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CAPÍTULO 1. DE POVOAÇÃO À VILA

1.2 Repercussões da Guerra e a Ocupação Neerlandesa

A ocupação neerlandesa alteraria significativamente o equilíbrio social do poder na povoação da Madalena. Os invasores chegaram a Pernambuco em fevereiro de 1630 e ao final do mesmo ano Olinda e o Recife já se encontravam conquistados. Durante os dois primeiros anos da guerra, os colonos luso-brasílicos organizaram a resistência nas

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FRAGOSO, João. Introdução: Monarquia pluricontinental, repúblicas e dimensões do poder no Antigo Regime nos trópicos: séculos XVI-XVIII. In: ______. e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad, 2012. p. 16.

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HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal século XVII. Coimbra: Almedina, 1994.p. 64-65.

cercanias dessas povoações através do estabelecimento de um Arraial e de vários Postos Avançados, encetando a estratégia que Cabral de Mello chamou de “Guerra Lenta” 121. Essa estratégia, que já havia sido empregada na Bahia durante o cerco de 1625, consistia na formação de uma linha de defesa ao redor do Recife e de Olinda que deveria impedir os invasores de se apossarem das terras no interior, ao mesmo tempo em que serviria de base para diversos movimentos cotidianos voltados a sabotar e desgastar as forças neerlandesas. Esse cerco seria mantido até que uma frota viesse e bloqueasse o Recife pelo lado do mar, colocando, portanto, o inimigo em duas frentes e forçando-o a capitular 122.

Um dos autores alagoanos que melhor sintetizou as repercussões da Guerra contra os neerlandeses no Sul de Pernambuco foi Adriano Araújo Jorge. Suas afirmações, apesar de se referirem ao território como sendo “alagoano”, são bem fundamentadas nas crônicas da época, especialmente nas “Memórias Diárias” de Duarte de Albuquerque Coelho. O Sul de Pernambuco, especialmente as Lagoas, se destacaria por ser o espaço privilegiado para o desembarque de tropas, munições e mantimentos vindos de Portugal e da Bahia, além de ser “em grande parte, fornecedor de gado e de gêneros alimentícios” 123.

Entre 1632 e 1634124, os neerlandeses, aproveitando-se da significativa superioridade de sua frota, começaram a promover excursões ao litoral e aos rios das Capitanias do Norte, realizando saques e procurando impedir a os contatos do exército luso-hispano-brasílico com reforços vindos da Bahia e de Portugal. Para a Madalena, o principal impacto desse período foi um saque realizado em 1633 por tropas neerlandesas, guiadas por Domingos Fernandes Calabar, que resultou na queima de canaviais, de casas e da igreja matriz da vila 125.

Entre os anos de 1633 e 1634 capitularam as Capitanias de Itamaracá, do Rio Grande e da Paraíba, mas, só em 1635, quando da rendição do Arraial do Bom Jesus e do Cabo de Santo Agostinho, é que a posição da WIC passou a estar mais assegurada em Pernambuco. Quando esse último reduto foi tomado pelos invasores, Duarte e

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MELLO, 1975, Op. Cit. p. 21-22. 122

Idem, p.21-51. 123

ARAÚJO JORGE, Adriano Augusto de. A guerra hollandeza sob o ponto de vista de suas repercussões sobre o território das Alagoas. In: RIHGAL, v. III, nº 1, Maceió, 1901. p. 33-34. Ver também, COELHO, Duarte de Albuquerque. Op. Cit. p. 113.

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Evaldo Cabral de Mello caracteriza esse período como sendo a “Ruptura do Impasse” ao qual os neerlandeses estavam submetidos.

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Para uma descrição detalhada, e bem embasada nas Crônicas de época, acerca das repercussões da guerra no Sul de Pernambuco, ver: ARAÚJO JORGE, Idem. p. 113.

Matias de Albuquerque promovem a fuga de vários habitantes para o Sul, evacuando as povoações do Cabo e de Serinhaém e fazendo de Porto Calvo um baluarte para operar ataques às guarnições neerlandesas. Entre 1635 e 1637, o Sul de Pernambuco passou a ser um dos principais palcos da guerra: de lá partiam diversas excursões para saquear e destruir os engenhos que estivessem no território já dominado pelo invasor 126. Com a evacuação, e com a intensificação dos conflitos, a região tornou-se um espaço privilegiado de manobras militares, adquirindo importância estratégica fundamental. Nesse contexto, o quarto donatário, Duarte Coelho de Albuquerque, elevou as povoações de Bom Sucesso do Porto Calvo, Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul e Penedo do Rio São Francisco à categoria de vilas “dando-lhes termo e jurisdição, os poderes e privilégios” em abril de 1636 127.

