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3. A construção social do Diabetes mellitus: Construcionismo Social, repertórios

3.2 Os repertórios interpretativos do Diabetes mellitus

3.2.2 O repertório interpretativo biomédico

O repertório interpretativo biomédico nos convida a compreender o diabetes como uma doença do corpo biológico, propondo explicações etiológicas, classificações, critérios de diagnóstico, processos fisiopatogênicos, formas de tratamento, entre outros. Nesse repertório, o Diabetes mellitus é considerado:

“... uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente da falta de insulina e/ou da incapacidade de exercer adequadamente seus efeitos. Caracteriza-se por hiperglicemia crônica, freqüentemente acompanhada de dislipidemia, hipertensão arterial e disfunção endotelial” (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2002, p. 5).

Os sintomas das pessoas com Diabetes mellitus, em geral, são: excesso de sede (polidipsia), aumento de fome (polifagia), aumento da quantidade e da frequência do ato de urinar (poliúria), emagrecimento, sonolência, formigamento nas extremidades dos pés e das mãos, dor abdominal e cansaço nas pernas. Em alguns casos, a pessoa com diabetes pode não apresentar esses sintomas, mesmo existindo a suspeita da doença. Para confirmar ou refutar o diagnóstico é necessário a realização de exames laboratoriais de glicemia capilar. Os critérios

atualmente aceitos para o diagnóstico do diabetes são: a) sintomas de poliúria, polidpsia e perda ponderal acrescidos de glicemia causal10 acima de 200mg/dL; b) glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL; em caso de pequenas elevações da glicemia, deve-se confirmar o diagnóstico pela repetição do teste em outro dia; e c) glicemia de duas horas pós- sobrecarga de 75 g de glicose acima de 200 mg/dL.

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (2009), a classificação atual do diabetes baseia-se na etiologia da doença, assim utiliza-se quatro classes clínicas: o Diabetes mellitus tipo 1, o Diabetes mellitus tipo 2, outros tipos específicos de diabetes e o Diabetes Gestacional. O diabetes Tipo 1 é encontrado, principalmente, em crianças, adolescentes e pessoas mais jovens, correspondendo de 5% a 10% dos casos. Esse tipo é resultado da destruição de células beta-pancreáticas (tipo de células do pâncreas que transporta os hormônios – insulina e glucagon – produzidos nas ilhotas de Langherans) pelo próprio organismo, o que causa deficiência absoluta de insulina. O diabetes Tipo 2, por sua vez, é mais frequente em adultos após os 40 anos. Essa classe clínica é caracterizada por efeitos na ação e secreção da insulina; assim, para compensar essa deficiência, ocorre um aumento na produção de insulina para manter a glicose em níveis normais; porém, quando esse aumento não acontece, é que ocorre o diabetes. Essa é a forma mais comum de diabetes abrangendo de 90 a 95% de todos os casos diagnosticados. Além disso, a categoria “outros tipos específicos de diabetes” envolve várias formas de Diabetes mellitus decorrentes de defeitos genéticos nas células beta-pancreáticas, defeitos genéticos na ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino, uso de fármacos diabetogênicos, como a cortisona, os diuréticos e os betabloqueadores, entre outras condições. Finalmente, o diabetes gestacional trata-se de qualquer intolerância à glicose, de magnitude variável, com início ou diagnóstico durante o período gestacional. Por sua vez, há ainda que se comentar do pré-diabetes, um estado

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Entende-se por glicemia causal aquela realizada a qualquer hora do dia, independentemente do horário das refeições.

intermediário entre a homeostase normal da glicose e o Diabetes mellitus. Nessa condição, a pessoa apresenta o exame de glicemia de jejum alterado, porém em concentrações de glicemia inferiores ao critério de diagnóstico de diabetes, entretanto mais elevadas que o valor de referência normal.

Quando não controlado adequadamente, o diabetes pode ocasionar disfunções, danos ou falência em vários órgãos, principalmente rins, olhos, vasos sanguíneos e coração. As complicações de saúde mais comuns são: nefropatia (podendo evoluir para a insuficiência renal), retinopatia (com a possibilidade de cegueria e/ou neuropatia), risco de úlceras nos pés (pés diabéticos), amputações, artropatia de Charcot e manifestações de disfunção anatômica, incluindo disfunção sexual. Além disso, pessoas com diabetes apresentam um maior risco de desenvolver doença vascular aterosclerótica, doença coronariana, doença arterial periférica e doença vascular cerebral (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2002).

