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A relevância do sector associativo

3. MIGRAÇÕES E ACÇÃO COLECTIVA: REDES SOCIAIS E ASSOCIATIVISMO

3.3 A relevância do sector associativo

A dimensão das sociabilidades dos imigrantes, tal como a temos debatido, é sem dúvida fundamental para a subsistência dos imigrantes. Nesse campo, as redes sociais funcionam como instrumentos de acesso a recursos e simultaneamente de protecção social. As redes são, neste contexto, um importante equalizador social para as populações imigrantes mais descapitalizadas. É precisamente neste sentido que as associações de imigrantes, elas próprias redes sociais com malhas bastante densas, facilmente se transformam em focos de amplificação das próprias redes sociais dos imigrantes e, consequentemente, do seu próprio capital social. O modo como o associativismo imigrante se tem desenvolvido e organizado, em particular nas últimas

duas décadas, é um reflexo da importância crescente que as associações têm assumido para a vida das populações imigrantes.

Assim, neste capítulo, parece-nos imprescindível mencionar algumas alternativas de solidariedade emergentes que, de certa maneira, espelhem, no espaço público da migração, os princípios da economia solidária, conforme os apresentámos no capítulo anterior. São as associações de migrantes que, por exemplo através dos serviços de proximidade, procuram criar instâncias de pressão no sentido da criação de políticas públicas no que concerne à inserção social e económica de segmentos específicos de imigrantes. Os novos significados e orientações que o associativismo confere na vida dos migrantes, em especial o movimento associativo de comunidades migrantes com níveis de consolidação diferenciados (Ucrânia e Cabo-verde), são igualmente importantes para compreendermos as valências que podem promover a inclusão social destas comunidades. Também as suas acções colectivas, olhando especificamente para o movimento associativo cabo-verdiano em Portugal, pela sua presença e evolução em Portugal, dificilmente se poderiam dissociar das experiências inscritas na história do seu movimento associativo.

Ao longo das últimas décadas, o associativismo cabo-verdiano tem constituído um espaço de memória, de questionamento, de intervenção, de partilha e de tensões que tem reflectido as transformações políticas e sociais em Cabo Verde, as trajectórias e as dinâmicas da comunidade cabo-verdiana e, de forma mais abrangente, o fenómeno migratório em Portugal. Nesta medida, os múltiplos percursos e lógicas que têm sublinhado as diferentes formas de intervenção das associações cabo-verdianas espelham um quadro complexo de realidades e de espaços sociais em constante mutação (Malheiros et al, 2003: 2).

O teor da intervenção que este tipo de organizações tende a desenvolver, como fenómeno de acção colectiva, parecem-nos constituir um instrumento de grande importância para a nossa análise, quer no seio da comunidade migrante, quer na sociedade receptora. Nascidas através de impulsos espontâneos ou voluntaristas, as associações de migrantes, quer pelos seus estatutos e princípios solidários (pelas acções que levam adiante), assumem capital importância no dinamismo que representam na

vida de milhares de migrantes e, como tal, seria impensável contornar o seu papel neste estudo75.

O associativismo migrante caracteriza-se basicamente pela duplicidade e mutabilidade de objectivos, pela duplicidade de áreas de intervenção geográfica, pela sua função de contra-poder e pelo reconhecimento activo na sociedade. O seu papel activo permite o reconhecimento na formulação e execução de determinadas acções políticas, bem como no desenvolvimento de parcerias com diferentes organismos públicos e privados, em múltiplos domínios na incorporação dos migrantes76, bem como, a promoção do diálogo intercultural. Face ao actual momento de crise mundial, este tipo de associativismo tenta a custo dar respostas através da cooperação solidária no âmbito da regularização e ajuda à obtenção de emprego, e também nas acções de apoio na resolução de conflitos laborais. Quando os trabalhadores têm conflitos laborais, como por exemplo, o não pagamento de salários, a falta de pagamento das contribuições à Segurança Social, ou despedimentos sem justa causa e/ou sem o devido acerto de contas, estas organizações informam os migrantes sobre os seus direitos e encaminham as queixas para o tribunal do trabalho, quer o migrante esteja em situação “regular” ou não. O modelo de intervenção de muitas destas organizações associativas passa, por conseguinte, por um contacto muito directo com os migrantes.

