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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO E REJUVENESCIMENTO E RELAÇÕES INTERGRUPAIS

Respostas das participantes favoráveis Respostas das participantes desfavoráveis

6.4. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO E REJUVENESCIMENTO E RELAÇÕES INTERGRUPAIS

Devido a sua ancoragem em grupos sociais antagônicos (Vala, 1997), como é o caso neste estudo, a compreensão do funcionamento das RS polêmicas requer situá-las nos fenômenos identitários e nas relações entre os grupos ou categorias sociais (Wagner, 1995; Vala, 1989). Os cenários intergrupais apresentados (perfis opostos de duas personagens em relação às práticas estéticas de rejuvenescimento) tiveram como objetivo ativar a saliência grupal das participantes, com o intuito de viabilizar a emergência de tais representações. Os resultados mostraram que, em geral, houve congruência entre as atitudes frente às práticas de rejuvenescimento e a identificação grupal das participantes, o que evidencia o papel das RS enquanto âncoras de categorias identitárias, clivagens e posições sociais (Vala, 1997). Além disso, encontraram-se semelhanças em termos de conteúdos representacionais entre o contexto direto no qual as mulheres respondiam em próprio nome, e indireto, em que respondiam no lugar das personagens de autoidentificação. As

pessoas tendem a projetar suas próprias opiniões sobre outros que são percebidos como similares; são propensas a assumir que pessoas que compartilham elementos dos seus próprios sistemas de valores chegam a julgamentos semelhantes aos seus (Wagner, 1995). Ou seja, os dados indicam que as personagens nos quais as mulheres se autoidentificaram foram percebidas como compartilhando da mesma pertença grupal.

Mulheres favoráveis e desfavoráveis parecem concordar que a díade rejuvenescimento estético versus envelhecimento natural reflete um processo de negação versus aceitação do envelhecimento e de insatisfação

versus aceitação da aparência. Contudo, é interessante salientar que o

rejuvenescimento ligado à negação do envelhecimento não foi uma representação explícita no discurso direto das mulheres favoráveis, revelando-se somente através da técnica de substituição, em que remetiam à personagem Helena. Esse resultado pode denotar que se trata de uma crença cuja expressão explícita poderia gerar desconforto, revelando-se como uma zona muda da representação (Abric, 2005). A explicitação desta crença por parte dessas mulheres poderia questionar os valores morais e as normas valorizadas pelo grupo de referência (Guimelli & Deschamps, 2000), o que poderia colocar em xeque sua identidade social. Além disso, “não querer envelhecer” poderia ser considerado um adjetivo desqualificador, no qual essas mulheres não querem se autoatribuir, tendo em vista que aceitar o envelhecimento também adquire um status normativo na sociedade, norma essa que as mulheres favoráveis também demonstraram aderir. Como as comparações intergrupais visam assegurar uma identidade social positiva (Tajfel & Turner, 1979; Turner, Hogg, Oakes, Reicher & Wetherell, 1987), projetar “no outro” características com valência negativa poderia consistir em uma forma de proteger essa identidade.

A identificação com o endogrupo se constitui um preditor importante da valência das RS (Vala, 1997) e estas tem uma função seletiva, assinalando características desejáveis ao endogrupo e indesejáveis ao exogrupo (Doise, 1978), o que foi identificado neste estudo. As mulheres enfatizaram autoestereótipos positivos - que entre as favoráveis foram projetados na personagem Helena e entre as desfavoráveis na personagem Joana - e evocaram maior variabilidade de heteroestereótipos negativos, no qual a relação de projeção com as personagens se inverte. Esses resultados explicitam representações arraigadas em dinâmicas intercategoriais conflituosas, nos quais o conhecimento sobre as categorias sociais é empregado com vistas a valorizar a categoria de afiliação e a discriminar à de oposição.

DeRidder e Tripathi (1992) consideram que a percepção da violação das normas do endogrupo pelos membros do exogrupo é um preditor para sua discriminação, sendo considerada um potente ativador de comportamentos intergrupais negativas. Outros autores, por sua vez, consideram essa discriminação em termos de violação a valores (Joffe & Staerklé, 2007), que seria percebida como uma ameaça à ordem social (Staerklé, 2009). A defesa identitária, em parte, é possível devido à função explicativa das RS intergrupais (Moliner et al., 2009; Vinet & Moliner, 2006) que permitem aos indivíduos antecipar, legitimar e explicar o comportamento do próprio grupo e o dos outros, justificando o favoritismo endogrupal e assegurando uma identidade social positiva (Tafani & Haguel, 2009). Neste estudo, as RS do rejuvenescimento parecem ter cumprido essa função. Para as mulheres favoráveis rejuvenescer implica em se manter feminina e assim preservar a autoestima e o bem-estar, através do exercício da vaidade. O controle do corpo se constitui em uma norma para se envelhecer bem, portanto a conformação com a mesma denota saúde mental e é valorizada, enquanto a transgressão representaria conformismo e entrega ao envelhecimento, desleixo, negligência pessoal ou sintoma de problemas psicológicos. Como os qualitativos estéticos estão intimamente ligados à identidade feminina, a falta de esforço e de cuidados com a aparência levaria à perda dessa identidade (Novaes & Vilhena, 2003), tornando as participantes desfavoráveis às práticas de rejuvenescimento grupos “ameaçadores” para a mesma. As desfavoráveis, por outro lado, defendem a manutenção de sua identidade etária, em que a conformação com as normas e valores grupais implicaria na aceitação da velhice como etapa natural do desenvolvimento e no qual o rejuvenescimento seria uma forma de violação, tendo em vista que denotaria um desejo de voltar a ser jovem. Ao mesmo tempo este objeto também violaria valores e normas ligados por um lado à primazia da “essência” sobre a aparência, sendo associado ao egoísmo e futilidade, e por outro a preservação da saúde, sendo simbolizado como uma violência desnecessária contra si próprio e, portanto, ligada ao descontrole emocional. Em oposição, o envelhecimento natural seria representado como um estado de equilíbrio entre corpo e mente, sustentando representações nas quais os membros do endogrupo são avaliados como seguros, maduros e psicologicamente saudáveis.

