CAPÍTULO 2 -‐ O PROBLEMA SOCIOLÓGICO: CONSTRUÇÃO TEÓRICA E CONCEPTUAL 13
2.3. Representações sociais 23
puramente descritivo. Mais do que procurar encontrar resultados ao nível da eficácia e eficiência das políticas públicas, a nossa investigação visa uma análise cognitiva dos sentidos que produzem e são produzidos pelas políticas em estudo. Cada política, segundo esta perspectiva, constitui-‐se como um modo de abordar e tentar agir sobre um determinado problema num determinado domínio da sociedade. Importa, na análise deste tipo de políticas, ter em conta a definição das representações dos actores políticos, sobre determinado problema ou política, a forma como se definem a partir de uma interpretação construída acerca do problema sobre o qual intervêm, as consequências e as soluções possíveis para a sua resolução (Muller, 2009). Este tipo de acção é representada segundo processos de decisão onde participam vários actores que constituem, relativamente a um determinado domínio da sociedade, representações partilhadas ou não por ela, de modo a agir e compreender um problema específico sobre a realidade assim percebida. A abordagem que vamos seguir incide sobre a função cognitiva da acção política que tem por base o papel das ideias e os frames que constituem o universo cognitivo desses actores (Muller, 2009).
Entendemos, na linha de Hajer e Laws (2008), que se baseiam na obra de Ludwig Fleck em torno dos esquemas interpretativos, que um entendimento social cognitivo sugere que a acção depende do modo como os esquemas de pensamentos colectivos concebem o mundo que os rodeia. Cada grupo tem um estilo próprio de pensamento colectivo que ordena o processo de cognição, que explica a forma como age e ajuda a informar sobre o sentido a adoptar em situações complexas.
2.3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
As representações ajudam-‐nos a compreender os eventos que ocorrem à nossa volta e têm como principal papel dar significado relativamente a algo, a um objecto ou a um sujeito. Atribuem uma definição específica e dão sentido ao que nos envolve. Segundo Jodelet (1989), as representações sociais são uma forma de conhecimento, socialmente construído, que nos dá uma visão prática do que nos rodeia. A autora entende que estas se constituem como sistemas de interpretação que orientam a nossa relação com o mundo no qual interagimos. Estes sistemas regulam a nossa
relação com o mundo e com os outros, orientam e organizam o comportamento e a comunicação (Jodelet, 1989). Encontram-‐se presentes nas bases da acção política já que definem os aspectos estruturais da acção e as formas de pensar de todos os actores sociais. Permitem-‐nos classificar pessoas e objectos, comparando e explicando comportamentos, e objectivando-‐os como parte de um todo social (Moscovici, 1988). Apresentam-‐se “como modos de interpretar e de pensar a realidade quotidiana, como um conhecimento construído a partir das experiências individuais, das informações, dos modelos, dos valores, que cada indivíduo adquire e transmite” (Lourenço & Lisboa, 1992, p. 28).
As representações sociais são moldadas nos processos de interacção, as suas características são determinadas nas relações entre pessoas, grupos e objectos, e a sua partilha permite criar elos entre os elementos de um determinado grupo social (Moscovici, 1988). Entendemos que a classe política tem na sua base a partilha e difusão desses elementos comuns, as representações, e desta forma procura mobilizar os seus elementos e os cidadãos em redor de uma forma comum de olhar, de pensar e de agir. São pensamentos individuais que se convertem, que permitem que algo individual se torne em algo social (idem). São concebidas pelos actores e grupos sociais, tornam-‐se observáveis nos actos do dia-‐a-‐dia, através da sua reprodução constante. O sistema político, através das políticas de significação, procura difundir formas de pensar e agir comuns. Assumindo que as representações condicionam os comportamentos e as estruturas sociais existentes numa sociedade (Moscovici, 2000), o estudo das representações permitiu avaliar que concepções se encontram presentes nas políticas que pretendem atingir uma generalização de um entendimento e um curso de acção comuns.
