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4 ESTUDO DE CASO

4.6 As práticas de gestão de pessoas

4.6.4 Remuneração

Em relação à remuneração, a instituição possui uma tabela de cargos e salários subdivididos em faixas, ou cotas, para promoções verticais – sem mudanças de função. Há equivalência de salários entre cargos similares, com denominações diferentes, considerando as necessidades e características das diversas áreas de negócios. Além dos benefícios obrigatórios por lei, a instituição oferece assistência médica, seguro de vida, plano de previdência privada, bolsas de estudos para vários níveis de educação formal, auxílio-creche, presente de casamento, colônia de férias e até auxílio-funeral.

No hotel em estudo, o diferencial da remuneração é representado pela ¨caixinha¨, ou seja, participação no montante da taxa de serviço paga pelos clientes que ficaram satisfeitos com o serviço prestado.

4.6.4.1A caixinha e a gorjeta

Martins (2007, p.249) esclarece que o termo gorjeta ¨tem origem na palavra gorja, de garganta, no sentido de dar de beber, com significado equivalente a propina¨ . Geralmente oferecida voluntariamente a funcionários de empresas da área de serviços, a gorjeta representa uma forma de agradecimento do cliente pelos bons serviços prestados por quem o atendeu, e é um importante elemento de remuneração para muitos trabalhadores da área de serviços, em especial para os trabalhadores de restaurantes e hotéis.

Nesse sentido, poderíamos associar o valor da gorjeta à qualidade do serviço prestado ao cliente, embora autores como Lynn e McCall (2000) tenham concluído que esta relação é muito fraca. Para os autores, a gorjeta está associada a um comportamento socialmente aceito pelos americanos, embora não regulamentado – destaca-se que a gorjeta predomina em países nos quais se valoriza a auto-realização e a busca por status, pois é uma forma de obter maior atenção social e admiração, além de ajudar financeiramente um prestador de serviço e reduzir a ansiedade que o consumidor sente ao ser servido por outra pessoa, geralmente mal remunerada. Azar (2010) reflete que os americanos dão gorjeta por vários motivos, sendo os mais comuns a norma ou pressão social, seguida pelo desejo de demonstrar gratidão pelo serviço prestado, consciência de que o trabalhador depende das gorjetas para complementar sua renda e receio de sentir culpa ou constrangimento caso não dêem a gorjeta, pois podem ser mal atendidos futuramente.

No Brasil, é comum a cobrança de 10% do valor total da conta, a titulo de taxa de serviço, por bares e restaurantes, embora ela não seja obrigatória por lei, visto depender da satisfação do cliente com o serviço prestado. Atualmente, tramita no Senado um Projeto de Lei que visa regulamentar o pagamento de gorjetas aos trabalhadores de hotéis, restaurantes e bares, para evitar que empresas retenham parte ou todo o valor das gorjetas cobradas compulsoriamente, como forma de cobrir parte de seus custos e perdas. Em hotéis de rede, essa taxa raramente é recolhida, para evitar disputas trabalhistas posteriores.

No hotel em estudo, esta taxa de serviço, conhecida somente como caixinha, é de fundamental importância para complementação dos rendimentos do funcionário, chegando – na temporada de lazer – a superar o valor do salário de alguns deles. Embora sinônimos, caixinha e gorjeta serão aqui tratados distintamente, para indicar que todos os funcionários têm direito à caixinha, mas somente os funcionários que atendem diretamente o cliente também podem receber gorjetas: uma é gratificação coletiva; a outra, individual.

