• Nenhum resultado encontrado

Das 7 h às 07h30min Saída para a escola

4.3 RELATO DOS ENCONTROS DO GRUPO

Este grupo – num total de 08 membros entre 30 e 50 anos de idade, com escolaridade variando entre ensino fundamental e médio concluído – reuniu as cuidadoras sociais das crianças de 0 a 6 anos de idade, da unidade denominada Cemaia I, a maioria com mais de 8 anos de trabalho no abrigo. Os nomes das participantes foram substituídos para a preservação da identidade das trabalhadoras. Elas são assim denominadas: cuidadora Ia, cuidadora Ib, cuidadora Ic, cuidadora Id, cuidadora Ie, cuidadora If, cuidadora Ig e cuidadora Ih.

111

Primeiro Encontro:

O grupo foi conduzido pela pesquisadora e duas alunas do grupo de pesquisa e ocorreu conforme as etapas previstas. Estavam presentes todas as oito cuidadoras sociais integrantes. De forma geral, as participantes demonstraram envolvimento com a discussão, compreensão dos objetivos e aceitação dos aspectos tratados no contrato. O clima do encontro foi de muita proximidade e o grupo parecia estar se sentindo à vontade.

Sobre o trabalho, comentaram gostar do que fazem e do abrigo, mas também que é um trabalho muito difícil. No desenvolvimento do trabalho, as dificuldades discutidas pelo grupo giraram em torno da complexidade de lidar com crianças com problemas de maus tratos e dos problemas de comunicação existentes entre elas – as cuidadoras – e a direção e a equipe técnica.

A discussão foi tão envolvente que, ao final do encontro, duas participantes choraram emocionadas enquanto descreviam sua relação com as crianças e com o abrigo. Na avaliação do encontro, o grupo comentou que foi bom, que foi muito bom desabafar. Apenas acharam pouco tempo. Após o encontro, esses comentários também foram feitos para a coordenação do abrigo.

Consideramos que a sala de realização dos encontros – uma sala ampla, com tapetes de borracha no chão que permitiu que o grupo ficasse em círculo sentado no chão, com exceção das pessoas que preferiram cadeiras, e com ventilador de teto – favoreceu que o grupo se sentisse descontraído. Todos os encontros ocorreram neste espaço, com a mesma disposição.

Segundo Encontro:

O grupo foi conduzido pela pesquisadora e duas alunas do grupo de pesquisa. Estavam presentes sete cuidadoras. A discussão do grupo foi norteada pelas seguintes questões: O que eu faço? O que é bom? O que é difícil?

O grupo compreendeu que era para comentar sobre sua rotina de trabalho e começou a discorrer sobre as tarefas diárias, desde o horário de chegada ao abrigo e de como se organizam em duplas para a realização do trabalho. A partir do momento que

112 foram detalhando o seu dia a dia, foram compartilhando os sentimentos vinculados ao seu trabalho, tais como o sentimento de impotência, de raiva, de dúvida, de solidão, de medo e de não serem ouvidas.

Durante o encontro, todas as participantes envolveram-se com a discussão e demonstraram estar à vontade para expressar suas opiniões. No final do encontro, avaliaram que foi “ótimo”, “bom” e que “quando engrena é hora de acabar”. Uma das participantes perguntou se após o término desta série de encontros seria possível haver outros em outra ocasião.

Terceiro Encontro:

O grupo foi conduzido pela pesquisadora e duas alunas do grupo de pesquisa e, novamente, estava completo: oito cuidadoras. A restituição foi feita no início do encontro chamando a atenção para o fato de que o que estava sendo dito não era para ser considerado “a verdade” e que, por isso, era importante que todas comentassem acerca de sentirem-se identificadas, ou seja, se é assim mesmo que sentem o trabalho.

A restituição foi apresentada oralmente e contou com a apresentação de cartazes, feitos à mão, em folha de ofício com os principais tópicos e trechos de fala correspondentes. O material foi sendo exposto no chão no meio do círculo formado pelo grupo.

Sobre o trabalho desenvolvido, foi comentado em primeiro lugar que a tarefa do/a cuidador/a social é um trabalho complexo, que não é fácil, especialmente por terem de enfrentar situações tristes e de violência e, especialmente, por lidarem com histórias de abandono.

Os sentimentos vinculados ao trabalho expressados pelo grupo foram: impotência frente às situações difíceis do dia a dia, sentimento de responsabilidade sobre como as atitudes tomadas vão refletir na vida das crianças e adolescentes, sentimento de estar só e de não ser ouvida por não contar com muita ajuda da equipe técnica para resolver os problemas cotidianos e o medo.