A falta de referenciais claros de demarcação e de aparatos tecnológicos precisos para este fim, somados às urgências da guerra, fazia com que os acidentes geográficos e, principalmente, os rios servissem para delimitar as circunscrições jurisdicionais da cada vila 128. Apesar de não termos encontrado os autos de demarcação de Alagoas do Sul, as menções feitas a eles, nos séculos XVII e XVIII, indicam que o termo da vila tinha 45 léguas pela costa e principiava no rio Sapucaí, pela parte norte, e findava no rio Jequiá, na parte sul, encontrando-se, respectivamente, com os limites das vilas de Porto Calvo e do Penedo 129.

Modificar o estatuto jurídico dessas localidades não quer dizer, necessariamente, dotá-las instantaneamente das instituições que podem existir numa vila. Nesse caso, ao elevar a povoação de Alagoas do Sul à categoria de vila, o capitão-donatário provavelmente não teve tempo de fazer com que se instituísse nela uma câmara. Chegamos a esta conclusão com base na informação de um oficial neerlandês, Adriaen van der Dussen. Ao relatar o estado das Capitanias Conquistadas ao Conselho dos XIX, em 1638, ele afirma que antes a Capitania de Pernambuco se dividia em quatro jurisdições, Olinda, Igarassu, Serinhaém, cada uma com sua respectiva Câmara, e a quarta jurisdição “que nunca teve câmara, sendo dirigida pro libitu do mais poderoso do lugar, começa ao sul da jurisdição de Serinhaém e se estende até o Rio de São

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MELLO, 2010, Op. Cit. p.152-157. 127

COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil (1630-1638). Recife: Fundarpe, 1944, p. 236. Apud: LUCIANI, 2012, Op. Cit. p. 130.

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OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Brasília: EMBRASA, 1971. 129

Auto de Correição que fez o Ouvidor Doutor Lino Camello na Villa de Santa Maria Magdalena Lagoa do Sul em 1677. In: 2º Livro de Vereações da Câmara de Alagoas do Sul (1668-1680). Arquivo do IHGAL 00006-01-02-01, e “Ideia da População de Pernambuco e de suas anexas. In: ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro: BN, Volume 40, 1918. p. 56.

Francisco” 130. Mesmo que encare o Sul de Pernambuco como uma única jurisdição, ele distingue quatro espaços: “Penedo, Alagoa do Sul, Alagoa do Norte (cada uma com uma povoação ou aldeia), e povoação do Porto do Calvo. Além de outras povoações menores e lugarejos” 131.

Mesmo que houvesse funcionado qualquer forma de representação da comunidade política local sob a dominação lusitana, ela teria atuado por cerca de um ano já que, em 1637, as forças lideradas por Maurício de Nassau conquistaram todo o sul de Pernambuco, expulsando as tropas que lutavam pelo Rei Católico em direção à Bahia 132.

Portanto, é coerente afirmar que o período da ocupação neerlandesa no Sul de Pernambuco coincide quase que perfeitamente com o governo de Maurício de Nassau (1637-1644), já que ele se inicia com a vitória deste sobre Bagnuolo e se finda com o movimento de Restauração, iniciado em 1645. Evaldo Cabral de Mello associa o período nassoviano a “um interregno de paz relativa entre dois períodos de guerra, tornando-se destarte uma espécie de Idade de Ouro do Brasil Holandês” 133. Todavia essa “paz” é somente muito relativa, já que o próprio Conde promoveu ataques à Luanda, à Sergipe d’El Rey, à Bahia e até ao Chile. Além desses ataques, podemos citar diversos conflitos que inquietaram boa parte dos habitantes, dentre eles: a “passagem” de Luís Barbalho em 1640 134; a Armada do Conde da Torre; as diversas queixas dos habitantes do Sul de Pernambuco a respeito das razias dos palmaristas 135; as queixas dos habitantes das Capitanias da Paraíba e do Rio Grande a respeito das relações instáveis com os índios genericamente denominados de Tapuias 136; e, por fim, as revoltas no Maranhão e no Ceará.

