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4.5 A religião e o papel da igreja nas redes de sociabilidade Dois dos entrevistados referem que a religião tem uma dimensão central nas suas

vidas, ela influencia os hábitos culturais, as relações sociais e que a prática religiosa reforça os laços familiares alargados entre pais, filhos, avós e netos.

Sou católico mas ortodoxo (…) e na região da Ucrânia de onde eu sou tem muita importância muita influência na vida, nos hábitos e costumes está tudo junto, tudo ligado, faz parte da vida, por isso é bastante importante para nós. (Igor)

(…) no Algarve a maioria dos ucranianos são parte oeste do país. Antigamente a nossa terra fazia parte da Polónia por isso aquela tradição religiosa é muito forte e continua

62 forte e para nós é normal quando a família toda frequenta a Igreja, missas e pais, avós, filhos, netos, todos os domingos mais ou menos e por isso aqui estamos habituados, não é só hábito, é uma necessidade talvez porque é uma experiência de vida toda, de pequenino participarmos nas missas,… (Natália)

Tendo a religião um papel tão importante nas suas vidas, a Igreja foi o primeiro espaço que procuraram para alargar as suas redes sociais com outros membros da comunidade ucraniana. No início como refere Natália frequentavam as missas portuguesas e foi aí que começou a conhecer outros compatriotas:

Eu cheguei em Abril de 2001 e comecei a assistir às missas portuguesas e foi lá que conheci umas ucranianas, encontrámo-nos lá na Igreja, pronto acho que vocês aqui têm de compreender que é complicado por que lá eu já tinha o meu lugar na sociedade, já fui conhecida e reconhecida pelo meu trabalho agora aqui é aquela questão do status social, ninguém conhece quem és tu …… ninguém conhece que és capaz, por isso um ano parece-me que é como é que eu hei-de dizer, tentei conhecer bem a comunidade, tentei entrar em alguns grupos claro que sempre tive aproximação com pessoas crentes da Igreja e quando lá percebi que há pessoas que pensam mais ou menos como eu acho que no fim de um ano começámos a encontrar-nos. (Natália)

Com a afluência destes novos crentes, a igreja católica portuguesa começou a organizar-se para lhes dar apoio. De acordo com Natália foi a Igreja católica que deu os primeiros passos na aproximação à comunidade ucraniana. Na sua entrevista revela aspetos interessantes sobre o papel da igreja católica em Faro na integração e no reforço da identidade cultural desta comunidade, referindo as aulas de português oferecidas pela paróquia de S. Luís e o apoio na manutenção das suas práticas culturais, pois os rituais de celebração são uma faceta fundamental do cristianismo de Leste.

(…) acho que é importante dizer que primeiro aproximaram-se dos imigrantes da minha comunidade dos ucranianos, a Igreja Católica aqui em Faro, portuguesa porque em Lisboa é a mesma coisa. Eles primeiro começaram a preocupar-se com a nossa situação, dar aulas para melhorar o português e através destas aulas,(…) começámos a conhecer-nos uns aos outros e depois surgiu a ideia, acho que no Convento dos Franciscanos, na Igreja de S. Francisco aqui em Faro, fazer uma missa para imigrantes do leste mas sei que eles lá fizeram obras e trabalhou lá um grupo de ucranianos e nós temos umas tradições fortes e diferentes na páscoa e no natal. Na páscoa estamos

63 habituados a benzer produtos e cada um chega ao pé da igreja com um cesto, com produtos que foram proibidos no tempo da quaresma, carne, chouriços, queijo fresco, essas coisas e no dia de páscoa estamos habituados a ir até à Igreja e depois o Padre benze aquilo e eles pediram ao Padre Franciscano e ele benzeu aquilo só para eles e depois não sei como é que surgiu ali e os Padres Franciscanos para aproximar a nossa comunidade convidaram um Padre ucraniano de Lisboa, já não me lembro do ano, acho que foi em 2001 ou 2002 e fizeram uma missa de natal na Igreja de S. Francisco e juntou muitas pessoas, talvez 300 ou mais e depois fizeram um jantar para todos nós lá no pátio e pronto, começámos a nos conhecer mais uns aos outros. (Natália)

A cedência de espaços para serviços religiosos e outras atividades são outro aspeto a salientar na relação da Igreja católica com a comunidade ucraniana. A diocese de Faro ofereceu a capela de Santo António do Alto, para a realização das liturgias dominicais de ritual bizantino, realizadas pelo padre Oleg conforme pudemos observar na missa do segundo domingo depois da Páscoa.

O salão paroquial da Igreja de S, Luís foi também disponibilizado para reuniões da comunidade ucraniana e foi também nesse espaço que Natália começou a dar as primeiras aulas aos filhos dos imigrantes ucranianos, não com o intuito de preservar a língua e cultura ucraniana, como atualmente, mas com o objetivo de os ajudar no processo de adaptação à escola e à sociedade portuguesa:

(…) tive umas 10 crianças. Tivemos aulas na Igreja de S. Luís porque o Padre Rocha deu autorização para usarmos o espaço, um ano mais ou menos. Mas naquela altura tivemos objetivos de escola completamente diferentes, servíamos para ajudar na adaptação, na integração das crianças ucranianas porque elas também sofriam com a adaptação na comunidade escolar portuguesa, por falta do conhecimento da língua e essas coisas. (Natália)

Esta relação de proximidade entre a igreja católica portuguesa e a comunidade de imigrantes da europa de leste deve-se, segundo Vilaça (2008) ao fato de os católicos ortodoxos e de rito bizantino serem portadores de uma identidade religiosa que os aproxima à Igreja Católica Romana. As afinidades históricas e doutrinárias facilitam a realização de atividades conjuntas e promovem novas formas de solidariedade que não se observam com outras religiões.

64 A Igreja é essencialmente um espaço facilitador de relações sociais nesta comunidade como pudemos observar na missa a que assistimos na capela de Santo António do Alto, em que depois do serviço religioso as pessoas ficaram ainda bastante tempo em convívio no pátio à volta da capela.

Constata-se nos seus relatos que a religião é um elemento estruturante da identidade coletiva e que as relações sociais informais que se estabeleceram na igreja foram uma fonte de capital social que lhes proporcionou ajuda em momentos difíceis no caso de Maria e a realização de projetos no caso de Natália e Igor.