restaurador, forjado pela Câmara de Olinda “desde 1651, ainda em plena guerra”, invocava o “papel exercido pela açucarocracia na liquidação do domínio holandês, apresentada como realização sua” 584 sem o adjutório da Real Fazenda. Guerra com a qual os vassalos tiveram de arcar à custa de seu próprio “sangue, vida e fazenda”, sendo mais do que legítimo, para essa nova elite, que os cargos lhes fossem reservados e que suas solicitações de privilégios fossem atendidas. À reivindicação desse discurso restaurador, os edis somavam a participação do “povo” da vila na guerra contra Palmares, feita sob as mesmas condições que a restauração: quase sem auxílio da Real Fazenda, portanto digna de ser arrolada enquanto mais um leal serviço ao monarca.

Ao apresentar os serviços prestados, os suplicantes criavam a expectativa de serem atendidos. Expectativa esta com a qual o monarca estava antidoralmente comprometido 585. Serviço e mercê constituíam uma cadeia quase inquebrável de pactos políticos que uniam os vassalos ultramarinos à administração central da monarquia. A prestação de serviços era feita, sempre, visando alguma espécie de remuneração. A

582

AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 18, d. 1829, fl. 3. 583

GANDELMAN, Luciana. “As mercês são cadeias que não se rompem”: liberalidade e caridade nas relações de poder do Antigo Regime português. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima S. (orgs.) Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino da história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p. 109-126.

584

MELLO, Op. Cit. p. 92. 585

Isto é, ele tinha a “quase obrigação” de retribuir os serviços prestados por seus súditos. Ver o estudo clássico de Bartolomé Clavero, bem como sua adaptação ao caso português: CLAVERO, Bartolomé. Antidora. Antropologia católica de la economia moderna. Milão: Giuffre, 1991; HESPANHA, Antonio Manuel e XAVIER, Ângela Barreto. As redes clientelares. In: HESPANHA, Op. Cit.,1993, p.381.

forma como essa remuneração era feita pela Coroa nem sempre agradava aquele que prestara o serviço, o que o fazia ir à busca de prestar cada vez mais serviços para alcançar mais mercês 586. Por isso, a “não remuneração” poderia resultar em insatisfação por parte dos súditos e, consequentemente, trazer consequências desastrosas à governabilidade do mundo português 587.

Os “prêmios” protestados pelos edis constituíam o atendimento a quatro súplicas, expressas na mesma carta. Uma delas apresentava a falta que fazia um segundo Tabelião na vila, para a “melhor administração das justiças”, pois o único existente também servia de “escrivão dos órfãos” e quando “sucede sair fora perecem” os habitantes do desserviço 588. Sem ter informações suficientes para deliberar sobre a matéria, o Conselho resolveu pedir ao governador da Capitania, Fernão Martins Mascarenhas de Lencastro, que emitisse o seu parecer, sendo este positivo, pois era “convenientíssimo [sic] criar-se mais um ofício de tabelião” 589.

As queixas da Câmara acerca dos procedimentos dos capitães-mores foram feitas aos governadores da Capitania, aos ouvidores e, desta vez, figura como mais uma das súplicas feitas ao Conselho na carta de 1699. A vereança rogava pela “conveniência que o povo desta capitania [das Alagoas] alcançará” se o monarca fosse servido “reparar as injustiças, e potências” que os povos vivenciavam por ser o posto de capitão-mor

586

Essa lógica foi descrita para o caso da América Espanhola por John Elliott. ELLIOTT, John. A conquista espanhola e a colonização da América. In: BETHEL, Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina Colonial. Vol.I. São Paulo: EDUSP, 2008. p. 179.

587

HESPANHA, António Manuel. Por que é que foi “portuguesa” a expansão portuguesa? Ou o revisionismo nos trópicos. In: SOUZA, Laura de Mello e; FURTADO, Júnia Ferreira e BICALHO, Maria Fernanda (orgs.). O governo dos povos. São Paulo: Alameda, 2009. p. 53.

588

Mais de dez anos antes, em1685, o ouvidor-geral da Capitania, Dionísio de Ávila Vareiro, fora consultado pelo Conselho Ultramarino acerca da criação do mesmo cargo, dizendo que não lhe parecia “ser conveniente esta nova criação”, pois na correição que fizera na vila, no ano de 1682, constatara “o quanto era tênue o rendimento do único oficial que nesta vila há” e se fossem dois, “não teriam onde se sustentar, razão por que usariam os meios [mais] que ilícitos”. Além disso, Vareiro alegava que o proprietário do cargo, Barnabé do Couto Lemos, “tem muitos filhos” necessitando dos rendimentos do cargo para sustentá-los. A consulta de Ávila Vareiro não deve ter sido dada em vão. É provável que ela seja uma resposta a uma carta dos edis solicitando o referido cargo, que seria a primeira, provavelmente. No entanto, por não encontrarmos menção a esta carta, não a consideramos como sendo a primeira. CARTA do [ouvidor-geral da capitania de Pernambuco], Dionísio de Ávila Vareiro, ao rei [D. Pedro II], sobre a criação do ofício de tabelião do Público Judicial de Notas para a vila de Santa Maria Madalena, das Alagoas do Sul. AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 13, d. 1328, fl.1. (08 de agosto de 1685).