A relevância destas associações prende-se justamente com o facto de serem interlocutores privilegiados no diálogo quotidiano com migrantes de diferentes nacionalidades e, por conseguinte, de serem também representantes destes quando surgem situações de violação dos seus direitos. A título de curiosidade, apenas quando existe uma intervenção da Inspecção Geral do Trabalho (IGT) ou do SEF é possível serem accionadas contra-ordenações ou autos de notícia com vista à penalização dos empregadores por quaisquer infracções cometidas. Interrogamo-nos sobre quais as etapas necessárias para que seja possível prosseguir e aprofundar o projecto associativo de afirmação de uma outra forma de agir, complementar mas não dependente do Estado77, face a estas questões e a outras igualmente complexas de quebra dos laços sociais, de promoção da empregabilidade, de combate à exclusão e à necessidade de novas formas de inserção social. Uma análise ao actual regime jurídico que tutela as

75 José Maria Carvalho Ferreira salienta um novo tipo de associativismo que surge entre meados do

século XIX e princípios do século XX e que prefigura o que hoje denominamos de associações privadas sem fins lucrativos.

76 Vd. Fonseca, 2003.

77 Vd. a este respeito a ideia de “Estado-parceiro” proposta por Amaro (2009), e já discutida no capítulo

associações revela de forma clara a raiz das limitações da Lei n.º 115/9978, em particular no que diz respeito à questão do apoio do Estado e da definição de montantes. A falta de objectividade nos critérios legais que presidem ao cálculo e à distribuição dos recursos, previstos no Orçamento de Estado, atribuídos às associações parecem reforçar a ideia de uma fraca adequação do quadro regulador à realidade do associativismo imigrante em Portugal, contribuindo desta forma para a volatilidade do sector e do tipo de projectos e acompanhamento que as associações podem desenvolver. O próprio presidente da SOLIM confirmou-nos esta leitura:

Nós temos um projecto anual apoiado pelo Estado, pelo Alto Comissariado para a Imigração (…) sabe qual foi a política que eles usaram? >…@ foi uma política eleitoralista antes das legislativas “Vamos lá rever isto que há muita gente a chorar >…@ vamos retirar quinze mil euros à Solidariedade Imigrante e vamos distribuir essas migalhas de miséria por outras associaçõezinhas e se calhar ficam todos contentes”. Tirar quase 50% (do financiamento) a uma associação para distribuírem migalhas por baixo é desinvestir >…@

Presidente SOLIM (entrevista realizada na sede da associação em 23 de Março de 2010)

Este é um cenário que, sem se poder definir verdadeiramente como ideal ou catastrófico, é significativamente limitador do comportamento associativo. O movimento associativo imigrante parece encontrar-se assim numa encruzilhada, que não nos é totalmente estranha, por justamente se encontrar nos interstícios que separam os sectores público e privado. Neste sentido, a nossa observação revelou, e conforme temos vindo a discutir, alguma urgência na promoção de um quadro de maior estabilidade na participação do Estado nas iniciativas de apoio às populações imigrantes

78 Lei n.º 115/99 – Regime jurídico das associações de imigrantes: 1 - As associações de imigrantes são

associações constituídas nos termos da lei geral, dotadas de personalidade jurídica, sem fins lucrativos, de âmbito nacional, regional ou local, e que inscrevam nos seus estatutos o objectivo de proteger os direitos e interesses específicos dos imigrantes e dos seus descendentes residentes em Portugal, visando nomeadamente: a) Defender e promover os direitos e interesses dos imigrantes e seus descendentes em tudo quanto respeite à sua valorização, de modo a permitir a sua plena integração e inserção; b) Desenvolver acções de apoio aos imigrantes e seus descendentes visando a melhoria das suas condições de vida; c) Promover e estimular as capacidades próprias, culturais e sociais das comunidades de imigrantes ou dos seus descendentes como elemento fundamental da sociedade em que se inserem; d) Propor acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam discriminação racial; e) Estabelecer intercâmbios com associações congéneres estrangeiras ou promover acções comuns de informação ou formação (cf http://www.aimigrantes.org/content/pdf/Lei_115_1999.pdf )

protagonizadas pelas associações, sobretudo num quadro em que estas desempenham funções geradas pela ineficácia, e por vezes arbitrariedade, do aparelho burocrático do Estado.