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2. A importância da Crítica Jornalística – O Público–tipo do Teatro Municipal

2.1. A relevância de Anjos Teixeira

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2.1. A relevância de Anjos Teixeira

A partir de 1959 o panorama cultural madeirense passa a contar com o contributo de uma personalidade importante do mundo das artes – Pedro Augusto Franco dos Anjos Teixeira. Escultor de formação, Anjos Teixeira nasceu em Paris, em 1908, mudando-se para Lisboa com os seus pais passados 8 anos; aos 16 anos começou a trabalhar conjuntamente com o seu pai, também ilustre escultor, num atellier em Lisboa124.

Anjos Teixeira divide a sua acção cultural num vasto leque de actividades como a literatura, o teatro (quer como actor, quer como encenador) e a música. A sua vinda para a Madeira deve-se sobretudo a dois factores: um deles decorreu da circunstância de lhe ter sido endereçado um convite pela Sociedade de Concertos da Madeira, instituição em que leccionou Escultura na secção de Belas-Artes; o outro factor teve a ver com a personalidade progressista e os ideais liberais que o caracterizava, tendo sofrido, por isso, a repressão da ditadura e viu os seus trabalhos de escultura serem constantemente desconsiderados, e foi, inclusivamente, perseguido pela P.I.D.E. Em 1959, devido ao evidente desconforto que lhe provocava a situação relatada, a que se aliou o convite que então a Sociedade de Concertos da Madeira lhe dirigiu, decidiu mudar-se para o Funchal, onde viveu durante vinte e um anos consecutivos.

Anjos Teixeira desenvolveu na Madeira actividades diversas como as de docente, escultor, jornalista e músico; é nestas duas últimas que importa analisar o seu trabalho, integrado no âmbito da actividade da Sociedade de Concertos da Madeira.

Uma evidência curiosa que se pode constatar nesta investigação permite estabelecer uma relação lógica com o que foi descrito no capítulo 2., no qual se tratou a questão da importância da crítica jornalística: é manifesto o sincronismo entre o início da crítica mais contundente aos concertos realizados no Funchal e o início da actividade de Anjos Teixeira como colaborador do Diário de Notícias da Madeira. De facto, Anjos Teixeira realizou precisamente muitos desses trabalhos analíticos a partir destes anos, nos quais foi exposta

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consequentemente, às assistências que se verificaram no Teatro Municipal Baltazar Dias. Podemos considerar que, perante esta circunstância, o trabalho jornalístico de Anjos Teixeira terá sido mais fiel à realidade – o que é mais condizente com os resultados obtidos na presente investigação, e parece confirmar estes dados –, sobretudo por esta personalidade ter descrito com maior liberdade e independência a realidade cultural madeirense da época, relativamente à crítica, mais parcial, que até então era produzida.

Note-se que o trabalho crítico de Anjos Teixeira foi desenvolvido durante cerca de duas décadas, não só no plano musical mas também no que respeita a espectáculos de bailado e a outros relacionados com o mundo da cultura, ou seja, a sua produção cobriu praticamente todo o tempo da sua permanência na Madeira e, naturalmente, durante uma parte significativa das actividades da Sociedade de Concertos da Madeira.

A questão musical reveste-se de maior importância na crítica realizada por esta personalidade, porque Anjos Teixeira, além da sua formação em escultura, foi também músico (instrumentista em viola d’arco) e chegou mesmo a ser intérprete, durante 15 anos, na Orquestra de Câmara da Madeira, razões que atestam bem que tinha suficientes conhecimentos musicais que lhe permitiam elaborar o comentário aos concertos com um bom suporte de saber técnico especializado. Além desta sua vertente enquanto crítico, Anjos Teixeira era também um forte impulsionador e incentivador da participação do público no mundo da música.

O escultor madeirense Ricardo Velosa, antigo aluno de escultura de Anjos Teixeira e com o qual conviveu assiduamente durante um largo período, questionado sobre a personalidade do escultor, refere–nos mesmo que o “gosto actual que tenho pela música clássica advém precisamente do facto de Anjos Teixeira me ter incentivado a assistir aos concertos, fui a muitos por culpa dele…”125.

É plausível pensar-se que o contexto em que se desenvolviam os concertos no Funchal lhe teria causado algum desagrado por constantemente verificar a falta de interesse e de entusiasmo na participação do público nos eventos musicais, razão por que nas

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análises que escreveu para o Diário de Notícias da Madeira é notório, frequentemente, um certo desencanto perante este facto, constatando e retratando uma realidade pouco animadora.

Verificamos contudo que Anjos Teixeira não deixava de manifestar a sua opinião na forma de sugestão e incentivo com o intuito de, pelo menos, tentar alterar muitas das realidades culturais que ocorriam no âmbito dos concertos de música clássica. Vejamos um exemplo que se refere ao IV Festival de Música da Madeira, realizado no ano de 1965:

“…Feitos os reparos que nos parecem justos, deve dizer-se também que houve bons momentos no decorrer dos sete espectáculos do 4ª Festival de Música. Todos os factores à disposição de todos nós, só confirmam, a nosso ver, que a Madeira merece e deve ter, cada vez melhor, e corresponderá. É preciso que estes festivais passem a realizar-se em época fixa. E porque não levar a efeito na Madeira o Concurso Internacional para o prémio Viana da Mota, grandiosa iniciativa de Sequeira Costa? … Seria mais uma forma de aproveitar os nossos valores portugueses, nomeadamente madeirenses, que os temos, estimulando-os e dando-lhes a possibilidade de realizar as suas naturais ambições: sendo artista, viver da sua arte.”126

Concluimos este pequeno apontamento sobre a personalidade Anjos Teixeira com a certeza de que o seu papel enquanto crítico e divulgador cultural na área da música, apesar de algum desconhecimento por parte dos madeirenses no âmbito da realidade musical clássica no Funchal, foi verdadeiramente importante, tendo desenvolvido a sua actividade como um prolongamento da acção da Sociedade de Concertos da Madeira, quer ao desempenhar um papel de incentivador da participação do público nos concertos musicais, quer na defesa e na promoção da música clássica veiculada pela actividade desenvolvida pela Sociedade de Concertos da Madeira, mas, ao mesmo tempo, também como um cidadão formado e empenhado em transmitir um sinal de alerta em relação ao verdadeiro retrato que traçava sobre a efectiva falta de interesse e de assistências da população nos concertos de música clássica.

126 Comentário intitulado “Balanço dos IV Festivais de Música da Madeira” no Diário de Notícias da