O saque de 1633 e a evacuação de 1637 devem ter fomentado um intenso movimento de fuga dos habitantes das Lagoas do Norte e do Sul para a Bahia. A “passagem” de Luís Barbalho e o temor causado pela Armada do Conde da Torre, em 1640, levaram as autoridades neerlandesas a promover a estratégia de “terra arrasada”

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Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias conquistadas... Op. Cit. p. 80. 131 Idem, Ibidem. 132 MELLO, Idem, p. 157. 133 Idem, Ibidem, p. 163. 134

Na verdade, a retirada de Luís Barbalho para a Bahia, quando incendiou diversos canaviais e levou ainda mais moradores a retirarem-se da Capitania. Idem, ibidem, p. 197.

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Cf. Nótulas Diárias do Alto Conselho no Brasil. Manuscritos de José Hygino (1635-1645) e traduções de Pablo Galindo, Judith de Jong e Anne Brockland. Nótulas de 26 de Fevereiro de 1638 e 08 de Fevereiro de 1641.

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na povoação da Lagoa do Sul 137. Quando Adriaen van Bullestrate esteve na localidade, no início de 1642, constatou que ela ainda se encontrava “inteiramente incendiada e destruída” 138. Tal atitude contribuiu ainda mais para o despovoamento dessas duas localidades, estimulando o abandono de determinados espaços e a concentração do povoamento em outros. Esse é o caso da parte setentrional da Lagoa do Sul que, segundo o relatório de Johannes Walbeeck e de Hendrick van Moucheron, de 1643, estava “inculta e deserta, porquanto os poucos moradores que ali ficaram depois da guerra se transportaram para a parte do sul, onde fizeram assento, e se acham mais seguros dos negros dos palmares, porque aí permanece nossa guarnição” 139. Com isso, o aglomerado populacional passou a se concentrar na parte meridional da Lagoa do Sul, onde está a freguesia de Nossa Senhora da Conceição. O mesmo se passava na Lagoa do Norte, onde “todas as terras estão vagas e inteiramente incultas” 140, sobrando apenas alguns moradores que, mesmo assim, residiam na parte meridional dessa Lagoa. Esse movimento contribuiria, em longo prazo, para o crescimento da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, isto é o núcleo “urbano” da Vila de Alagoas do Sul, consolidando sua centralidade em relação às outras freguesias de Santa Luzia do Norte e de São Miguel.

Se durante a Guerra de Resistência (1630-1637) as povoações do Sul (dentre elas a Lagoa do Norte e a Lagoa do Sul) se caracterizavam como importantes fontes de suprimentos, a evacuação de 1637 e a fuga de 1640 fizeram com que vários habitantes se retirassem para a Bahia, abandonando lavouras, gado, atividades pesqueiras e, consequentemente, interrompendo o comércio de mantimentos com o Recife. A interrupção desse fornecimento logo se fez sentir entre a população do burgo nassoviano, fazendo com que os primeiros anos do governo de Mauricio de Nassau fossem marcados por uma crise de abastecimento no Recife e em Luanda – quando esteve sob a posse dos flamengos (1640-1648). De acordo com Gaspar Barléus, o Alto Conselho acreditava não haver “outro remédio para tal carestia senão a diligente cultura

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Adriaen van Bullestrate atribui a responsabilidade deste episódio ao Comandante Malburgh, responsável por responder às ações dos campanhistas de 1640.

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BULLESTRATE, Adriaen van. "Notas do que se passou na minha viagem desde 15 de dezembro de 1641 até 24 de Janeiro do ano seguinte de 1642". In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês vol. II: A administração da conquista. Recife: CEPE, 2004.p. 170.

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WALBEECK, Johannes van e MOUCHERON, Hendrick de. "Relatório sobre o estado das Capitanias Conquistadas no Brasil, apresentado pelo senhor Adriaen van der Dussen ao Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdã, em 4 de abril de 1640". MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês vol. I: A economia açucareira. Recife: CEPE, 2004.p.125-126.

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das terras em Alagoas” que abastecia o Recife de gêneros alimentícios 141. Nesse sentido, o repovoamento das Lagoas aparecia como solução para suprir tanto o Recife, quanto Luanda, os dois eixos estratégicos do Complexo Atlântico, controlados pela Companhia das Índias Ocidentais durante quase toda a década de 1640.