Ao longo do encontro, as participantes foram comentando sobre estes sentimentos e incluíram ainda os sentimentos de insegurança e de desgaste, em função do tipo de contrato de trabalho que não oferece estabilidade nem férias.

113 De forma geral, o grupo avaliou que o encontro foi muito proveitoso e bom. No horário do lanche foi passado o vídeo “Que casa é essa?” (Ferreira, 2007) para ser discutido no encontro seguinte.

Quarto Encontro:

O grupo foi conduzido pela pesquisadora e duas alunas do grupo de pesquisa. Estavam presentes seis integrantes. Foi retomada a discussão do encontro anterior e, num segundo momento, o grupo foi convidado para construir o plano de ação a ser apresentado à coordenação do abrigo, na reunião conjunta previamente agendada.

Foram discutidos com o grupo alguns cuidados importantes do nosso trabalho:

a) necessidade de manter o sigilo das nossas discussões até levar à coordenação o

relatório construído pelo grupo, de uma forma profissional, para apresentação e discussão de seu conteúdo na presença do grupo, o que diminui o risco de problemas de comunicação; b) consciência quanto ao fato de as ações a serem pensadas poderem ser questões institucionais, da própria equipe, e até mesmo ações individuais, incluindo ainda aquelas que não se acredita que possam ser aprovadas, como no caso das institucionais e o reconhecimento de que o mais importante é expor as necessidades e desejos do grupo.

Foi combinado com o grupo que cada participante escrevesse numa folha as ações que considerasse importantes para melhorar o seu dia a dia de trabalho. A discussão tratou principalmente de questões relacionadas ao contrato de trabalho, horário e carga horária e sobre o papel da cuidadora e o sentido deste trabalho.

O grupo começou a atividade de forma receosa, com pouca participação; porém, ao longo do encontro, as cuidadoras pareciam estar mais envolvidas com a discussão e contribuindo bastante com propostas e ações para a melhoria no trabalho.

Quinto Encontro:

O grupo foi conduzido pela pesquisadora e uma aluna do grupo de pesquisa. Como no encontro anterior, estavam presentes 06 cuidadoras sociais. Inicialmente, foi entregue o esboço do relatório elaborado pela pesquisadora para cada uma das participantes. O grupo fez uma breve leitura silenciosa do material.

114 O relatório final foi estruturado em quatro partes de acordo com a análise das discussões. 1) A experiência do trabalho: os principais sentimentos presentes no trabalho – impotência, solidão, medo, falta de reconhecimento, insatisfações com o contrato de trabalho e desgaste pela sobrecarga; 2) recursos e forma de contrato de trabalho: contratação de um guarda municipal na unidade, mudança de carga horária, aumento (na verdade, retorno a um quadro já existente) para três cuidadoras por turno, organização de um período de férias e colocação de uma campainha e fechadura na unidade; 3) sugestões para o trabalho da cuidadora: conversa sobre o papel do/a cuidador/a do abrigo, cursos e orientações para os/as cuidadores/as, mais espaço de troca com a equipe técnica e informações sobre as crianças; 4) sugestões para o trabalho com as crianças: realização de passeios no final de semana, ida a cultos religiosos da comunidade (de acordo com a vontade da criança), apoio psicológico e atividades de recreação para as crianças e presença de recreadores para desenvolver atividades recreativas.

Informamos que aquele penúltimo encontro tinha por objetivo rever o relatório e o plano de ação e discutir como o grupo deseja conduzir o encontro com a coordenação do abrigo. Foi reforçado que a reunião com a coordenação não devia ser um espaço meramente reivindicatório, mas um espaço de conversa para compartilhar a experiência no trabalho. Todas concordaram ser importante a reunião com a coordenação: “deveríamos até ter no nosso cotidiano do Cemaia” (Cuidadora Ia).

Na discussão deste material, o grupo retomou alguns temas tratados nos encontros anteriores, como a dificuldade de trabalho conjunto e de comunicação com a equipe técnica. O grupo avaliou que o relatório e o plano de ação estavam de acordo com as discussões realizadas e que desejavam entregá-lo neste formato para a coordenação.

Sobre a condução da reunião com a coordenação, uma das participantes comentou “Agora é a nossa pauta” (Cuidadora Ia). Foi abordado que o grupo fosse o responsável pela apresentação dos tópicos do relatório.

Como este encontro foi o último entre as cuidadoras apenas, a avaliação foi sobre o trabalho do grupo. O grupo avaliou que os encontros foram muito bons e que gostariam que eles continuassem de forma periódica.

115

Sexto Encontro:

A reunião foi acompanhada pela pesquisadora e duas alunas do grupo de pesquisa. Estavam presentes a gestora e a coordenadora técnica da instituição e cinco cuidadoras.

O relatório final elaborado consistiu de uma síntese dos principais pontos trabalhados pelo grupo de forma mais reflexiva e de sugestões de melhoria. Ao início da reunião, foi reforçado que o intuito daquele encontro era abrir um canal de conversa para compartilhar o trabalho do grupo com a gestão da instituição.

O grupo de cuidadoras mostrou dificuldade para compartilhar suas sugestões e dificuldades no trabalho. Todavia, ao longo da reunião, uma das cuidadoras assumiu a fala de cada um dos pontos abordados no relatório e o grupo foi discutindo todos os itens. A dificuldade para se colocarem diante da coordenação pode ser identificada também pela ausência não justificada de três integrantes do grupo, situação não ocorrida nos encontros anteriores.

A postura que a coordenação do abrigo assumiu foi de buscar ouvir, esclarecer e justificar determinadas posições da instituição. Entretanto, de forma ambígua, expressou dificuldade de ouvir e uma postura defensiva: “O silêncio mostra que vocês não querem ser ouvidas”.

O primeiro tema a ser abordado foi a dificuldade de troca com a equipe técnica que emergiu, ao longo dos encontros, como a problemática central do grupo, segundo comentou uma cuidadora “É dividir, é compartilhar” (Cuidadora Ia). A coordenação mencionou que está à disposição, que “As portas estão abertas”.

Na discussão dos diversos tópicos, a fala da coordenadora expressou as dificuldades em relação à falta de recursos para a melhoria do funcionamento do abrigo. Abordou a falta de segurança do prédio: “É uma casa aberta, não tem proteção, não tem nada de segurança para vocês (...) se tivesse um dinheiro, uma verba todo mês, eu ia tá comprando muita coisa, mas não tem esse dinheiro”.

A impossibilidade de realizar passeios com as crianças também foi comentada em função de falta de recursos: “A gente tem um carro com pouca gasolina (...) uma monitora tem que ficar na casa e outra monitora tem que ficar sozinha na praia (...) eu gostaria de ter (passeios), já tivemos um dia, era para ter”. Ela esclareceu que a maior dificuldade é no que tange à contratação de pessoal: “Quando se trata de contrato, o

116 negócio é muito difícil”. Ainda comentou sobre a instabilidade do quadro de pessoal: “Depois que a gente fizer este treinamento, vem uma lista cortando a metade do pessoal, então isso fica muito difícil e a gente sempre passa por isso”.

No final da reunião, o grupo avaliou que o encontro foi bom e lamentou a ausência das colegas. Constatamos que a reunião reproduziu as dificuldades de relacionamento presentes neste coletivo de trabalho, conforme identificadas ao longo dos encontros.

Síntese do processo grupal:

A experiência deste grupo de cuidadoras foi marcada, desde o primeiro encontro, pelo envolvimento e aceitação da proposta da atividade. Desde o início, percebemos um forte desejo do grupo de falar sobre as inquietações no trabalho. O grupo demonstrou esse envolvimento pela assiduidade nos encontros, postura de participação e expressão da importância dessas discussões para falar sobre suas inquietações no trabalho.

Ao longo dos encontros, acreditamos que os participantes refletiram de forma conjunta sobre a sua atividade e, especialmente, sobre as formas de sofrimento oriundas do seu dia a dia, como o sentimento de impotência, o medo, a falta de valorização e de reconhecimento.

O grupo compartilhou suas dificuldades no vínculo com as crianças e também suas frustrações no relacionamento com a equipe técnica.

O grupo parece assumir uma dinâmica defensiva de calar-se frente à gestão e, neste sentido, o espaço de fala favoreceu, ainda que de forma incipiente, o fortalecimento do coletivo de trabalho mobilizando-o para compartilhar com a gestão as suas dificuldades. Como expressou uma das participantes: “Agora é a nossa pauta”.

O espaço de discussão com a gestão representou um momento de troca; contudo, também reproduziu a dificuldade existente no grupo de quebrar o silêncio e fazer uso da palavra e de qualificarem e expressarem seu mal-estar no trabalho.