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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 Relacionamentos Interorganizacionais

Nesta seção são apresentados os resultados e discussões referentes às características dos relacionamentos interorganizacionais, capital social e raio de confiança na indústria calçadista dos municípios pesquisados.

2.2.1 Características dos Relacionamentos

Segundo Hall (1996), as relações interorganizacionais ocorrem entre organizações em redes e ambientes. Esses processos podem se dar por meio de três formas básicas, quais sejam: as parcerias diádicas, relacionamentos com a presença de uma agência focal e as redes interorganizacionais. Além dessas formas básicas, a literatura traz alguns exemplos de tipos de relações interorganizacionais como as redes, consórcios, associações comerciais, alianças, agências de voluntários, federações, joint ventures, joint programs, coalizões, cooperativas, interligações entre diretorias de empresas, agências financiadoras entre outras (OLIVER, 1990; HALL, 1996; MOL, 2001; RITTER; GEMUNDEN, 2003).

Conforme citado na seção anterior, existe em Franca mais de uma dezena de organizações com finalidades diferentes e que atuam de alguma forma no setor calçadista, como é o caso do Senai, que oferece programas de formação, e o Sindicato dos Fabricantes de Calçados, que atua na defesa de interesses de seus associados. A presença dessas organizações possibilita a existência de relacionamentos entre elas e os fabricantes de calçados, possibilitando as relações por intermédio de pequenas redes e agência focal.

A presença de relações diádicas não pôde ser confirmada pelo fato da maioria dos empresários manifestarem haver relacionamentos com outros fabricantes, o que poderia propiciar ligações entre mais do que dois fabricantes por intermédio de fornecedores, por exemplo.

Quanto aos relacionamentos com a presença de uma agência focal, alguns dos entrevistados citaram relações intermediadas pelo Sindicato dos Fabricantes de Calçados de Franca, como teria acontecido durante momentos de mudanças importantes na economia. Nessas ocasiões, o Sindicato teria servido de palco para a realização de discussões. Mais recentemente, o Sindicato também teria sido palco de uma reunião deliberativa sobre a definição do coordenador do arranjo produtivo calçadista de Franca, que contou com a presença de empresários, do Centro Universitário Uni-FACEF e do Sebrae. Registra-se que o Sindicato conta com a participação de aproximadamente 140 dos mais de 700 fabricantes de calçados de Franca.

Embora não tenham sido encontradas evidências formais, os relacionamentos em rede também ocorrem na indústria calçadista de Franca, considerando que os fabricantes locais muitas vezes se relacionam com os mesmos fornecedores, distribuidores e empresas concorrentes. Parte dos entrevistados declarou manter relacionamentos com fabricantes “amigos”, com os quais realizam eventuais empréstimos de equipamentos e principalmente de materiais. Em muitos casos essa declaração esteve acompanhada de frases como “aqui é cada um por si” e “é num grupo restrito”, demonstrando que as redes são estreitas quanto à quantidade de participantes. Com menor freqüência os entrevistados disseram que há trocas de idéias e informações. É possível perceber, também, que na maioria das vezes os relacionamentos ocorrem com base na amizade existente entre os fabricantes, cujas próprias personalidades muitas vezes se confundem com as personalidades de suas empresas.

Dentre os tipos de relações citados na literatura, a indústria calçadista de Franca conta com: a) as redes, formadas por meio das interações entre fabricantes, fornecedores e outras organizações; b) associações, como a Associação Comercial e Industrial de Franca – ACIF e o Sindicato dos Fabricantes de Calçados – Sindifranca; c) interligações entre diretorias das empresas, representadas por interações entre os proprietários de fábricas de calçados.

Em São Joaquim da Barra a única das formas de relacionamento básica encontrada é a de redes de empresas. A exemplo do que ocorre em Franca, essas redes são limitadas a pequenos grupos de empresas amigas, onde o relacionamento não é objeto de instrumentos formais e acontece de forma quase não intencional. Frases expressando a atuação isolada dos fabricantes e interações em pequenos grupos também foram comuns nas entrevistas realizadas no município. Quanto aos tipos de relacionamentos, foram identificadas: a) interligações entre diretorias; b) pequenas redes de empresários amigos; c) Associação Comercial e Industrial de São Joaquim da Barra - ACI, que segundo o governo local deverá intensificar suas interações com o setor calçadista em um projeto conjunto com a Prefeitura e o Sebrae. Talvez essa intensificação transforme a ACI em uma agência focal no futuro, mas ainda não há evidências que permitam tal classificação.

2.2.2 Capital Social e Raio de Confiança

Todas as definições sobre os APLs citadas neste trabalho referem-se à existência de relacionamentos entre organizações como uma das características dos arranjos. Especificamente na definição do Sebrae (2004), é citado que as firmas localizadas em APLs compartilham uma cultura comum e interagem com o ambiente sociocultural local de forma competitiva ou cooperativa. Nesse sentido, decidiu-se também pela abordagem de aspectos relacionados ao capital social, que tem como um de seus componentes a cooperação.

