• Nenhum resultado encontrado

Nos crimes de ação privada, assim definidos pelo legislador, cabe ao ofendido ou a seu representante legal, e somente a eles, oferecer queixa contra o autor, para que se inicie a persecução penal.

No entanto, conforme afirma Tourinho Filho,

Em decorrência daqueles princípios que regem a ação penal privada, notadamente o da oportunidade ou da conveniência, pode o ofendido abdicar do direito de promover a ação penal. Essa abdicação do direito de iniciar a instância penal, vale dizer, de oferecer queixa, recebe, na técnica jurídica, a denominação de renúncia.218

Da mesma forma, nos crimes de ação penal pública condicionada, a persecução só pode se iniciar se presente a condição de procedibilidade manifestada através da representação criminal.

A representação é condição de procedibilidade que o legislador impõe para a ação penal pública, em determinados casos, que expressa o interesse do particular na persecução penal. Considerando a possibilidade da ocorrência de maiores danos ao ofendido decorrentes da publicização do fato delitivo, o legislador defere ao particular o juízo de oportunidade e conveniência sobre a propositura da ação penal, em hipóteses expressamente previstas.219

Em ambos os casos, portanto, ausentes a queixa ou a representação, impossível se torna a persecução penal, e inicia-se a contagem do prazo decadencial fixado em lei.220

A renúncia constitui, portanto, a manifestação, expressa ou tácita, da vontade do não exercício da queixa ou da representação no prazo legal.

Por renúncia há de se entender a abdicação ou recusa do direito à propositura da ação penal, por meio da manifestação da vontade do não exercício dela no prazo previsto em lei. A renúncia, portanto, é modalidade de extinção da punibilidade (Art. 107, V, Código Penal) antes da instauração da ação penal.

Como se trata da recusa ao exercício de um dirnito, e porque desta abdicação surgem relevantes consequências jurídicas na órbita do interesse do suposto agente do fato, a lei prevê que a renúncia pode

218

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1, p. 596. 219

GALVÃO, Fernando. Ibid., p. 851. 220

Assim determina o Código Penal brasileiro: “Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.” Nada impede, portanto, que a legislação especial firme prazo diferente para a decadência.

ser manifestada tanto de maneira nxprnssa quanto tacitamnntn.221

A renúncia impede o início da ação penal e extingue a punibilidade do agente que dela se beneficia.

É o que dispõe o art. 104 do Código Penal:

Art. 104 - O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente.

Parágrafo único - Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.

Conforme afirma Tourinho Filho, a renúncia tácita, também prevista no Código Penal italiano222, importa em que “o titular da ação penal pratique ato incompatível com o direito de queixa.”223

O Código Penal é expresso em determinar, no caso da representação, que esta será irretratável depois de oferecida a denúncia. Assim, no transcorrer do prazo decadencial, o ofendido ou seu representante legal podem oferecer e retirar a representação por incontáveis vezes, desde que ainda não oferecida a denúncia.

No entanto, uma vez ofertada a exordial pelo Ministério Público, titular da ação penal pública, a representação torna-se irretratável.

Por outro lado, escoado o prazo decadencial sem a apresentação da representação, opera-se a decadência do direito e a extinção da punibilidade do agente.

A decadência é instituto que impõe limites a direitos constituídos no âmbito da relação processual. Apesar de repercutir efeitos na relação processual, a decadência apresenta forte conteúdo de direito material, na medida em que a inexistência do direito processual inviabiliza o exame da pretensão punitiva, ou seja, a responsabilidade.224

Por fim, importa tecer comentários acerca do disposto no parágrafo único do Art. 104 do Código Penal, já citado. Ali o legislador consigna expressamente que o ato de recebimento dos valores relativos à indenização pelo dano causado não importa em renúncia tácita por parte do ofendido.

Porém, também por disposição expressa do legislador, no âmbito dos

221

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal, p. 130. 222

Dispõe o art. 124, segunda parte, do CP italiano: “Vi è renuncia tácita, quando chi ha facoltà di proporre querela ha compiuto fatti incompatibili con la volontà di querelarsi.”

223

Ibid., p 598. 224

Juizados Especiais, a composição civil dos danos importa em renúncia automática ao direito de queixa ou representação, constituindo exceção à regra acima mencionada.

De fato, o art. Art. 74. Da Lei nº 9.099/95 estabelece:

A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Assim, tratando-se de ação relativa à prática de crime de menor potencial ofensivo, o acordo firmado a respeito da indenização pelos danos causados importa em renúncia imediata, extinguindo-se a punibilidade do agente.

É bem de ver, porém, que não se cuida de revogação do citado art. 104, ainda que a Lei n. 9.099/95 seja a ela posterior. A questão situa- se em outro nível, ou, mais precisamente, na qualificação jurídica das infrações penais submetidas a uma e outra instância (Justiça comum e Juizados Especiais).

[…]

Tais disposições nada têm que ver com a regra geral prevista no art. 104 do Código Penal, ainda vigente e perfeitamente aplicável aos fatos delituosos considerados de maior potencial ofensivo.225