Diante do interesse dos habitantes (tanto das Lagoas quanto de fora delas) para que essas terras fossem repovoadas o Alto Conselho lançou, em 1642, um edital incentivando as pessoas a se estabelecerem nelas. Nos seis itens do edital constam: a nomeação de um Diretor para o distrito, que se responsabilizaria pela distribuição das terras; a suspensão do cargo de Escolteto nos primeiros anos, pelas muitas queixas que os moradores fizeram deles; a isenção “sobre todo encargo e imposição por tempo de quatro anos, excetuados os que recaem sobre a pesca e os açúcares” 142; o estabelecimento de preços fixos para o frete de mercadorias para o Recife; o deslocamento da guarnição do Engenho Velho para as povoações da Lagoa do Norte e do Sul “para maior segurança dos moradores contra os ataques e roubos dos negros dos Palmares” 143; e a garantia de todo o auxílio das autoridades da Companhia para o aproveitamento das terras144.

O terceiro item é o que melhor reflete os interesses econômicos do Alto Governo sobre a localidade: ao prever a isenção de todos os encargos, exceto os do açúcar, estimulavam o aproveitamento da terra com outros gêneros, e não isentando os que incorrem sobre o pescado estavam, provavelmente, visando os lucros que poderiam advir dessa atividade para a companhia. Entretanto, devemos levar em conta que esse edital só foi lançado em 1642, isto é, depois de quase cinco anos da presença neerlandesa na vila, refletindo, portanto, certos problemas ligados aos cinco primeiros anos da ocupação. O segundo e o quinto item do edital parecem representar respostas do Alto Governo a esses problemas.

Comecemos pelo quinto. A vulnerabilidade das duas povoações aos Mocambos dos Palmares (mesmo que seja motivo de preocupação aos colonizadores desde os finais do século XVI) aparece como uma das principais queixas dos moradores ao Alto Conselho desde o início da ocupação. Diziam eles que os palmaristas “eram tão fortes [e] destemidos que eles amarravam os moradores dentro de suas casas feriam-lhes

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BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1979, p. 259. Apud: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês: A administração da conquista. v.II Recife: CEPE, 2004, p. 113. 142

Apud: MELLO, Idem. p. 114-115. 143

Idem, ibidem. 144

incendiavam as casas e levavam seus negros, de modo que nesta freguesia mais de 140 foram seqüestrados” 145. Além da violência e da falta de segurança, o sequestro de cativos aparece como uma das preocupações mais relevantes, já que minava as bases daquela sociedade escravista e, nesse período, em crise de fornecimento de cativos africanos 146.

O quinto item do edital nos encaminha para a compreensão das instituições políticas neerlandesas na vila. A Câmara de escabinos de Lagoa do Sul começou a funcionar, ao que tudo indica, em junho de 1638 147. Não se tratava de um “transplante” de qualquer modelo administrativo já que, de acordo com Fernanda Luciani, nas Províncias Unidas, os Conselhos Municipais não possuíam uma característica uniforme, variando segundo adaptações regionais.

O modelo da “Câmara de Escabinos”, só foi experimentado a partir de 1637, de acordo com as instruções passadas a Mauricio de Nassau. A princípio, a intenção do Conselho dos XIX era de que essa instituição funcionasse como um tribunal de primeira instância148mas, na prática, as “funções das câmaras de escabinos no quadro da organização administrativa ultrapassavam as obrigações de um simples tribunal de justiça, como havia sido estabelecido a princípio” 149. Mas, da mesma maneira que nas outras experiências de colonização neerlandesas, a câmara de escabinos foi fruto da adaptação entre as estruturas políticas preexistentes à invasão 150 e as condições determinadas pela WIC e seus representantes. Assim, “não apenas as atribuições das Câmaras de Escabinos foram sendo modificadas ao longo de sua existência, como também, ao darem início aos trabalhos, seus oficiais não tinham definidas as normas que deveriam seguir” 151.

O sistema de eleição dessa instituição era feito em três graus: primeiro, o Conselho Político (a partir de 1640, o Conselho de Justiça, como vimos) ou os Diretores de cada distrito, escolhiam “de vinte a trinta homens entre as pessoas mais qualificadas de cada jurisdição para formarem o grupo de eleitores que, durante toda sua vida, seriam

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Nótulas Diárias... Nótula de 26 de Fevereiro de 1638. 146

PUNTONI, Pedro. A mísera sorte: escravidão Africana no Brasil Holandês e as Guerras do Tráfico no Atlântico Sul (1621-1648). São Paulo: HUCITEC, 1999.