Segundo Putnam (2005), a cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Quando o nível de capital

social em uma sociedade é alto, diz-se que essa é uma comunidade cívica. Na comunidade cívica os estoques de capital social como confiança, normas e sistemas de participação tendem a ser cumulativos e reforçar-se mutuamente, redundando em equilíbrio social com elevado nível de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo. De acordo com Fukuyama (2000), todas as sociedades possuem algum capital social e a diferença reside no raio de confiança, cujas bases estão em normas cooperativas como honestidade e reciprocidade.

A fim de tentar obter informações sobre o raio de confiança existente em Franca e São Joaquim da Barra, foram abordadas questões relacionadas à cooperação, confiança e participação dos entrevistados em suas comunidades, não sendo detectadas diferenças significativas entre os padrões de respostas obtidos em cada um dos municípios. Por esse motivo, os parágrafos a seguir apresentam conjuntamente as informações colhidas nos dois municípios, havendo distinção quando necessário.

Com relação à cooperação entre os fabricantes de calçados, a maior parte dos entrevistados nos dois municípios respondeu que ela existe, restringindo- se a pequenos grupos. Em Franca a cooperação se dá principalmente por meio de empréstimos de máquinas, equipamentos, materiais e informações. Um dos entrevistados citou a existência de reuniões semanais no Sindicato dos Fabricantes, onde há trocas de informações. No caso de São Joaquim da Barra, a cooperação também é reconhecida em empréstimos de máquinas, equipamentos, materiais, informações, viagens conjuntas para feiras comerciais e trocas de favores no transporte de materiais. Em ambos municípios os entrevistados manifestaram descontentamento com o grau de cooperação, considerado-o insuficiente. Segundo eles, a desconfiança entre os empresários prejudica que a cooperação seja maior.

Perguntados quanto à existência de confiança entre seus pares, a grande maioria respondeu que ela existe parcialmente e, mais uma vez, que é restrita a pequenos grupos. O argumento mais freqüente para justificar a existência de desconfiança foi de que os empresários têm receio de terem seus produtos copiados. Um dos entrevistados disse a seguinte frase: “é comum o pessoal bloquear a entrada de um colega na sua empresa porque acha que o outro vai lá pra copiar, pra ver detalhes, roubar alguma coisa que ele tem lá de mais sagrado”.

Para Putnam (2005), a confiança promove a cooperação e a cooperação promove a confiança e quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade

maior é a probabilidade de haver cooperação. Nesse sentido, entende-se que tanto em Franca quanto em São Joaquim da Barra a cooperação e a confiança estão prejudicadas por estarem presentes apenas em pequenos grupos, dificultando o aproveitamento de economias internas. No caso de Franca chama-se a atenção para o fato de que nem mesmo o envolvimento do sindicato dos fabricantes como agência focal foi capaz de produzir condições muito diferentes das verificadas em São Joaquim da Barra.

Também foram feitas perguntas com o objetivo de captar informações sobre o grau de preocupação dos entrevistados com possíveis externalidades causadas por suas decisões. Segundo Fukuyama (2000) as externalidades caracterizam-se por um benefício ou custo que recai sobre uma parte externa a uma determinada atividade. Quando a pergunta era colocada exatamente na ordem acima, ou seja, considerando o impacto das decisões dos entrevistados sobre as demais empresas, a maioria respondeu que elas não poderiam afetar os demais fabricantes do município e, por isso, não há preocupações com seus impactos. Mas quando a mesma pergunta era colocada no sentido contrário, muitos dos que diziam não haver impactos originados dessas decisões demonstraram insatisfação com a forma de agir de seus pares. Em algumas ocasiões eles também reclamaram de dificuldades com fornecedores em decorrência do não cumprimento de compromissos por parte de fabricantes do município, que também criariam dificuldades com a prática de preços muito baixos.

Os demais indicadores do capital social utilizados foram a participação em grupos sociais, tipos de relacionamentos com outros empresários do setor, hábito de leitura de jornais e participação em eleições. A maioria desses indicadores é sugerida por Putnam (2005) e aqui tem a finalidade de mensurar a participação dos dirigentes das empresas pesquisadas em suas comunidades.

Com relação à participação em grupos sociais, verificou-se em Franca que mais da metade dos entrevistados participa de clubes recreativos, sindicatos, associações do setor de atuação ou clubes de serviços, como Rotary, Loja Maçônica e Lions, além de igrejas e entidades filantrópicas. Já em São Joaquim da Barra ocorre o contrário. A maioria dos entrevistados não participa de nenhum grupo social, havendo a participação de poucos em igrejas, clubes recreativos e Loja Maçônica. Registra-se que em São Joaquim da Barra também existem os clubes de serviços citados pelos entrevistados de Franca.