No que diz respeito aos aspectos que podem predispor o aparecimento do diabetes, Costa & Almeida Neto (2004) comentam que algumas situações cotidianas podem contribuir para a alteração na produção da insulina. Entre essas situações, temos: as infecções, a obesidade, a gravidez, as cirurgias, as emoções fortes, o estresse, o envelhecimento e o uso de medicamentos diabetogênicos em doses altas e por tempo prolongado: cortisona e derivados, alguns diuréticos, alguns estrógenos (pílulas anticoncepcionais e determinados medicamentos para climatério), entre outros. Entretanto, para esses autores, a maior parte das pessoas com diabetes tipo 2, por exemplo, pode herdar de seus familiares uma predisposição para o aparecimento do diabetes, sendo as situações descritas, apenas fatores que precipitam o aparecimento da doença e não, necessariamente, os determina.

Com relação ao prognóstico do diabetes, comenta-se que o diabetes tipo 2 exige das pessoas com a doença, em geral, a administração de comprimidos antidiabéticos orais. O tratamento médico do Diabetes mellitus tipo 2 implica em: estratégias de educação visando

conscientizar sobre a doença e suas complicações, modificações do estilo de vida (parar de fumar, adoção de atividades físicas e reorganização de hábitos alimentares) e, se necessário, o uso de medicamentos (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2002). Dito de outro modo, considera-se, assim, como uma doença marcada pela necessidade de controle contínuo, por meio de exames regulares, uso de medicação, a adoção de uma dieta alimentar (com diminuição, principalmente, na quantidade de carboidratos e açúcares) e exercícios físicos, para o não agravamento do quadro.

Conforme Costa & Almeida Neto (2004), a Associação Americana de Diabetes (ADA) desenvolveu um programa para prevenção ou retardamento do aparecimento do diabetes em pessoas consideradas como pré-diabéticas11. Segundo as diretrizes desse programa, apenas 30 minutos de atividades físicas diárias todos os dias, em combinação com redução de peso corporal de 5 a 10%, contribuem para redução em 58% dos riscos do aparecimento do diabetes.

Portanto, o repertório interpretativo biomédico promove: a) uma compreensão do diabetes como uma doença do corpo biológico, natural e universal; b) a noção de que a pessoa com diabetes é aquela cujo pâncreas, ou mais precisamente, cujas células beta-pancreáticas estão sendo destruídas ou não estão produzindo insulina suficiente, para diminuir a concentração de glicose no sangue; c) a compreensão de que as causas do diabetes estão relacionadas à pré-disposição genética (hereditariedade), infecções, obesidade, gravidez, cirurgias, envelhecimento e uso de alguns medicamentos; e d) a ideia de que os cuidados frente ao diabetes consistem em realizar dieta alimentar, praticar exercícios físicos, mudar o estilo de vida (parar de fumar, beber, etc) e fazer a administração de medicamentos e/ou de insulina (quando necessário).

11 As pessoas com pré-diabetes podem permanecer com a glicemia de jejum alterada ou com intolerância a

glicose, sem apresentar sintomas do diabetes durante anos. Alguns estudos sugerem que esse período “assintomático” pode ser bastante grande podendo acarretar danos em vasos arteriais (Costa & Almeida Neto, 2004).

De forma geral, a descrição produzida por esse repertório gera uma compreensão de que a pessoa com diabetes é vítima do próprio corpo, isto é, a pessoa com essa doença é colocada num lugar de paciente, como alguém sujeito ao mau funcionamento do próprio organismo e que deve obedecer às prescrições do profissional de saúde: tomar medicamentos, realizar o controle alimentar e atividades físicas.

Assim, esse repertório produz, a nosso ver, uma valorização ativa dos especialistas, que definem o que é o diabetes, quais são suas causas, os principais sintomas, o que deve ser feito para “minimizar” esse déficit do organismo e quais são as possíveis complicações caso esse não seja controlado.

De maneira geral, o repertório interpretativo biomédico, caracterizado pelo uso de vocabulários biomédicos, é considerado dominante e hegemônico no campo da saúde (Spink, 2003), promovendo uma objetificação da saúde e da doença, nesse caso, do diabetes. Entretanto, apesar de sua hegemonia, temos outras formas possíveis de entendermos o diabetes.

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