Com base na sustentabilidade sociocultural, os processos de desenvolvimento do turismo constituem uma ação eficaz para enfrentar situações de desigualdade e desequilíbrio econômico e regional. Por outro lado, percebe-se que ainda são minoria os que se beneficiam do patrimônio natural e cultural. Seguindo essa linha de raciocínio, o presente relatório tem por finalidade orientar a reflexão e a ação de profissionais, gestores, agentes governamentais e atores sociais envolvidos com a atividade turística, para harmonizar a força e o crescimento do mercado com a distribuição de riqueza.
Inicialmente, apresentam-se os princípios fundamentais em que se apóia o conceito de sustentabilidade sociocultural. Em seguida, são destacados o papel da atividade turística no desenvolvimento social e cultural, os impactos causados pelo turismo no meio social e as estratégias para estabelecer a sustentabilidade sociocultural em atividades turísticas. Por último, são apresentados exemplos de experiências em âmbito regional, que buscam potencializar a sustentabilidade sociocultural no turismo brasileiro.
O relatório se apóia em alguns conceitos-chave e princípios fundamentais para caracterizar a sustentabilidade sociocultural do turismo como atividade econômica:
98 identidade cultural e social, comunidade, cultura, multiculturalismo, cidadania, local, região e território, entre outros.
Resumindo, a definição de sustentabilidade sociocultural remete “à melhoria da qualidade de vida e à redução dos níveis de exclusão social, por meio de uma distribuição mais justa da renda e dos bens” (Brasil, 2006), sendo estes bens materiais, de equipamentos, de informação, de educação, de acesso à decisão, de participação, de gestão, de respeito, de valorização. O conceito está de acordo com os princípios de uma sociedade humanizada, que possibilita às pessoas uma vida digna (direito ao trabalho, instrução, liberdade, participação), como sugere a Declaração dos Direitos Humanos.
O multiculturalismo que caracteriza o Brasil faz com que o país, diferentemente de muitas outras nações, seja internacionalmente reconhecido como um lugar de saudável diversidade. Considerado como um componente da sustentabilidade sociocultural no turismo, o multiculturalismo pode implicar, em âmbito nacional, um duplo movimento: o de inclusão ou de exclusão, de estar dentro ou de estar fora. Ou seja, remete ao exercício e ao reconhecimento da alteridade (Brasil, 2006).
Tendo em vista essa fundamentação, o documento ampara-se na premissa de que é necessária a existência de uma inter-relação do turismo com a sociedade e com a cultura, de modo que sua prática interfira produtivamente no ambiente social e possa proteger a identidade cultural das comunidades receptoras, suas formas de expressão, modos de vida e os bens materiais e imateriais que compõem o patrimônio nacional.
Sendo assim, entende-se que o papel central do turismo, como política pública, seja o de promover o aumento do bem–estar social, o lazer, a recreação e a renda para os diversos segmentos da sociedade, com o resgate dos bens culturais específicos de populações e regiões do país. No quadro a seguir, são apresentados os impactos positivos do turismo do ponto de vista socioeconômico, sociocultural, sociopolítico e socioambiental, variáveis que o documento trabalha para a consecução de sua gestão.
99 Do ponto de vista
socioeconômico Do ponto de vista sociocultural Do ponto de vista sociopolítico Do ponto de vista socioambiental - Geração de emprego e renda; - Promoção da equidade socioeconômica entre os agentes e as regiões envolvidas no desenvolvimento da atividade turística; - Redução dos índices de pobreza da localidade/ comunidade receptora; - Redução dos índices de violência e criminalidade; - Redução de índices de
agravos e doenças
epidemiológicas (cólera, dengue, HIV, tuberculose, hanseníase etc.).
- Respeito ao patrimônio histórico e cultural, representado por edificações e monumentos e pela tradição e valores das culturas locais; - Respeito ao patrimônio imaterial de indivíduos, comunidades e coletividades; - Promoção de práticas e tecnologias de inclusão sociocultural; - Capacitação profissional de recursos humanos; - Adoção de medidas de reciclagem; - Aumento progressivo da escolaridade entre homens e mulheres.