Como outro ponto a ser destacado, refere-se à identificação de um contraste entre características ligadas à exterioridade, atribuídas ao perfil de Helena e de introspecção, associado ao de Joana, o que evidencia

representações que ligam juventude e beleza à abertura ao mundo, e velhice e feiura a relações mais restritas com o mesmo. Ser jovem é vinculado a ser ativo, sociável e moderno, enquanto que ser velho remete à inatividade, ao ambiente doméstico e à estagnação, representação salientada principalmente pelas mulheres favoráveis. Ser velho é ser feio e feiura corresponde a um objeto de exclusão social (Novaes & Vilhena, 2003), enquanto beleza define-se como uma evidência de poder (Sampaio & Ferreira, 2009). Como as pessoas tendem a considerar a aparência um aspecto revelador de características de personalidade (Camargo et al., 2011), manter-se jovem e belo seria uma forma de transmitir uma boa imagem para os outros e, assim, facilitar os relacionamentos e a obtenção da afetividade. Assim, ao que parece, as RS do rejuvenescimento compartilhadas pelas mulheres favoráveis se mostram ancoradas em uma outra faceta dos processos identitários dessas mulheres, empregadas como objetivo de defender uma identidade etária que preserve a afiliação a uma categoria atrelada a maiores possibilidades de gratificação e valorização social: a de pessoas jovens. Essa ancoragem permite compreender porque as práticas de rejuvenescimento são significadas como promotoras de congruência entre aspectos subjetivos, atrelados a uma afiliação a categoria de jovens, e aspectos corporais, cuja a aparência denuncia a inclusão em um grupo social menos valorizado.

As RS intergrupais compartilhadas por algumas mulheres favoráveis enfatizam ainda fatores que dificultariam a adesão ao rejuvenescimento estético por parte de mulheres que optam por um envelhecimento natural, referindo-se principalmente a descrença nas práticas de rejuvenescimento e a falta de recursos para adotá-las. Breakwell (1993) assinala que outgroups viabilizam, aos membros de um grupo, a apresentação a outros aspectos das RS que podem estar menos de acordo com os interesses da ingroup, portanto a afiliação irá afetar a aceitação ou rejeição da RS. Assim, esse resultado pode denotar uma tentativa de deslegitimação do outgroup pelas mulheres favoráveis, que justificam a rejeição ao rejuvenescimento a outros fatores não ligados a estilos de pensamento que questionem suas crenças, como por exemplo, o discurso de valorização da velhice.

O discurso negativo dirigido ao envelhecimento natural ou ao rejuvenescimento estético, explícito nas RS compartilhadas pelas mulheres favoráveis e desfavoráveis, respectivamente, é identificado por algumas mulheres destes grupos ao considerarem a discriminação social direcionada às suas práticas pelo membro da categoria social antagônica. Por ser adepta do envelhecimento natural, as mulheres favoráveis

acreditam que a personagem Joana condenaria o rejuvenescimento estético, enquanto que as mulheres desfavoráveis consideram que a personagem Helena condenaria o envelhecimento natural. Glaveanu (2009) afirma que as pessoas, quando sustentam uma representação sobre um objeto, sempre tomam consciência de que existem outras possíveis representações que diferentes pessoas ou grupos podem ter sobre o mesmo objeto e elas podem antecipar e responder a essas outras representações. De acordo com Echabe, Guede e Castro (1994) membros de uma categoria discriminada podem assumir duas diferentes reações: podem polarizar representações prévias em uma direção defensiva para preservar a identidade ameaçada, justificando suas ações e posições contra a outra categoria ou podem se envolver em um processo de desidentificação com o ingroup para reduzir sua identificação com essa categoria discriminada. Ao que parece as duas reações foram observadas neste estudo: por um lado o envelhecimento natural é desqualificado como desleixo e passividade pelas mulheres favoráveis e o rejuvenescimento estético é visto como futilidade pelas mulheres desfavoráveis. Por outro lado, também observa-se uma minimização da identificação com um grupo alvo de desvalorização social: ao considerarem que o próprio grupo busca o rejuvenescimento “com cautela”, consequentemente as mulheres favoráveis atribuem o condenável excesso “aos outros”, enquanto que as mulheres desfavoráveis, embora sintam-se pertencentes a um grupo que legitima o envelhecimento natural, acreditam que é possível manter a vaidade, pois a ausência desta característica nas mulheres é socialmente menosprezada.

6.5. RELAÇÃO ENTRE RS DO ENVELHECIMENTO, DO