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CAPÍTULO IV TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

4.2 Representações Sociais Processos formadores e funções

4.2.1 Processos formadores

Para compreender as representações sociais, é essencial conhecer como elas são formadas, pois sua construção é norteada por dois processos sociocognitivos denominados ancoragem e objetivação, esclarecendo como o social transforma um conhecimento em representação e como esta modifica o social.

Segundo Moscovici (2012), as representações sociais se constituem de uma formação lógica, desdobrada em duas faces tão pouco dissociáveis quanto a página da frente e a do verso de uma folha de papel caracterizadas como face figurativa e face simbólica. Isto é, a representação imprime a qualquer figura um significado e, a qualquer significado, uma figura. Dessa forma, o inconsciente é, no pensamento da maioria das pessoas, um símbolo da psicanálise encarregado entre outras coisas de valores, escondido, involuntário e visualizado no cérebro como uma camada mais profunda e envolvente.

No dizer de Moscovici (2010), a finalidade das representações sociais é transformar um objeto não conhecido em um objeto conhecido. Ele considera que, para transformar palavras não-familiares, ideias ou seres em palavras próximas e atuais, é necessário:

.... dar-lhes uma feição familiar, pôr em funcionamento os dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas. (...) É dessa soma de experiências e memórias comuns que nós extraímos as imagens, linguagem e gestos necessários para superar o não-familiar, com suas consequentes ansiedades. As experiências e memórias não são nem inertes, nem mortas. Elas são dinâmicas e imortais. (p. 60 e 78)

As formas de lidar com a memória acontecem através da ancoragem e da objetivação. Moscovici (2010) explica ancoragem como o processo a que se recorre para classificar o objeto desconhecido através da comparação de acordo com o que lhe é conhecido.

... No momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e então comunicá-lo – mesmo vagamente, como quando nós dizemos de alguém que ele é ‘inibido’ – então, nós podemos representar o não-usual em nosso mundo familiar, reproduzi-lo como uma réplica de um modelo familiar. (p. 62).

Jodelet (2001) esclarece que a ancoragem intervém no processo de elaboração das representações, assegurando sua integração no social.

... a ancoragem enraíza a representação e seu objeto numa rede de significações que permite situá-los em relação aos valores sociais e dar-lhes coerência. Entretanto, nesse nível, a ancoragem desempenha um papel decisivo, essencialmente no que se refere à realização de sua inscrição num sistema de acolhimento nocional, já pensado. (p. 38-

A autora destaca ainda que a ancoragem serve para instrumentalizar o conhecimento, atribuindo-lhe um valor funcional para a compreensão e a administração do ambiente. Ancorar, portanto, é identificar pessoas, ideias, relações, objetos ou acontecimentos estabelecendo em uma categoria que aproxima o sujeito do objeto, o indivíduo e o participante do seu grupo, fortalecendo, consequentemente, o grupo.

Para Nobrega (2003), a ancoragem é constituída a partir de três condições: enraizamento no sistema de pensamento, atribuição de sentido e instrumentalização do saber. (i) O enraizamento no sistema de pensamento trata do movimento de ‘incorporação social da novidade’ vinculada à ‘familiarização do estranho’. (ii) A atribuição de sentido ocorre quando o pensamento constituinte se apoia no pensamento formado, com objetivo de adequar os novos conhecimentos aos já existentes. (iii) A instrumentalização do saber atribui um valor funcional à representação permitindo a compreensão da realidade. O conhecimento da representação contribui para a formação das relações sociais por meio da interpretação e da gestão da realidade pelos grupos ou indivíduos.

Coutinho (2001) complementa que tanto a objetivação quanto a ancoragem são processos que se baseiam na memória. A objetivação tende a dirigir a memória para fora, derivando conceitos e imagens da memória para combiná-los e reproduzi-los no mundo externo, isto é, criar algo novo com o auxílio do que já foi visto. Ao contrário, a ancoragem conduz a memória para dentro, buscando coisas, eventos e pessoas que ela identifica como um protótipo, ou se reconhece nomeando o mesmo. Assim, tanto a objetivação como a ancoragem, são processos que se baseiam na memória.

O segundo processo que atua na formação das representações sociais é a objetivação que consiste em unir a ideia do não-familiar com a da realidade, transformando-se no verdadeiro significado do que é real. Este processo tem a função de revelar a qualidade representativa de uma ideia ou ser impreciso, ou seja, dar forma e reproduzir no mundo

exterior um conceito em uma imagem, direcionando-a para o grupo social. Unir uma ideia não-familiar com a realidade é representar, preencher com substância aquilo que está naturalmente vazio, tornando a imagem um elemento da realidade, em vez de apenas ser um elemento do pensamento (Moscovici, 2010).

Para Jodelet (2001), a objetivação se apresenta como o processo de nacionalização das ideias, valorizando as realidades concretas, diretamente claras e utilizáveis na ação sobre o mundo e os outros. A estrutura que revela a imagem da representação torna-se condutora da contextualização e, de forma comum e funcional, a teoria de referência para compreender a realidade.

