• Nenhum resultado encontrado

5 DISCUSSÃO

5.5 Relatividade cultural

Como visto nas seções anteriores, ainda que se possa falar de um estilo brasileiro e alemão e de um estilo masculino e feminino, existe uma relatividade nesses conceitos. A frequência de uso de diversos elementos verbais e não verbais nas atividades de conflito, de aplicação de estratégias de encerramento de conflitos ou de comportamento nas interações de forma geral pode ser associada a características dos grupos culturais de sexo e nacionalidade de que os indivíduos fazem parte. O pertencimento a esses grupos no entanto não é determinante para que os participantes possuam certa característica ou estilo, havendo diversos outros fatores que podem influenciar nesse ponto, como pertencimento a outros grupos e características pessoais.

Por esse motivo pode-se observar nas interações que determinados elementos ou estilos não são manifestados da mesma forma por todos os participantes da interação. Isso pode ser visto já na distribuição da participação de cada um deles, que apresentam diferentes quantidades de turnos e unidades tonais produzidas assim como uma diferente proporção de atividades de conflitos realizadas (ver Seção 4.1.2). De forma específica, pode-se ver

diferenças na análise de estratégias de encerramento de conflitos por exemplo, em que o encerramento de conflitos através do uso de humor foi observado em apenas um participante brasileiro do sexo masculino (B1), que ainda assim foi responsável por um grande número de ocorrências dessas estratégias. A atividade de conflito questionamento, da mesma forma, é realizada de forma muito mais frequente pelo participante A2, que a utiliza em diversos momentos da interação.

Em relação aos estilos de conflitos também podem ser notadas grandes diferenças entre os participantes. Na interação masculina, os participantes A2 e A3 apresentam um estilo mais competitivo do que os demais participantes alemães, engajando-se em longas discussões para mostrar o próprio ponto de vista. Ao mesmo tempo, o participante A1 apresenta em alguns aspectos características mais próximas dos participantes brasileiros, com menor realização de atividades de conflitos e uma atitude em geral mais integrativa.

Os participantes brasileiros apresentam frequentemente um estilo integrativo ou evasivo, sendo que o participante B2 apresenta um estilo mais evasivo, tendo relatado em diversos momentos durante a entrevista retrospectiva sobre situações em que ele não reagiu a determinada crítica ou discussão para evitar confrontos com os demais participantes. Por outro lado, o participante B4 demonstra em alguns momentos uma atitude mais competitiva que se aproximaria do estilo alemão, o que é corroborado na entrevista retrospectiva de B3:

Ah, sei lá, o B4 ele já tem um estilo meio que assim alemão... Eu conheço ele porque já tive aula com ele […] Um pouco é... sincero demais, ser pouco assim tolerante (?) mas eu tô falando isso do que a gente ouve falar então... Acho que é até errado da minha parte julgar assim..

Na interação feminina, embora as participantes em geral apresentem um estilo de conflito integrativo, a participante B7 possui características competitivas, participando de discussões ao longo da interação em que ela não parece aceitar o ponto de vista das demais, o que incomodou a participante B8. A5 por outro lado, parece possuir uma tendência maior ao consenso e à utilização de meio-termo do que as demais participantes, fazendo uso dessa estratégia em diversos momentos durante a interação.

Há diversos fatores que podem ser associados a essas diferenças, incluindo características pessoais. O próprio fato de os participantes alemães estarem morando no Brasil no momento das interações faz com que eles possivelmente tenham alterado alguns dos seus padrões de comunicação, o que também pode ter acontecido com alguns dos participantes brasileiros que já moraram na Alemanha. Isso pode ser observado especialmente no participante A2, que morava há cerca de oito anos no Brasil na época da interação. Apesar do

tempo prolongado de contato com a cultura brasileira e grande domínio da língua portuguesa, o participante apresenta características que podem ser associadas aos alemães, como a competitividade, que em muitas situações se mostra nele de forma mais forte do que nos demais participantes. Pode-se pensar nesse caso que a sua estada no Brasil teve um efeito de intensificação de alguns dos seus padrões comunicativos alemães85, diferenciando-o ainda mais dos brasileiros, mesmo que tal fato não seja consciente a ele, como mostra a entrevista na Seção 4.3.2.1.

Além da influência da estada em outro país, muitas vezes a própria situação de interação pode provocar mudanças no comportamento dos participantes. Isso pode ser visto por exemplo no comportamento mais evasivo dos homens brasileiros e mais integrativo das mulheres brasileiras. Embora essas diferenças possam estar relacionadas a um estilo masculino ou feminino, também podem ter sido influenciadas pelo comportamento dos alemães com que eles interagiram, como visto na Seção 5.2. Na interação masculina, os alemães apresentam um estilo mais competitivo, o que pode ter feito com que os brasileiros se retraíssem e não participassem tanto da interação. Na interação feminina por outro lado, como o estilo das alemãs foi mais integrativo, tal retração não ocorreu.

Essas diferenças entre os participantes e a dificuldade de se determinar os seus motivos ocorrem justamente devido à multiplicidade de fatores relacionados às atividades de conflitos ou a interações de forma geral. O fato de pertencermos a diferentes grupos sociais ao mesmo tempo, como afirma Spencer-Oatey (2008a), faz com que haja diversas influências simultâneas na forma como interagimos, contribuindo para a diversidade que se observa mesmo entre pessoas de uma mesma nacionalidade. Como mostra Schröder (2008), a diferença entre comunicação intracultural e intercultural se dá apenas em grau, sendo possível observar conflitos e diferenças no forma de comunicação tanto entre participantes de nacionalidades diferentes (como entre B2 e A2 por exemplo) quanto da mesma nacionalidade (como entre B7 e B8). Devido às diversas influências a que pessoas de um mesmo grupo cultural estão sujeitas simultaneamente, seria impossível determinar um conjunto de características interacionais para um grupo de forma homogênea, como por exemplo um estilo alemão que se aplicasse a todos os alemães. O que pode ser feito, e o que fizemos neste trabalho, foi mostrar as tendências linguísticas e interacionais nos grupos analisados, mas sem tomá-las como uma manifestação homogênea da cultura brasileira e alemã ou de estilos masculino e feminino.