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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS:

11.5. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E TOXICODEPENDÊNCIA:

São muito poucas as investigações no âmbito das representações sociais e na sua relação com o objecto "toxicodependências" (Valentim, 1996). O estudo do pensamento sobre o cidadão normal acerca das drogas é muito reduzido

(Oliveira, 1997)

O consumo de drogas acarreta toda uma dimensão construída socialmente, que atravessa senso comum e conhecimento cientifico. O fenómeno de "consumo de drogas ilícitas, é objecto de uma inequívoca dramaticidade social" (idem).

Já se viu até ao momento que na opinião de vários autores, quanto maior a informação circulante numa sociedade maior a velocidade na criação de representações nessa sociedade. Assim, não se pode ignorar a função e o poder produtor e reprodutor dos mass média na formação de visões colectivas do mundo. A importância destes nas nossas sociedades é brutal, moldando representações sociais, criando realidades, valores e opiniões.

O "modus" de pensar e ver as drogas, dita em grande parte a configuração da legislação sobre as mesmas. Infelizmente, o que tem ditado a política de intervenção ao nível das drogas é o senso-comum, são as representações sociais que "circulam" por "aí". Quanto mais não fosse, aqui está um bom motivo para se aplicar o campo das representações sociais às drogas.

O estereótipo associado à palavra droga e à figura de toxicodependente condicionará as atitudes e os comportamentos perante o fenómeno e a sua fenomenologia.

O caso da figura do toxicodependente ou a forma como a sociedade a ela reage, é um bom exemplo disso mesmo. Manita e Fernandes num artigo intitulado "Imagens da desviância- droga, insegurança urbana e criminalidade na imprensa" que é o resultado de um estudo acerca da imagem da imprensa escrita sobre a toxicodependências e as suas figuras, referem-se a esta reacção embuida de uma imagem de alguém muito perigoso, "folk devils" (Cohen 1972 in Manita, e Fernandes, 1998) difundida pelos órgãos de

comunicação social, com o intuito de controlar socialmente. Muitos dos consensos, das imagens dominantes, das representações sociais são "fabricadas" e "refabricadas" pelos órgãos de comunicação social. São pois um elemento de reacção social geradores de Pânico Moral (idem). Esta reacção é sobretudo dirigida à figura do Junkie, encarado e representado socialmente como alguém errante, delinquente, assaltante de rua, arrumador de carros, "sidoso", ostensivamente provocador, sem abrigo e desprovido de laços familiares , uma ameaça à ordem pública e à moral e bons costumes (ibidem). Num outro artigo de Melo et ai. (1997), sobre a droga nos media e as mensagens veiculadas na imprensa nacional escrita, os seus autores concluíram que a maior parte das noticias relacionam a droga com o delito, definem uma imagem estereotipada do toxicodependente associada ao crime, à delinquência, à desinserção social, à violência e à marginalidade. Os aspectos psicossociais e de saúde são pouco referenciados.

Num artigo de Valentim (1996), sobre a percepção social do consumo de drogas ilícitas junto dos responsáveis de paróquias sobre o consumo de drogas na própria comunidade, a representação do toxicodependente centra-se na figura do viciado/dependente, na dos utilizadores habituais e nos

experimentadores, sendo a primeira indicada como a principal.

No entanto, alguns escassos elementos permitem adivinhar que se assiste a uma deslocação da figura do "folk devil" do junkie da castanha para o "pastilhado" num movimento que acompanha a deslocação dos padrões de consumo da heroína para o "ecstasy" e outra novas drogas. Sobre este recaem representações sociais que circulam em redor de uma figura noctívaga e sinistra. O junkie tradicional é substituído pelo "pastilhado", os territórios psicotrópicos (Fernandes, 1998), pelas discotecas e territórios de festas rave. Num ponto ambas as figuras são perpassadas por um aspecto comum, a insegurança, o crime, o medo, como característica visceral destes seres.

Como nos referem os autores, o cidadão comum capta dos media aquilo que vai de encontro ao seu estereótipo, ou seja "ancora" a informação circulante, ancora o objecto em referências já existentes no seu pensamento, tal como nos refere Moscovici.

No âmbito de uma dissertação de Mestrado em Psicologia Legal da responsabilidade de Fernandes (1998), intitulada "Atitudes perante a pessoa

toxicodependente de membros ou aderentes de partidos políticos", a autora refere que a palavra droga é vulgarmente associado à substância heroína embora a palavra dependência tenha diferentes significados para diferentes pessoas.

A palavra droga é identificada como uma ameaça ao bem estar social e gera o medo colectivo, embora muito caminho se tenha percorrido desde os anos 60/70. Diabolizada pela moral vigente, desejada pelas culturas juvenis, mais do que as drogas o que estava em causa era o que elas representavam (Espinosa, 1989 in Fernandes, 1998). Quando esta geração, estes herdeiros dos anos 70 chegam à idade adulta e a cargos de influência e poder acabam por serem os responsáveis por uma mudança de atitudes relativamente às drogas, mais amenizada e menos repressiva, o que de resto é acompanhado por uma massificação dos consumos (idem). Esta retira muito do encanto e do apaixonante dos consumos, e de mecanismo de identificação, a droga, passou para mecanismo de adaptação.