A objetivação, portanto, é a reprodução de um conceito em uma imagem, é a transformação de ideias em objetos concretos e materiais que compõem a realidade. Para Nóbrega (2003), “... a objetivação consiste em materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim, transformar em objeto o que é representado” (p. 65). Segundo esta autora, a função social da objetivação baseia-se na contribuição para o processo de comunicação, gerando laços sociais.

Continuando, a autora esclarece que o processo de objetivação pode ser classificado em três fases representadas: a construção seletiva, a esquematização estruturante e a naturalização.

No processo de construção seletiva, ocorre a utilização pelos participantes sociais, que se valem dos meios de comunicação de massa, das informações circulantes sobre um objeto socialmente relevante para se apropriar de determinado corpus teórico-cientifico, selecionados de acordo com os critérios culturais e com os critérios normativos que têm como utilidade reter os elementos de informação, conservando a coerência com o sistema de valores próprios do grupo.

Quanto à esquematização estruturante ou núcleo figurativo, considera que é o elemento ‘duro’, mais sólido e mais imutável da representação cujas funções são gerar, organizar e dar sentido à representação. Na naturalização, o processo se configura como uma tela de fundo em que são refletidos os delineamentos figurativos que se tornam consistentes em face da formação do novo conceito e de sua relação com a realidade.

Para Coutinho (2005), a construção seletiva se forma através das “informações, crenças e ideias sobre o objeto da representação que sofrem um processo de descontextualização. A nova mensagem não é apenas objeto de simplificação, mas de uma nova estrutura capaz de explicar e avaliar” (p. 53).

Ainda afirma que a esquematização estruturante ou formação de um núcleo figurativo é:

... a formação de uma estrutura de imagem que reproduz uma estrutura figurativa ou conceitual. Aqui, os conceitos teóricos são compreendidos num conjunto de metáforas coerentes, acomodando-se a um referencial conhecido e aceito individual e socialmente. Uma vez tendo o grupo adquirido tal modelo ou núcleo figurativo, será capaz de falar mais facilmente sobre o que este modelo representa. (p. 53-54)

Por último, a autora revela que a naturalização “é a transformação do abstrato em concreto. É nesta fase que um conceito é verdadeiramente naturalizado, isto é, quando o percebido constitui o concebido e torna-se extensão de sua lógica. Em vez de elementos do pensamento, figuras são transportadas para dentro da realidade” (p. 54).

4.2.2 – Funções das representações sociais

das comunicações sociais. A primeira tem por fim controlar a natureza ou falar a verdade sobre ela. A segunda se esforça em fornecer um sistema geral de objetivos para as ações do grupo (Moscovici, 2012).

Segunso Abric (1998), as funções das representações sociais norteiam a conduta e a comunicação entre os indivíduos e estão ligadas a um sistema de valores, noções e práticas que irão lhes proporcionar conhecimento, para se orientar no meio social, material e como forma de dominação, proporcionar-lhes um referencial comum ao estabelecer uma realidade consensual .

Segundo o autor, as representações sociais exercem um papel relevante na interação das relações sociais e nas suas práticas, isto porque elas correspondem a quatro funções:

As funções de saber permitem compreender e explicar a realidade, isto é, os participantes sociais adquirem seus conhecimentos comuns integrando-os em um panorama compreensível, coerente com seu modo de pensar e os valores com os quais eles concordam.

As funções identitárias definem a identidade permitindo proteger a especificidade dos grupos, ou seja, garantem um lugar primordial nos processos de comparação social.

As funções de orientação guiam os comportamentos e as práticas, atribuindo um sentido à representação.

E por fim, a função justificadora, que permite a posteriori justificar as tomadas de posição e dos comportamentos, tornando possível aos atores dos grupos expressarem e justificarem suas atitudes diante de uma situação ou em presença de seus companheiros.

Ao abordar a dinâmica e as funções sociais Jodelet (2001) ressalta que: “... Estas definições partilhadas pelos membros de um mesmo grupo constroem uma visão consensual da realidade para esse grupo. Esta visão, pode entrar em conflito com a de outros grupos, é um guia para as ações e trocas cotidianas” (p. 21).

Quanto ao espaço de estudo das representações sociais define-se pelas diversas dimensões que caracterizam a representação como uma forma de saber prático, ligando um sujeito a um objeto. Esse conhecimento prático, segundo Jodelet (2001), reporta-se à experiência a partir da qual ele é formado, aos contextos e às circunstâncias em que ele se encontra. Refere-se, especificamente, ao fato de que a representação serve para atuar sobre o universo e o outro, desembocando assim, em suas funções e eficácia sociais.

Os processos formadores e as funções das representações sociais incluem-se em universos de opinião e cada um desses universos possui três dimensões, nomeadas como: atitude, informação e o campo de representação ou imagem, que compõem a tridimensionalidade das representações sociais.