O estudo das representações sociais preocupa-‐se, fundamentalmente, com os conteúdos do pensamento quotidiano e do stock de ideias (Moscovici, 1988) que dá coerência à estrutura cognitiva e à acção de cada um. As representações devem ser estudadas e abordadas a partir de elementos que articulem os elementos sociais, mentais e emocionais (Jodelet, 1989), através da comunicação, constituída por uma estreita ligação entre cognição e linguagem. Para a sua análise, devemos construir uma metodologia que examine o esquema que está na base do que caracteriza uma representação, como forma de conhecimento prático, que liga um sujeito a um
profunda entre o fenómeno cognitivo e social, a comunicação e o pensamento (Moscovici, 1988). Ao analisar as múltiplas formas de conhecimento e as crenças existentes, com as quais no deparamos no dia-‐a-‐dia, percebemos que elas resultam de uma longa cadeia de transformações e a única forma de as compreender é analisando a configuração social da comunicação a cada momento (idem). Pretendemos atingir esse objectivo examinando as representações traduzidas num discurso político em quatro momentos distintos, e a partir daí compreender que transformações ocorreram. Entendemos que a comunicação determina e é reflexo das representações. Afecta e é afectada pela nossa forma de pensar. É através dela que se podem criar novos conteúdos, novas representações (idem).
As representações permitem, através da linguagem, ligar indivíduos e grupos. Qualquer que seja a motivação, as pessoas comunicam para chegar a um entendimento comum, sendo que durante esse processo é transmitida e partilhada informação específica relativa a determinado assunto (Moscovici & Hewstone, 1983). Este processo permite aos indivíduos confrontarem-‐se com as percepções e os julgamentos dos outros elementos de um grupo e, percebendo e partilhando semelhanças, constroem-‐se bases para formas de pensar e agir comuns (idem). Percebemos, desta forma que na natureza das representações sociais está a sua capacidade para criar informação, que tem como função familiarizar-‐nos com aquilo que à partida nos poderia ser estranho (Moscovici, 1988). Tal como Jodelet (1989), entendemos que nos discursos podemos, através das palavras e imagens vinculadas às ideias do seu autor, encontrar as respostas para compreender as lógicas intrínsecas aos comportamentos e representações políticas.
Quando as pessoas partilham uma definição, elas analisam a sua própria conduta e interpretam a dos restantes elementos à luz desse conhecimento (Moscovici & Hewstone, 1983). Essas definições, quando partilhadas pelos membros de um grupo, constituem uma visão consensual acerca da realidade. Vamos procurar reproduzir a visão acerca da realidade, traduzida nos debates e nas intervenções parlamentares. Entendemos que aí se partilham e difundem definições acerca da realidade e que servem de guia para as acções e mudanças quotidianas (Jodelet, 1989) que se pretendem para uma determinada sociedade. Desta forma, e segundo Moscovici (1989), são constituídas as representações colectivas, onde o indivíduo é constrangido, no seu pensamento e acção, por representações que pretendem ser dominantes na
sociedade, moldadas em processos de interacção, dependentes e determinantes do meio onde surgem.
As representações são entendidas como meio de socialização onde “cada membro de um grupo tem as representações desse grupo impressas nele próprio, de modo a que as representações chegam ao core da sua personalidade individual, restringindo as suas atitudes e percepções” (Moscovici & Hewstone, 1983, p. 118). Focando-‐nos em políticas públicas que pretendem, acima de tudo, produzir mudança nas formas de pensar e agir de uma determinada sociedade, tivemos que incidir a análise sobre este processo e procurar demarcar que representações têm funcionado como meio de socialização, tanto da classe política, como da sociedade que regulam.
2.4. GOFFMAN E FRAME ANALYSIS
Em Frame Analysis (1974), Goffman adopta o conceito de frame e define-‐o como sendo um “esquema de interpretação”, um “quadro” de referência geral construído socialmente, que permite aos indivíduos “localizar, perceber, identificar e rotular” ocorrências passadas no seio da sua vida social e do mundo em geral (Goffman, 1986 [1974], p. 21). Com ele tenta compreender as variadas situações que se nos apresentam no decorrer no dia-‐a-‐dia, onde as próprias situações também organizam as formas de interpretação daquilo que nos acontece. Estas situações são encaixadas em frames e reconhecidas numa qualquer situação da nossa vida, configurando-‐se de forma diferente conforme o espaço e o tempo em que se desenrolam e consoante os indivíduos que interagem nessas situações. Como se depreende de tudo isto, estes “quadros” acarretam uma enorme subjectividade.
Os frames ajudam os indivíduos a ordenar a realidade por eles percebida, na medida em que lhes permitem que “reconheçam” uma variedade de situações que dificilmente seriam compreendidas se os indivíduos não recorressem ao “enquadramento” (Snow, Benford, Rochford, & Worden, 1986, p. 469). Podem ser entendidos como um background cognitivo que fornece instrumentos para os actores sociais criarem formas organizadas de ver o mundo a cada momento que agem e interagem (Vimieiro & Dantas, 2009). Segundo esta perspectiva, não existe uma