• Nenhum resultado encontrado

[...] as corporações globais subiram no trem da marca com o que só pode ser descrito como fervor religioso. Nunca mais o mundo corporativo se inclinaria para rezar diante do altar do mercado de produtos [...] venerariam somente imagens de mídia estampadas (KLEIN, 2004, p. 50).

Uma extensa investigação sobre o significado ampliado das marcas foi realizada pela Young & Rubican, um dos maiores conglomerados de comunicação do planeta, cujos principais resultados foram publicados em 2001. A Y&R comparou as marcas de maior sucesso a uma nova religião, chegando a elevar os construtores das mesmas ao nível dos missionários que difundiram o cristianismo e o islamismo pelo mundo. “Foi a paixão com que eles comunicaram essas crenças que levou as pessoas a reagirem aos milhões, porque as religiões eram baseadas em idéias poderosas que conferiam significado e objetivo à vida”, disse um diretor. Segundo a agência, as pessoas (digo, os consumidores) se voltam para essas marcas em busca de sentido.

Por trás das marcas de sucesso repousam crenças fortes e idéias originais, provocando nos consumidores ao redor do mundo suficiente paixão para convertê-los à sua ideologia. Foram entrevistados 45.444 adultos e adolescentes em 19

países, cujos resultados conduziram às dez marcas mais reconhecidas: Coca-Cola, Walt Disney, Nike, BMW, Porsche, Mercedes-Benz, Adidas, Rolls-Royce, Calvin Klein e Rolex.

Para complementar tais achados da Y&R, será extremamente proveitoso resgatar um trecho da citação de Nizan Guanaes (apud SUNG, 1998, p. 67), mencionada no capítulo anterior: “Nike não é um tênis, um calçado, é um modelo de vida. Nike é um estilo e uma visão de mundo. Seus anúncios são evangélicos. Não vendem apenas; doutrinam. Não convencem só, convertem”.

Como será que essas marcas fenomenais chegaram a ser comparadas com religiões? Será então que a sociedade no século XXI está tão privada de sentido que parte deste lhe é emprestado pelo mercado?

Quando mercadorias chegam a ser veneradas em seus “nichos/vitrines”, e muitos consumidores passam a adquiri-las em busca de transcendência, ruma-se a uma “dimensão espiritual do consumo”, que é viabilizada pelas marcas de prestígio.

Valquíria Padilha, em seu livro Shopping center: a catedral das mercadorias, aborda a cultura do consumo, o fetichismo e a “entronização das mercadorias”: “O shopping center transforma-se, então, no novo templo, numa nova catedral onde o culto das mercadorias se realiza, e onde o encontro de pessoas que compartilham as mesmas crenças e as mesmas ambições é redimensionado” (PADILHA, 2006, p. 33).

Sua obra ressalta a ilusão de se resolver as carências psíquicas por intermédio de aquisições materiais, sendo o shopping center o local por excelência que possibilita e incentiva tal escambo, “contribuindo para a sacralização do modo de vida consumista” (PADILHA, 2003, p. 190). O consumo e o enriquecimento material acenam com a maravilhosa oportunidade de os consumidores privilegiados alcançarem a plenitude da vida. Para ela, “esse mundo dos sonhos que é o shopping center acaba reforçando nas pessoas uma imagem de sociedade individualista, em que os valores propagados são todos relacionados às necessidades e desejos individuais” (PADILHA, 2006, p. 190).

Frei Betto é um dos raros autores com repercussão na mídia que buscam introduzir termos do sagrado e da religião na nomenclatura do consumo e do mercado. Ele publicou artigos estabelecendo pontes entre consumo e religião. Em A religião do consumo (BETTO, 2001), ele escreve que a mercadoria, que deveria ser apenas uma intermediária na relação entre seres humanos (pessoa–mercadoria–pessoa), passou a se fixar nos extremos dessa relação, ocupando o lugar das pessoas (mercadoria–pessoa–mercadoria).

Em “Mandamentos do consumismo”16, ele elaborou uma lista com os cinco mandamentos da era do consumo, dos quais o quinto deles é “prestar culto aos sagrados objetos do consumo”.

A realidade é que a nomenclatura do consumo e das marcas na sociedade pós-moderna invade, mesmo que timidamente, os domínios da religião e da espiritualidade, a ponto de os shopping centers serem comparados a “catedrais do consumo”, e o mercado ser chamado de “Deus mercado”. Alguns autores têm, recentemente, assim expressado tais metáforas:

“Mesmo o moderno shopping center pode ser visto como uma ‘catedral do consumo’ secular, um lugar especial onde os membros da comunidade vão para praticar os rituais das compras” (SOLOMON, 2002, p. 382).

“Hoje, quando uma cidade brasileira quer adquirir status, ela constrói uma catedral chamada shopping center. Quase todos têm linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. [...] Os shopping centers, com suas linhas de catedrais, são templos do consumo” (BETTO, 2002, p. 28) (vide ANEXO 7, que mostra parte do teto de um shopping center em Buenos Aires com pinturas de motivos religiosos).

Na revista Exame, de 31 de agosto de 2005, diz Michael Silverstein, sócio-diretor da Boston Consulting Group: “o consumidor de classe média [...] age também como um verdadeiro apóstolo das marcas. São eles que valorizam a história da marca, romanceiam sua tradição e patrimônio e colam a elas virtudes emocionais e mesmo espirituais”.

16

E, recorrendo novamente a Betto (Jornal de Ciência e Fé, ano 2, n. 29, p. 1, abr. 2001):

Essa apropriação religiosa do mercado é evidente nos shopping centers, tão bem criticados por José Saramago em A Caverna. Quase todos possuem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. São os templos do deus-mercado. Neles não se entra com qualquer traje, e sim com roupa de missa de domingo. Percorrem-se os seus claustros marmorizados ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Ali dentro tudo evoca o paraíso: não há mendigos nem pivetes, pobreza ou miséria. Com olhar devoto, o consumidor contempla as capelas que ostentam, em ricos nichos, os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode pagar à vista, sente-se no céu; quem recorre ao cheque especial ou ao crediário, no purgatório; quem não dispõe de recurso, no inferno. Na saída, entretanto, todos se irmanam na mesa “eucarística” do McDonald’s.

Finalmente, não poderia deixar de ser mencionado o professor Francisco Gracioso, ex-diretor-presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing, para quem os supermercados e os shopping centers modernos apresentam similaridades com as grandes catedrais da Idade Média. Entrevistado pela revista Supervarejo (ano 6, n. 65, p. 16, 2005), ele declara: “As pessoas entram nestas catedrais com a mesma fé, eu diria, dos cristãos da Idade Média. Nestes templos, o consumidor está certo de que vai encontrar um milagre, a sublimação”. E para a revista Marketing (ano 38, n. 371, p. 31, 2003), ele afirma: “Os novos templos do consumo, shopping centers e hipermercados, continuam a atrair as multidões. Neles, a classe média encontra, afinal, seu paraíso”.