Cabe esclarecer que a chamada caixinha é, no caso, administrada por uma associação de funcionários, entidade distinta do hotel, com estatuto próprio e gerida por funcionários eleitos por seus pares. O total da taxa de serviço é, ao final de cada período de lançamentos, repassada integralmente para a conta desta associação, que apura os valores do mês, desconta 3,5% do total a título de taxa de administração e então divide o resultado pelo número total de funcionários ( incluindo gerentes), realizando depósito na conta de cada funcionário, todo dia 15. Esta data é estratégica, pois a instituição realiza o pagamento dos salários no último dia útil do mês; assim, o funcionário do hotel recebe a cada duas semanas. Embora sejam orientados a não considerar a caixinha como rendimento fixo, ocorre que boa parte dos

funcionários acaba realizando algum tipo de gasto ou financiamento contando com este valor. Como a associação não paga despesas com manutenção de uma sede própria, já que utiliza as instalações do hotel, o valor da taxa de administração é lançado em um fundo que tem como objetivo garantir a distribuição de um valor mínimo em períodos de baixa ocupação. Dessa forma, embora não exista, oficialmente, um valor mínimo de caixinha, a associação não distribuiu, nos últimos quatro anos, valor inferior a R$ 180. Em compensação, em meses que sucedem períodos com vários feriados, férias ou eventos de grande porte, o valor é muito maior: chega a ultrapassar R$1.000. De acordo com os funcionários entrevistados, na gestão anterior a caixinha girava em torno de R$ 80, em períodos de alta ocupação – o aumento não é resultado, apenas, um esforço conjunto para que mais hóspedes paguem a taxa de serviço; é um reflexo de maior controle23 e de aumento dos valores de diárias. De todo modo, destaca- se que a expectativa sobre a caixinha é tão grande que os funcionários ficam ansiosos, primeiro, para que o hotel fique lotado; depois, para que os hóspedes fiquem satisfeitos o bastante para deixar a gratificação. Períodos de alta ocupação não geram agitação somente nas áreas sociais, pela circulação de hóspedes; nas áreas de circulação, vestiário e refeitório de funcionários, a animação nas rodas de funcionários é resultado de especulações sobre o valor da próxima caixinha.

Além de pagar os 10% de taxa de serviço, a maioria dos hóspedes também pagam gorjetas aos funcionários que os atendem diretamente. Capitão-porteiro, mensageiros, manobristas, recepcionistas, camareiras, mordomos, maîtres e garçons são privilegiados por essa iniciativa do cliente. A gorjeta, ao contrário da caixinha, reflete uma relação mais próxima, uma identificação pessoal entre cliente e funcionário. Denominamos gorjeta a gratificação entregue pelo cliente ao funcionário – em geral, de forma muito discreta24 – após a prestação do serviço, podendo ocorrer no final da estada. Do contrário, pareceria suborno. Entretanto, considerando que a maioria dos hóspedes de lazer são clientes fiéis, que voltam a cada temporada, o pagamento de gorjeta ao final de uma estada é garantia de atendimento mais zeloso na estada seguinte. O discurso prega que todos os clientes são iguais, mas a

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A ausência de controles em relação a procedimentos, na gestão anterior, possibilitava desvios como os praticados por dois funcionários da recepção, com conivência de um funcionário do setor administrativo, que deveria auditá-los: quando um cliente não queria a nota fiscal, estes funcionários estornavam o valor dos 10% pagos pelo cliente e embolsavam o valor. Desta forma, transformavam uma gratificação coletiva, a caixinha, em gratificação individual – como uma gorjeta, só que não dada com esta intenção pelo cliente. 24 A discrição é importante, para o cliente, para que não constranger o funcionário – ou para que não pareça

prática mostra que alguns são mais iguais que outros. Como revelam alguns dos entrevistados, ninguém atende mal um hóspede porque ele não deixa gorjeta ou caixinha – mas não há um esforço para agradá-lo e atender a todas as suas necessidades; a um hóspede conhecido pela generosidade, por outro lado, tudo é possível.

A pessoa que ganhava a menor gorjeta deste cliente era eu [...] demorou um tempo para conseguir, e uma vez recebi um envelope com R$250. Para o chefe da recepção e para o maître, ele chegou a dar R$3.000! [...] É o tipo de cliente que viaja muito, vai para o exterior, onde é comum dar gorjetas [...] Todo mundo queria atender este cliente. (ex-governanta)