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foi feita sobre o sistema de leis segregacionistas conhecido como Jim Crow. Já na África do Sul, a unidade contraditória que caracteriza toda a nação também valeu-se da incorporação e institucionalização da segregação racial contra a maioria negra da população e um regime jurídico conhecido como apartheid, uma mistura macabra de práticas colonialistas-escravistas com nazismo, que vigorou até os anos 1990.108 Por fim, há que se ressalvar que, especialmente nos países latino-americanos, africanos e asiáticos, o nacionalismo nem sempre se converteu em práticas colonialistas, mas na afirmação de uma nacionalidade que se tornou a base cultural-ideológica para a resistência anticolonialista e para as lutas por independência política e econômica.109 Sob as mais diversas formas e contextos históricos, a reivindicação da cultura indígena na forma do pan-indigenismo110 foi e ainda é crucial na política latino-americana. Do mesmo modo, o pan-africanismo111 desempenha função primordial na constituição do imaginário de resistência não apenas em África, mas em todos os países da diáspora africana, e o pan-arabismo112 nos países e comunidades de cultura árabe também é exemplo de luta antirracista e de resistência anticolonial.113

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representatividade é um passo importante na luta contra o racismo e outras formas de discriminação, e há excelentes motivos para defendê-la. Quem pode duvidar da importância para a luta antidiscriminatória existir uma mulher negra em posições na academia, nos meios de comunicação e no judiciário geralmente associadas a homens brancos?

Nesse sentido, a representatividade pode ter dois efeitos importantes no combate à discriminação:

propiciar a abertura de um espaço político para que as reivindicações das minorias possam ser repercutidas, especialmente quando a liderança conquistada for resultado de um projeto político coletivo;

desmantelar as narrativas discriminatórias que sempre colocam minorias em locais de subalternidade. Isso pode servir para que, por exemplo, mulheres negras questionem o lugar social que o imaginário racista lhes reserva.

A força da eleição ou o reconhecimento intelectual de um homem negro e, especialmente, de uma mulher negra, não podem ser subestimados quando se trata de uma realidade dominada pelo racismo e pelo sexismo. Ademais, a representatividade é sempre uma conquista, o resultado de anos de lutas políticas e de intensa elaboração intelectual dos movimentos sociais que conseguiram influenciar as instituições.

Entretanto, as palavras de Charles Hamilton e Kwame Ture devem ecoar em nossas mentes e nos servir de alerta: “visibilidade negra não é poder negro”.114 O que os dois pensadores afirmam é que o racismo não se resume a um problema de representatividade, mas é uma questão de poder real. O fato de uma pessoa negra estar na liderança, não significa que esteja no poder, e muito menos que a população negra esteja no poder.

Como já ressaltamos antes, uma das características das instituições é se reformar para dar conta de seus conflitos internos e responder aos externos, a fim de preservar a sua existência e também as condições de dominação do grupo no poder. Por isso, não é incomum que instituições públicas e privadas passem a contar com a presença de representantes de minorias em seus quadros sempre que pressões sociais coloquem em questão a legitimidade do poder institucional. No caso do Brasil, um país de maioria negra, a ausência de representantes da população negra em instituições importantes já é motivo de

descrédito para tais instituições, vistas como infensas à renovação, retrógradas, incompetentes e até antidemocráticas – o que não deixa de ser verdade. A falta de diversidade racial e de gênero só é “bem-vista”

em nichos ideológicos ultrarreacionários e de extrema-direita; caso contrário, é motivo de constrangimento, deslegitimação e pode até gerar prejuízos econômico-financeiros – boicotes ao produto, problemas de imagem, ações judiciais etc.

Porém, por mais importante que seja, a representatividade de minorias em empresas privadas, partidos políticos, instituições governamentais não é, nem de longe, o sinal de que o racismo e/ou o sexismo estão sendo ou foram eliminados. Na melhor das hipóteses, significa que a luta antirracista e antissexista está produzindo resultados no plano concreto, e na pior, que a discriminação está tomando novas formas. A representatividade, insistimos, não é necessariamente uma reconfiguração das relações de poder que mantém a desigualdade. A representatividade é sempre institucional e não estrutural, de tal sorte que quando exercida por pessoas negras, por exemplo, não significa que os negros estejam no poder.

Anselm Jappe alerta que os pedidos pela “democratização do acesso às funções do sistema”, por mais justificados que possam ser no caso concreto,

[…] em geral desembocam na continuidade do desastre com um pessoal de gestão mais mesclado e com uma distribuição das vantagens e desvantagens que nem chega a ser mais igualitária, apenas muda o tipo de injustiça. Esse tipo de procedimento, na melhor das hipóteses, desembocará no direito de todos comerem no McDonald’s e votarem nas eleições, ou senão no direito de ser torturado por um policial da mesma cor de pele, mesmo sexo e falante da mesma língua de sua vítima.115

Primeiro, porque a pessoa alçada à posição de destaque pode não ser um representante, no sentido de vocalizar as demandas por igualdade do grupo racial ou sexual ao qual pertença. Este ponto, aliás, encerra uma grande contradição no que se refere aos efeitos do racismo, muito bem apontada pelo filósofo Cornel West: cultiva-se a falsa ideia de que membros de minorias pensam em bloco e que não podem divergir entre si. Isso é conveniente para os racistas, porque, sem a possibilidade do conflito, cria-se um ambiente de constrangimento

todas as vezes que negros demonstram divergir com medidas tomadas por uma instituição de maioria branca. A representatividade nesse caso tem o efeito de bloquear posições contrárias ao interesse do poder instituído e impedir que as minorias evoluam politicamente, algo que só é possível com o exercício da crítica.

Em segundo, porque, mesmo havendo o compromisso político do representante com o grupo racial ou sexual ao qual pertença, isso não implica que ele terá o poder necessário para alterar as estruturas políticas e econômicas que se servem do racismo e do sexismo para reproduzir as desigualdades.