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Das 7 h às 07h30min Saída para a escola

4.1.2 O TRABALHO DO/A CUIDADOR/A SOCIAL

A partir desta breve descrição do contexto institucional, podemos traçar algumas particularidades da prática do/a cuidador/a social.

Sua chegada no abrigo acontece pelo estabelecimento de um contrato pela prefeitura. Não há um processo de seleção baseado num perfil de cuidador/a social. A contratação é baseada na indicação política, forma de contratação já conhecida como apadrinhamento, ou seja, “(...) caíram de paraquedas (...) entra quem tem costas quentes” (Equipe técnica).

Nesta entrada, parece estabelecer-se uma experiência de perplexidade: não houve escolha por esta profissão, não teve conhecimentos sobre o que seria a atividade e nem experiência prévia em alguma atividade vinculada ao cuidado humano. Como comenta uma integrante do grupo, “Não escolheram ser monitor (...) vem para cá achando que o trabalho é um, aí chega, é outro” (Equipe técnica).

Essa é a experiência observada na iniciação do/a trabalhador/a neste ofício. Por outro lado, para os/as cuidadores/as que já têm em torno de 5 a 10 anos de casa, estes já possuem experiência para lidar com uma série de dificuldades do dia a dia – o “jogo de cintura” tão comentado por todos –, porém, experiência obtida no próprio abrigo, sem o apoio de cursos de capacitação que favoreçam a reflexão sobre a sua prática.

A atividade do/a cuidador/a social nesse espaço institucional já está estabelecida pelo regimento interno, como exposto no capítulo anterior. Suas tarefas são diárias e estabelecidas num cronograma rígido: dar café da manhã, lanche, almoço e assim por diante. Contudo, todos comentam que, por mais que tenham suas tarefas pré- estabelecidas, a atividade sempre traz situações inusitadas: “Tudo é muito rápido (...) situações que tu não espera e não sabe como resolver” (Equipe técnica). Além disso, o trabalho pode ser denominado de sazonal, porque sua carga de trabalho varia em função do número de crianças abrigadas.

104 Um dos meios adotados pela gestão para acompanhar a rotina dos/as cuidadores/as é o preenchimento de um livro de ocorrências. Quando o/a cuidador/a chega para o seu plantão, deve ler o livro para se inteirar do que está acontecendo e, no final do plantão, deve anotar as situações que ocorreram no seu período de trabalho. Esta é uma orientação que consta no regimento interno da instituição. É uma prática instituída no abrigo que demonstra a formalização dos feitos pelos/as trabalhadores/as no seu cotidiano de trabalho.

De acordo com a equipe técnica, as principais dificuldades em relação aos/às cuidadores/as é a falta de perfil de alguns dos profissionais para exercer a função e, principalmente, o despreparo devido à falta de capacitação. Como desabafa uma profissional: “É isso que mata” (Equipe técnica). A maturidade emocional e gostar da atividade são tidas como condições importantes para ser um/a bom/boa cuidador/a.

A falta de capacitação diz respeito a temas diversos e importantes para o trabalho do/a cuidador/a como sexualidade, agressividade, resgate da autoestima, limite, informações gerais sobre quadros psiquiátricos e o uso de medicação controlada, mas também inclui conhecimentos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e a Política Nacional de Assistência Social. Enfim, o grupo da área técnica identifica que deve ser discutido com os/as cuidadores/as um maior entendimento do que é ser um cuidador/a social e sua importância.

Outro aspecto mencionado como uma grande dificuldade trata das condições precárias do contrato de trabalho, como a instabilidade, o fato de não ter direito a férias e o baixo salário.

Neste sentido, mesmo que a equipe técnica tenha, em muitas situações, críticas em relação à postura dos/as cuidadores/as, por outro lado, valorizam seu empenho frente às condições precárias de trabalho. Este é um ponto inclusive onde eles se identificam, porque também enfrentam tais dificuldades. No desabafo de uma técnica: “Eu acho que muitas das vezes eles fazem até milagre (...) a gente tem que tirar o chapéu” (Equipe técnica).

A relação entre a equipe técnica e os/as cuidadores/as sociais apresenta um forte distanciamento. Há problemas de comunicação como estes comentários exemplificam: “A gente (Equipe técnica) foi intitulada aquelas dos saltos fino, as madames (...) todo

105 mundo no ar refrigerado só conversando” (Equipe técnica). Além disso, observam que o espaço de troca entre estes grupos, nas reuniões, é marcado pelo silêncio: “Eles (cuidadores/as) não falam nem 50% do que eles realmente estão incomodados” (Equipe técnica).

Por outro lado, o grupo de cuidadores/as apresenta relações próximas de troca e de apoio no trabalho, especialmente entre os membros de cada unidade da instituição – Cemaia I e Cemaia II. Devido ao trabalho e aos horários de plantão, eles/as convivem e compartilham mais com os/as colegas da sua própria unidade. As reuniões com o grupo de cuidadores/as ocorrem a cada 45 dias. A gestora esclarece que é difícil reuni-los/las mais frequentemente porque não há um horário comum entre todos os/as cuidadores/as no abrigo. Também, muitos/as cuidadores/as exercem outras atividades profissionais.

Durante as entrevistas, o grupo da equipe técnica seguidamente abordaram as questões de gênero que envolvem o trabalho do/a cuidador/a: valorizaram a necessidade de mulheres para acompanhar os bebês e as crianças pequenas, por sua experiência de mãe, apesar de nem todas as mulheres cuidadoras deste grupo terem filhos; igualmente, comentaram sobre a importância de homens no cuidado com os adolescentes por sua facilidade de impor limites. Como foi relatado, “Tem que ter homem para impor a responsabilidade (...) com um homem eu não vou fazer de birra, com duas mulheres eu faço, agora com homem” (Equipe técnica).

O medo dos/as cuidadores/as de cumprir o plantão da noite é um sentimento comentado por todos da equipe técnica. O grupo como um todo percebe a falta de segurança do abrigo. Estes riscos foram agravados a partir do momento que começaram a abrigar os adolescentes com risco de vida pelo envolvimento com o tráfico de drogas. São inúmeros os comentários sobre esta situação: “Quando a gente sai (Equipe técnica) quem vai proteger os monitores?”, “Tem monitor que aqui à noite (...) não sai do quarto (...) é longe, afastado, aqui fica tudo escuro, quieto (...) aqui é um lugar que não oferece segurança” (Equipe técnica).

Durante muito tempo os cuidadores/as foram chamados de monitores. Ainda hoje é a expressão mais utilizada no abrigo. O pessoal da equipe técnica se corrige, muitas vezes chamando-os de educadores/as e/ou cuidadores/as, mas estas denominações não foram absorvidas no cotidiano do abrigo: “A gente ficou muito tempo chamando de monitor (...) tem hora que escapole, chama aquele monitor ali”

106 (Equipe técnica). No dia a dia da instituição, fomos percebendo que, na verdade, entre os próprios cuidadores/as, mais do que se tratarem como monitores, eles/as se chamam e se tratam de “tios” e “tias”. Aliás, eles/as tratam todo o grupo de profissionais do abrigo, desde a coordenação até as pessoas da área de apoio, de “tios” e “tias”.