Tanto em Franca quanto em São Joaquim da Barra a maioria dos entrevistados afirmou manter relacionamentos pessoais com outros fabricantes de calçados. No primeiro município predominam os relacionamentos familiares e, no segundo, os de amizade sem vínculos de parentesco. Com base nas afirmações de Fukuyama (2000) de que a questão do raio de confiança é uma das razões pelas quais muitos negócios são iniciados em família, seria possível inferir que as atuais possibilidades de cooperação em Franca são maiores do que em São Joaquim da Barra. Entretanto, a grande quantidade de fabricantes no município de Franca poderia contribuir como limitador do raio de confiança, levando os relacionamentos entre parentes a se tornarem uma alternativa em um ambiente onde as pessoas confiam pouco umas nas outras.

Quando o quesito é a leitura habitual de informativos locais, há uma clara diferença entre os níveis verificados em Franca e São Joaquim da Barra. Em Franca a leitura de jornais locais impressos é habitual para a maioria dos entrevistados. Já em São Joaquim da Barra nenhum dos entrevistados tem por hábito a leitura de publicações locais. Neste caso, conclui-se que a ausência de leitores de publicações locais em São Joaquim da Barra é um indício de pouco interesse dos empresários locais para com informações do município. Registra-se que durante a pesquisa de campo foi detectada a existência de dois jornais impressos em São Joaquim da Barra.

Embora Putnam (2005) tenha apontado a participação em eleições como indicador do Capital Social, no Brasil ele certamente não tem a mesma aplicação que tem em países onde a participação em eleições é voluntária. Entretanto, decidiu- se por manter o indicador nesta pesquisa por haver a possibilidade de participação dos entrevistados em partidos políticos, construção de propostas de governo e participação em debates, por exemplo. Mas tanto em Franca quanto em São Joaquim da Barra o padrão de respostas encontrado aponta para a participação dos entrevistados apenas com o voto obrigatório. Em alguns poucos casos foi citada a abertura de empresas para a apresentação dos candidatos aos funcionários e a participação em debates. Com o resultado conclui-se que a participação dos entrevistados na escolha de seus governantes é pouco significativa.

Durante a realização das entrevistas com os empresários, também foram colhidas manifestações que possibilitaram a análise da criação e desenvolvimento

do capital social, bem como os investimentos e retornos dele obtidos nos ambientes estudados.

De acordo com Coleman (1990), ações ligadas à proximidade, estabilidade e ideologia atuam como criadores e determinantes da trajetória do capital social. Com base nas afirmações de Coleman (1990) e considerando que as duas cidades estudadas contam com concentrações de empresas do setor calçadista, poderia se supor que a proximidade fisica entre os empresários levaria a uma intensa interação social entre eles, resultando em um alto estoque de capital social. No entanto, percebe-se que esse estoque é limitado pelo grau de confiança existente nesses ambientes, que restringe as interações a grupos de três ou quatro fabricantes, na maioria dos casos. A análise da estabilidade ficou prejudicada nesse trabalho pelo fato das empresas pesquisadas serem de porte pequeno, o que faz com que a interlocução ocorra entre os proprietários das empresas, reduzindo as possibilidades de divergências entre os posicionamentos dos interlocutores e organizações. Finalmente, não foi identificada a imposição ou compartilhamento de qualquer ideologia no ambiente pesquisado, o que permite a interpretação de que essa variável não interfere na trajetória do capital social existente.

Com referência aos investimentos no capital social, percebe-se que sua realização se dá por meio de retroalimentação. A maioria dos empresários, em ambos municípios, citou a realização de empréstimos de materiais e equipamentos, trocas de informações e outras ações conjuntas praticadas pelos integrantes de suas redes de relacionamento. Desse modo, ficam evidentes os investimentos e utilização do capital social nas formas de obrigações e expectativas e potencial informacional (COLEMAN, 1990).

Também fica evidente a existência do capital social na forma de normas e sanções efetivas, conforme a abordagem de Coleman (1990). Muitos dos entrevistados de Franca e São Joaquim da Barra deixaram claras as restrições quanto aos seus raios de confiança e essas restrições fazem com que fabricantes considerados não confiáveis tenham dificuldades em acessar o capital social acumulado, o que representa uma sanção.

De acordo com Lin (2001), o capital social também pode ser utilizado como um bem para garantir a sobrevivência coletiva. Nesse sentido, verificou-se em Franca a utilização do capital social como instrumento para a obtenção de alguns benefícios públicos como a realização de feiras de calçados e a construção do

depósito de lixo, por exemplo. No entanto, percebeu-se que a baixa quantidade de empresas participantes de entidades como o Sindifranca e a ACIF faz com que grande parte dos fabricantes tenham pouca ou nenhuma influência nos processos de tomada de decisão que possam beneficiar a coletividade. No caso de São Joaquim da Barra, a utilização do capital social ocorre apenas para benefício individual.