- Inserção de grupos e coletividades envolvidos com turismo, nas políticas sociais do governo;
- Aumento de infra-estrutura social: escolas, postos de saúde, estradas em boa conservação, telefonia, transportes etc.; - Aumento de pequenos empreendimentos comunitários e familiares com arranjos produtivos inovadores; - Aprovação de legislação de proteção ao patrimônio cultural e ambiental com promoção de qualidade de vida para turistas e comunidades receptoras; - Maior comprometimento das autoridades e formadores de opinião com o turismo da região.
- Aumento no investimento para conservação e manutenção do ambiente visitado;
- Melhoria das condições ambientais do destino aliado à melhoria da infra-estrutura básica da localidade; - Escolha e uso eficiente de tecnologias limpas; - Conservação, preservação, proteção e recuperação dos ambientes naturais;
- Redução do volume de lixo e do consumo de água e luz; - Sensibilização dos turistas para as questões ambientais.
QUADRO 4 – Impactos Positivos das Variáveis do Desenvolvimento Sociocultural Fonte: BRASIL, 2006
Por outro lado, a literatura sobre impactos sociais do turismo já há algum tempo alerta que o excesso de habitantes temporários (turistas) intervém no ambiente natural e humano, modificando culturas e transformando as relações tradicionais. Congestionamento no trânsito, crescimento da violência, aumento dos preços de itens básicos da alimentação, maior consumo de água e luz, e aumento na produção de lixo têm se configurado como questões recorrentes em áreas turísticas. No aspecto ético- moral, a prática desordenada da atividade pode acarretar o aumento da prostituição e da exploração sexual infanto-juvenil, como costuma ocorrer em muitas regiões brasileiras.
A sustentabilidade sociocultural supõe o reconhecimento, valorização e respeito das riquezas particulares, socioculturais e ambientais, que constituem o produto turístico, tanto por parte da comunidade receptiva quanto por parte do visitante. O sucesso da atividade turística em âmbito regional, neste domínio, depende de ações
100 específicas de gestão e de formação de redes de relacionamentos estratégicos, nas quais os atores envolvidos compreendam claramente os seus papéis e trabalhem sinergicamente com os demais componentes. Outros instrumentos de sustentabilidade sociocultural citados pelo documento, são:
a) Planejamento integrado – fortalece a cultura local e regional, reforçando a identidade social e promovendo a diversidade cultural das comunidades, grupos e regiões, com elevação da auto-estima dos cidadãos. Estimula a educação continuada, de forma a capacitar a mão-de-obra local, aumentar o grau de instrução e escolaridade dos atores sociais envolvidos e promover uma educação cívica de respeito às diferentes culturas, povos, costumes e valores.
b) Mobilização social e participação comunitária – é por meio desses componentes de intervenção que os programas governamentais de turismo podem corresponder aos anseios das comunidades e grupos que compõem uma determinada região turística. Propiciam transformar em disposição para agir, o mero desejo e a consciência da necessidade de mudança, com base no que as pessoas enxergam que podem fazer para contribuir no seu ambiente de vida.
c) Monitoramento e Avaliação dos planos e programas locais e regionais - são construídos de forma a assegurar o cumprimento das metas estabelecidas, dentro dos prazos e recursos previstos. Especificamente, para o turismo, é importante que a avaliação não se concentre apenas nos resultados obtidos, mas se estenda aos processos.
Para que os sistemas de monitoramento e avaliação se efetivem, é indispensável o estabelecimento de indicadores que tenham a finalidade de comparar o que existia no passado, de projetar o futuro e de mensurar quanto já se caminhou em direção às metas estabelecidas. Porém, dificuldades podem ser encontradas na avaliação de processos de sustentabilidade sociocultural por não haver variáveis e indicadores concretos, em razão da necessidade subjetiva de se relacionar turismo, cultura e sociedade.
Para finalizar, são apresentadas quatro experiências inovadoras no turismo brasileiro, nas quais a cultura agrega valor à atividade e promove a inclusão social. São eles: Tiradentes: o ouro de Minas, tendo por base cidades históricas de Minas Gerais;
101 do Vale do Café, cujo atrativo se centra na valorização do patrimônio ambiental, gastronômico e musical da região; Circuito do Ouro: Mariana, a princesa de Minas, destacando o fortalecimento de um modelo de desenvolvimento produtivo que promove a inclusão social e; Turismo e inclusão: o caso dos Pataxó, no sul da Bahia, compreendendo o marco físico e simbólico do descobrimento do Brasil.