Segundo Espinhosa (ibidem), dá-se uma alteração relativamente às representações sociais do toxicodependente e da droga. A opinião pública começa a descriminar as drogas pelo grau de nocividade, pela quantidade e ainda pela distinção do uso do abuso, esbate-se a diferença entre o conceito de droga legal e ilegal. O viciado é cada vez mais identificado com o delinquente e o consumo cada vez mais com uma doença.

A autora - Fernandes (idem) - referência alguns estudos versando sobre as representações sociais na toxicodependência e toxicodependentes, apontando as conclusões dos mesmos e concluí que, na maioria dos estudos sobre o "estereótipo da pessoa toxicodependente e das atitudes perante a pessoa toxicodependente" o ponto comum é a atribuição de características negativas sobre os toxicodependentes e o grande desconhecimento sobre o fenómeno. Num estudo de 1991 da responsabilidade de Echeba e colaboradores (in Fernandes, 1998) acerca de "Representações sociais da droga e da pessoa toxicodependente", ressalta daqui sobretudo a ideia da droga como produto químico responsável por mudanças físicas, psicológicas e/ou sensoriais, droga como causadora de consequências sociais, prisão, substância excitante e venenosa. A pessoa toxicodependente foi vista como ansiosa, agressiva,

isolada, indiferente, egoísta, doente, fraco, degradado fisicamente, inseguro, infeliz e imaturo, etc....

Em 1996, Oliveira e colaboradores (in Fernandes, 1998) com um estudo intitulado "Impacto das drogas na saúde e na sociedade", referem por parte dos sujeitos da amostra a necessidade de se proibir a venda e consumo das drogas.

Centrando-se agora sobre os resultados do estudo de Ferreira (1998), sobre "atitudes perante a pessoa toxicodependente de membros ou aderentes de partidos políticos", conclui que independentemente dos quadrantes políticos, todos apontam para a necessidade da penalização do consumo de drogas. A aposta na reabilitação é apontada por 90.6% como necessária. Os filiados em partidos de direita e/ou com atitudes sociopolíticas de direita tem de um forma geral atitudes e juízos morais mais negativas perante a pessoa toxicodependente, desvalorizam o indivíduo consumidor em favorecimento da protecção do indivíduo. Pelo contrário, pessoas filiadas em partidos da esquerda e com atitudes sociopolíticas de esquerda, demonstram uma atitude de maior abertura à despenalização do consumo de drogas, valorizando a liberdade individual de cada um. A vertente punitiva e a terapêutica emanadas por campos opostos, de um lado vitimas do outro agressores, de um lado a compreensão e aceitação do outro a punição, a vigilância e a sinalização. A direita preconizando uma intervenção do sector privado a esquerda uma intervenção prioritariamente estatal. Num aspecto parece não haver diferenças, ambos os membros alheiam-se da evolução do conhecimento cientifico.

Para Fernandes (1998), a figura do toxicodependente é encarada actualmente como a figura do louco lúcido no séc. XIX, indivíduo desprovido de razão, ameaçando a ordem natural das coisas, faz perigar o progresso e as gerações vindouras, induz medo, insegurança e povoa todo o nosso imaginário do pânico.

O novo, o inovador cria resistências e medos, ameaçam a ordem estabelecida criando a necessidade de se criar representações sociais sobre os novos fenómenos (Joffe in Guareschi e Jovchelovitch [orgs] 1999), independentemente do núcleo central se manter estável. A sociedade necessita de se apaziguar, de segurança e para tal vai familiarizar-se com o novo objecto através da sua ancoragem e objectivação. A ancoragem do

fenómeno começou por, e continua a sê-lo, se dar através da sua identificação como um flagelo, como uma praga para ser objectivado a partir da sua relação com determinados sectores da população e encarnado na figura do Junkie delinquente e ameaçador, o mal e a sua proveniência estava identificada securizando a população. Demonstrado como está que se assiste a uma alteração dos padrões de consumo, parece legitimo pensar-se que o mesmo tipo de processo se estenderá aos consumidores de novas drogas.

Conclusão:

Os estudos sobre as representações sociais na toxicodependência são ainda um domínio pouco explorado.

O objecto droga tem vindo a ser alimentado no imaginário social, sobretudo pelo papel dos mass-média, com uma forte influência nas politicas emanadas pelo poder político. Este como refere o estudo de Ferreira (1998), as representações sociais destes são marcadas pelo medo colectivo, independentemente de perante sectores de esquerda ou direita, estas assumirem diferentes tendências avaliativas.

Os média, tal como demonstram os estudos aqui apresentados, têm-se encarregado de difundirem a imagem do consumidor de drogas como alguém que se situa entre a substância e o crime e toda uma carreira "errante".

Espinosa (1989, in Fernandes, 1998), demonstra como o núcleo central das representações sociais sobre a toxicodependência se mantêm, ao invés dos elementos periféricos que sofrem uma evolução, e assim a doença acaba por começar por aparecer como entidade explicativa do problema.

Outros estudos apontam para a grande falta de conhecimentos sobre o tema, sobre o fenómeno, e para o centramento da população nas consequências bio- psico-sociais e ainda para a figura do toxicodependente como alguém naturalmente problemático.

SPECTOS METODOLÓGICO: