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Um aspecto normativo a merecer a devida análise reporta-se ao término do vínculo jurídico entre o agente público e o Estado, de modo a saber se esse evento teria ou não reflexos na possibilidade de sua defesa pela Advocacia de Estado229.

Isso porque se o fundamento jurídico da representação pessoal do agente público pela Advocacia de Estado for o fato de a atuação daquele referir-se, ao fim e ao cabo, ao próprio Estado, por força da ligação entre o querer do agente (sujeito anímico) e sua remissão normativa como sendo o querer do próprio órgão ou ente ao qual integre ou integrou, o término do vínculo funcional não teria qualquer repercussão jurídico-normativa, pois o

229 A Lei nº 9.028/, em seu art. 22, § 1º, autoriza a representação pela Advocacia-Geral da

objeto de contraste jurídico sempre seria um ato praticado pelo agente quando do exercício da função pública.

E, observe-se, sendo cogente o exercício da função pública, que não pode ficar ao dispor do agente de modo permiti-lo eleger situações em que atuará ou não230, caso se entendesse possível a representação do agente

público pela Advocacia de Estado em demandas em que àquele fossem imputadas condutas ilícitas, ainda que os efeitos da sanção fosse por ele individualmente suportada, o simples término do vínculo funcional não poderia impedir a sua representação judicial ou extrajudicial pelo citado órgão jurídico em todo tramite da demanda, pois ao estar em jogo um interesse coletivo, cuja proteção foi ao Estado confiada, as competências predispostas à conferir-lhe efetividade deveriam ser necessariamente exercidas.

Conseguintemente, afigurar-se-ia normativamente irrelevante o término do vínculo funcional, ou mesmo a vontade do agente de, após não mais relacionar-se funcionalmente com o Estado, eleger quem a partir desse evento jurídico passaria a representa-lo, pois se o objeto da controvérsia veicular um interesse público tutelado pelo Estado (União, Estados e DF), a atuação da Advocacia de Estado far-se-ia cogente. E isso se dá em razão de o concurso volitivo do agente afigurar-se absolutamente irrelevante, pois se o interesse for público, a vontade da pessoa física que titulariza ou titularizou uma função pública não teria o condão de produzir efeitos sob a esfera jurídica do Estado.

E aqui essa dissociação se evidencia de forma um pouco mais clara. Partindo do pressuposto pertinente à obrigatoriedade da atuação da Advocacia de Estado quando estiver em jogo um interesse público cuja defesa lhe foi confiada (pois remissível à União, Estados e DF), de modo que não poderia ser ela proibida de atuar – até porque a sua atuação é constitucionalmente garantida –, como seria possível promover a concordância

230 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (In: Curso de Direito Administrativo. 22ª ed.

São Paulo: Malheiros, 2007. p. 71 e 77): “Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre

disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever

de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela”. E mais a frente: “O interesse público, fixado por via legal, não está à disposição da vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando”.

de interesses eventualmente conflitantes na hipótese de um ex-agente público, que já não possuiria vinculo funcional com o Estado, entender que seus interesses seriam melhor representados por um advogado de sua confiança. Ou seja, ter-se-ia nessa situação hipotética, mas cuja ocorrência se afigura absolutamente viável e possível231, uma determinação normativa de atuação

necessária da Advocacia de Estado quando haja interesse da União, Estados ou DF, caso se parta do pressuposto de que a defesa de agentes (ou ex- agentes) públicos por atos praticados no exercício de suas funções e que veiculem interesses públicos deva por ela ser realizada – independente dos efeitos da condenação –, e o interesse do ex-agente em constituir advogado de sua confiança.

Se o interesse é público, e mais ainda, do Estado, a atuação processual dever-se-ia ocorrer necessariamente por sua Advocacia de Estado, dada a competência para o exercício exclusivo dessa função. Contudo, essa construção interpretativa não suscitaria uma possível intervenção no direito geral de liberdade garantido ao ex-agente público pelo art. 5º, caput, CF, de escolher o advogado que tivesse confiança para defender seus interesses, que podem não necessariamente coincidir com os do Poder Público, principalmente nas situações em que os efeitos da condenação sejam por ele, agente público, suportados individualmente?

Esse possível problema, compreendido como uma potencial intervenção no direito geral de liberdade do ex-agente público, revela-se, contudo, aparente em razão da plena dissociabilidade dos interesses em disputa, a evidenciar a impossibilidade de assunção de que sua defesa seja patrocinada pelo órgão cuja representação jurídica foi constitucionalmente cometida com exclusividade (arts. 131 e 132, CF) ao Estado. Isso porque os interesses se afiguram eminentemente pessoais, próprios àqueles que titularizam ou titularizaram uma função pública, de modo que nas demandas em que a eles sejam imputados atos ilícitos e cujos efeitos da condenação, por sua retributividade, sejam por eles suportados pessoalmente, compete-lhes eleger quem melhor represente seus particulares interesses e promovam a sua defesa, em juízo ou fora dele.

Aspectos de ordem processual fortificam a construção interpretativa aqui defendida, pois naquelas demandas propostas contra ex- agentes públicos, ou seja, após a interrupção do vínculo jurídico entre ele e o Estado, a pretensão somente se viabilizaria na medida em que a ele se imputasse a responsabilidade pela prática de um ilícito e em razão do dever de suportar, pessoalmente, os efeitos de uma possível condenação, pois a sanção jurídica não poderia ser atribuída à pessoa diversa daquela a quem se imputa o comportamento antijurídico (princípio da individualidade da sanção retributiva232). Se o que se tivesse em mira fosse a imputação de uma

responsabilidade ao Estado, pertinente à obrigação de fazer algo, deixar de fazer ou permitir que se faça, ao não mais poder o ex-agente público praticar quaisquer atos para a satisfação dessa pretensão, a demanda não poderia ser contra ele proposta, uma vez que faltaria interesse ao proponente da demanda, ante a ilegitimidade passiva ad causam do réu indicado.

O término do vínculo funcional, dessa forma, deixa ainda mais clara a impossibilidade de a representação do agente público ser atribuída à Advocacia de Estado, pois a pessoalidade da pena, cujos efeitos incidiriam exclusivamente sobre aquele que esteve no exercício de uma função ou cargo público, suprimiria qualquer pertinência a um interesse público cuja proteção fosse concebida como dever estatal, não podendo sequer afirmar que se estaria a resguardar um interesse público ao afastar quaisquer empecilhos ao exercício pleno das competências deferidas ao agente, de modo a manter a normalidade da atividade administrativa, evidenciando tratar-se, apenas, de um privilégio concedido a um grupo específico de pessoas, reforçando a inobservância ao princípio republicano.

232 “No dolo administrativo há a vontade de obter o resultado danoso com a utilização da

qualidade de agente público para atingir aquele objetivo, enquanto na culpa, tomada em sentido estrito, há a obrigação funcional de agir de modo diverso daquele que se conduziu o agente e a sua consciência da potencialidade do dano que poderá ser provocado a partir do seu comportamento, sendo reprovável socialmente e prejudicial para a coletividade aquela atuação. Daí porque a responsabilidade civil do agente é de natureza predominantemente sancionatória, e não meramente reparatória”. ROCHA, Cármen Lúcia de Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 386.