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LUCIANI, Fernanda Trindade. Munícipes e escabinos: poder local e guerra de restauração no Brasil Holandês (1630-1654). São Paulo: Alameda, 2012.p. 132.

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Posição defendida, por MELLO, 2002, Op. Cit.p. 151. 149

LUCIANI, Op. Cit. p. 150. 150

Entre 1630 e 1637, os neerlandeses preservaram as Câmaras de Vereadores aonde elas existiam, administrando-as de acordo com os costumes e práticas políticas lusitanas.

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os responsáveis por nomear representantes civis.”; esses eleitores deveriam elaborar “uma lista tríplice com 6 ou 9 nomes, dependendo da quantidade de membros da sua respectiva câmara dentre os quais o governador e o Alto Conselho escolheriam os escabinos" 152. Além disso, as normas de eleição exigiam que metade deste conselho municipal fosse composto de oficiais holandeses, mesmo que isso não tivesse sido possível na maioria dos anos da ocupação 153.

Na prática, não foram poucos os problemas de funcionamento da câmara de escabinos, dentre eles, podemos apontar: a dificuldade de encontrar holandeses para ocupar os cargos, principalmente nos lugares mais distantes de Maurícia; a diferença de língua entre os portugueses e neerlandeses; a falta de conhecimento do direito processual neerlandês, por parte dos oficiais portugueses e a falta de vontade em aprendê-lo. Em várias delas, como nas de Porto Calvo, Lagoa do Sul e Penedo, os oficiais brigavam entre si e não chegavam a reunir o conselho 154.

Apesar desses problemas, Luciani destaca que: “não consta em nenhum dos documentos trabalhados [por ela] pedidos de extinção da Câmara, a intenção é sempre ampliar as atribuições e rendas do órgão, talvez para aproximá-lo do modelo de administração local que esses oficiais luso-brasileiros conheciam”, isto é, o da câmara de vereadores155. Contudo, os escabinos luso-brasílicos tiveram suas intenções frustradas nessa aproximação, afinal, o sistema de eleições permaneceu o mesmo estabelecido por Nassau em 1637, bem como algumas das atribuições do órgão, que não chegava a permitir, por exemplo, um amplo controle sobre as finanças locais.

No entanto, em Alagoas do Sul, por não haver Câmara no ante bellum, podemos inferir que a Câmara de escabinos assumiu, em partes, a jurisdição do antigo juiz de vintena e do alcaide-mor, resultando em um modelo administrativo ainda não experimentado na localidade. A experiência dos escabinos pode ser pensada como o primeiro contato da vila com algum modelo de administração municipal.

Se as normas de eleição exigiam que metade da Câmara de escabinos fosse composta por oficiais neerlandeses, isso não foi possível na maioria dos anos da ocupação. No caso da Lagoa do Sul, Luciani observou que nos anos de 1638, 1639 e

152 Idem, Ibidem, p. 143. 153 Idem, ibidem. p.148. 154

Cf.: “Relatório sobre a situação das Alagoas em Outubro de 1643, apresentado pelo assessor Johanes van Walbeeck e por Hendrick de Moucheron diretor do mesmo distrito e dos distritos vizinhos” e “Notas do que se passou na minha viagem desde 15 de dezembro de 1641 até 24 de Janeiro do ano seguinte de 1642”. In: MELLO, 2004, Op. Cit, v. II. pp.123-140.

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1640, não houve nenhum escabino neerlandês 156. Segundo a mesma autora, pelo menos 63% desses escabinos eram lavradores e 12% eram senhores de engenho 157, proporção inversa à da câmara de Olinda, na qual 68% dos escabinos eram senhores de engenho e quase 30% eram lavradores. Contudo, a proporção apresentada para Alagoas do Sul, baseia-se num grupo minúsculo: apenas oito indivíduos, entre neerlandeses e portugueses, que serviram na Câmara entre os anos de 1638 e 1641 158, o que não nos permite concordar com a afirmação da autora de que a totalidade dos escabinos pertenceria a uma elite açucareira 159.

Assim que a câmara dos escabinos começou a funcionar, foi nomeado para ela um Escolteto, oficial cujo provimento era feito pelo Alto e Secreto Conselho e que deveria ser, necessariamente, um neerlandês. A princípio, esse oficial deveria apenas presidir a Câmara, sendo responsável pela aplicação do direito neerlandês e por supervisionar o procedimento dos escabinos. Na prática, suas funções se estendiam a outras atividades, dentre algumas que pudemos identificar (especificamente para o