• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: A Cidade e as Crianças

2.4. Representações Sociais dos Pais acerca da cidade

Como já referenciamos anteriormente, a família é o primeiro sistema de socialização e transmissão de valores com o qual a criança contacta. Neste sentido pensamos que cabe à família, em primeira instância, transmitir à criança que os espaços públicos são de todos e para todos. A criança aprende mais por aquilo que vivencia, do que por aquilo que lhe é transmitido oralmente. Averiguar as experiencias vividas em família tornou-se uma preocupação para este trabalho, pois pensamos tratar-se de um excelente meio de análise das representações sociais parentais acerca da cidade através do estudo das experiencias vividas.

Daí que entender as representações que os pais têm acerca da cidade, provavelmente nos ajudou a compreender as próprias representações sociais que as crianças têm acerca da mesma, como já tivemos a oportunidade de referenciar.

A melhor forma de o fazer, foi o de convidar os pais para a realização de uma entrevista7, onde lhes foi dada a oportunidade de discutirem alguns assuntos pertinentes.

Em conjunto foram feitas algumas reflexões. A opinião dos pais é que as crianças não vivenciam a cidade e a rua como outrora. Mas, também afirmaram, que hoje em dia as crianças usufruem de mais espaços educativos e públicos do que antigamente. Aliás,

“…os traços mais marcantes da evolução das características da infância portuguesa no plano cultural articulam duas dimensões fundamentais: em primeiro lugar, o aumento da frequência das instituições educativas[…] e em segundo lugar, pela maior dominação do espaço cultural infantil pelos adultos, através da ocupação das crianças sob supervisão adulta[…] (Sarmento 2009)

A questão da falta de segurança na maior parte dos espaços urbanos, a falta de tempo por parte dos pais em proporcionar-lhes jogos e brincadeiras nesses mesmos espaços são os factores que mais condicionam, segundo a sua opinião, as interacções sociais entre as crianças.

Mesmo nos locais mais apropriados à promoção deste tipo de relações sociais e trocas de saberes, parques infantis, parques de lazer, jardins, a protecção e o medo estão sempre presentes. Um dos intervenientes chegou mesmo a afirmar: “ Noto que quando estou com o

meu filho a brincar no parque infantil, este pouco se relaciona com os outros meninos. Isto, a meu ver, deve-se ao facto das crianças se sentirem muito protegidas com a nossa presença e receiam ir brincar com os outros meninos!”

O excesso de trânsito e uma cidade pouco apelativa, onde há uma escassez de espaços verdes e jardins, foi outra condicionante realçada, levando a que os lugares públicos para passear com as crianças sejam os espaços fechados ou os grandes centros de comerciais onde o apelo ao consumo é uma constante.

Afirmaram que compete, em primeiro lugar, à família alertar as crianças para os perigos da cidade, quer sejam eles de ordem social, estrutural ou paisagístico, porque nestas idades ainda não têm a noção do perigo e podem pôr em causa a sua segurança e saúde. E que os princípios da cidadania deveriam começar na família.

No fim desta entrevista colectiva, podemos concluir que as representações sociais parentais acerca da cidade têm uma espécie de tronco comum entre si: a cidade de Braga não promove espaços, actividades ou contextos sociais ajustados para o desenvolvimento da cidadania, bem como não se enquadra no retrato de um contexto urbano onde as crianças possam participar activamente na sua vida social, política e cultural. Desta forma, podemos concluir que para os pais destas crianças, a cidade de Braga está longe de se enquadrar dentro do “Movimento das Cidades Educadoras” ou até das “das Cidades Amigas das crianças”. O que podemos também retirar deste tópico, para além do já discutido anteriormente, é o facto de como já é sabido, estas representações sociais serem transmitidas às crianças quer através das acções, quer através dos diálogos intergeracionais entre pais e filhos, o que pensamos ser pouco promissor para a mudança desejada ao nível da integração infantil na vida em sociedade.

2.5. Síntese e conclusão

A revisão da literatura sobre o estado da arte dos estudos sociológicos acerca da cidade e da transformação do espaço urbano permite-nos concluir que, as mudanças sociais ocorridas no último século tiveram um reflexo na evolução da cidade e na forma como concebemos/vivemos os seus espaços. A cidade de hoje, concebida como um lugar onde coexistem e interagem diferentes grupos sociais, reflecte o individualismo da sociedade.

Verifica-se que a cidade constitui um lugar para os adultos, com falta de espaços ajustados às crianças, onde estas são negligenciadas no seu papel participativo no espaço público da convivência urbana. Esta ocultação da criança, como actor social, tem reflexos negativos na construção da sua cidadania.

A compreensão da percepção que as crianças têm do espaço urbano passa sempre pela experimentação, em conjunto com elas, dos contextos em que as suas representações sociais ganham sentido.

Inicialmente, a cidade é representada por um aglomerado de edifícios, automóveis, lojas, ruas e passeios, elementos exteriores à criança. A cidade e os espaços urbanos são para as “pessoas”, isto é, a cidade é dos adultos. A criança sente que não faz parte da mesma, pois raramente se identifica como actor participativo no espaço urbano, exceptuando, talvez, nos parques infantis. Os espaços lúdicos são identificados pelas crianças como espaço de lazer e de brincadeira, mas estas continuam a não se sentir como elemento integrante do mesmo. As crianças não afirmam que é para nós brincarmos, mas antes: “é para os meninos brincarem”.

Por outro lado, a cidade é o local onde a criança é bombardeada pelo apelo consumista, pois o McDonalds, os centros comerciais são espaços públicos mencionados inúmeras vezes como locais de consumo pelas mesmas.

Para concluir, verificou-se, também que as representações sociais das crianças acerca da cidade reflectem, em certa medida, as dos seus pais no que concerne ao conceito de cidade e aos seus elementos mais representativos.

A cidade não está concebida para as crianças; daí que, as preocupações destes pais sejam mais de “proteger” do que despertar a curiosidade, a participação e a intervenção destas na cidade, delegando essa responsabilidade às instâncias educativas.