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CARTA do governador da capitania de Pernambuco, Fernão Martins Mascarenhas de Lencastro, ao rei [D. Pedro II], sobre a carta dos oficiais da Câmara de Alagoas do Sul, acerca do mestre-de-campo Domingos Jorge Velho e da necessidade da criação de outro ofício de tabelião. AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 18, d. 1829, fl. 1v. (25 de setembro de 1700).

concedido em propriedade 590, requerendo que eles servissem em triênios recebendo uma residência “de seu procedimento” por parte dos ouvidores ao final do mandato.

Da mesma forma, o Conselho ordenou ao governador que emitisse o seu parecer. Quanto à trienalidade do posto, Mascarenhas de Lencastro reconheceu que a súplica tinha “razão e justiça” e, assim, “pode vossa majestade ordenar que este seja por patente na forma que se pratica com o Rio de São Francisco” 591. E quanto à residência, ao final do mandato, julgava ser necessária “não só a este, mas [a] todos, porque todos necessitam de semelhante remédio” ordenando aos ouvidores que “tomem de três em três anos conhecimento devassamente do seu procedimento, porque estes capitães- mores, senhor [Rei], continuam e se perpetuam nos erros com os postos, sem se esperar deles emenda, por não temerem o castigo” 592. Mais uma vez, entrevemos que os conflitos de jurisdição entre as autoridades locais conferem protagonismo ao oficialato periférico e à própria Coroa, reconhecendo-lhes uma importância que, se não era vivenciada no cotidiano das atividades de governo, acaba se tornando indispensável em situações como esta.

Se a vinda do mestre de campo Domingos Jorge Velho para aniquilar aquilo que restou dos mocambos dos Palmares foi recebida com satisfação nos primeiros anos em que o Terço esteve nas cercanias da vila, não tardaram a aparecer problemas e conflitos entre os moradores e os paulistas do terço. As principais queixas surgiram no período posterior à destruição do mocambo da Serra da Barriga, principalmente no que concerne à remuneração daqueles que participaram no conflito.

A concessão de terras em remuneração aos vencedores caracteriza-se como um dos principais temas dos atritos entre as duas partes. De um lado, os paulistas e as promessas feitas pelos governadores de Pernambuco de que todas as terras seriam distribuídas aos soldados do Terço. De outro, as elites locais que, pela tradição e participação no conflito, arrogavam para si a posse das terras conquistadas. Para que se veja que os paulistas foram os maiores beneficiados com as terras conquistadas, basta olhar os quatro volumes dos Livros de Sesmaria publicados pelo Arquivo Público

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Ao menos, é isso que os edis alegam na súplica. Na verdade, o posto de capitão-mor não era concedido em propriedade, mas acontecia de alguns ficarem mais do que três anos no exercício do cargo, só o entregando pela idade avançada ou por motivo de doença. Nesse aspecto, vale conferir as cartas patentes que desde 1654 eram concedidas aos capitães-mores da vila. Segundo Livro de Vereações... fl. 63-64, 112-113.

591

Idem, ibidem. 592

Jordão Emerenciano e constatar que a maior parte das sesmarias foi concedida aos veteranos do Terço de Domingos Jorge Velho 593.

Essa oposição entre a “nobreza” de Alagoas do Sul e os paulistas em finais do século XVII e início do XVIII, pode ser evidenciada em um dos requerimentos da mesma carta. Para os edis, o monarca premiara o Mestre de Campo, sem estabelecer a “divisão das terras em que se avia de situar”, e era conveniente ao “povo” que elas fossem concedidas senão a dez léguas para fora das cabeceiras da vila, exatamente “naqueles mesmos lugares que o negro dominava” por ser conveniente ocupá-los para que não se formassem mais mocambos e, ao mesmo tempo, pudessem “os moradores aproveitar as cabeceiras de suas situações, tanto para conservação sua como para os lucros da Fazenda Real” possibilitando sua tão merecida remuneração, justificada pela “aplicação” e “dispêndios” com que se empenharam no conflito 594.

Com relação a essa matéria, Mascarenhas de Lencastro emitiu um parecer neutro, pois “desejando mediar nas controvérsias que tem os povos e a nobreza daquele distrito contra os paulistas”, reconhecia duas vontades opostas: os primeiros pretendendo afastar os paulistas “de sua vizinhança” e estes, por sua vez, desejando “chegar-se mais perto do litoral”. E “ouvindo uns e outros” resolveu não “tomar a ultima resolução por julgar a todos apaixonadíssimos, compelidos e animados das resoluções da própria conveniência” 595. Protelando a situação por mais algum tempo, avisou ao monarca que resolveu enviar “dois cabos que já assistiram naquela guerra com excelente prática no país, e que não tem parentes nem conveniência nele” e valendo-se de sua “independente informação possa informar a vossa majestade com a verdade que devo e costumo”. Não se sabe, contudo, a resolução final do caso, já que não se pôde encontrar qualquer outro parecer do governador nesta matéria.

O que se sabe é que quando Duarte Sodré Tibão demonstrou a intenção de reduzir o contingente de homens no “presídio do Palmar”, em 1730, os oficiais endereçaram outra carta ao monarca protestando da decisão, afirmando que “este terço,