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Para Michael Foucault (2002:88) houve dois grandes modelos de organização médica na história ocidental: o modelo suscitado pela Lepra e aquele provocado pela pela Peste. Na Idade Média, o leproso, logo que descoberto, era expulso da cidade, indo juntar sua lepra à lepra dos outros, o que caracterizava uma medicina de exclusão, seguindo o modelo religioso de purificação. Já a Peste instituiu um tipo de medicina militar, haja vista que havia inspetores na cidade controlando casa por casa as pessoas que estavam doentes ou ainda vivas, registrando permanentemente estes índices.

Foucault observa que a Medicina urbana não teve sua origem voltada para os indivíduos, os corpos, mas para o controle do meio ambiente, da água, dos organismos decompostos, do ar. Somente algum tempo depois se passou a analisar a ação do meio ambiente nesses organismos.

Já no segundo terço do século XIX, os pobres passaram a ter uma força política mais atuante, passando a ser vistos também como um perigo médico à elite francesa. Com o desenvolvimento das cidades, aumentaram as tensões entre os grupos de operários, o que ocasionou atritos entre os ricos e os pobres, burgueses e plebeus, dando origem às revoltas e práticas organizadas de resistência de matizes variados. Registram-se, inclusive, lutas por subsistência no sentido mais estrito, em que os pobres efetuavam saques a celeiros e comércios para a subtração de alimentos, visto que a pobreza e as desigualdades sociais eram extremas.

Todo esse fenômeno que se constituía levaria os movimentos sociais a uma avalanche de insurreições, que iriam culminar com a Revolução Francesa. A retirada dos pobres do interior das cidades ia sendo a estratégia eleita para apaziguar todo esse conflito e afastar do seio da comunidade as doenças comuns surgentes entre os pobres.

Com a Revolução Industrial surgiu a chamada Lei dos Pobres, que trazia um controle médico dessa população. Os médicos atuavam controlando as áreas insalubres, realizando quarentenas, registrando os casos de doenças, obrigando a população a se vacinar; destruindo os focos de disseminação das doenças. O pobre tinha direito a uma certa assistência médica gratuita, mas, em contrapartida, estava submetido a uma série de controles sobre o seu corpo e sua saúde. Viviam um verdadeiro “caldeirão de mazelas”, em razão da penúria extrema. Nos períodos de baixa da colheita, quando não tinham como se alimentar, invadiam as cidades com foices e machados. A fome, associada às péssimas condições de higiene, dera origem a um quadro elevado de doenças que fazia aumentar a mortalidade naquele meio. As classes mais abastadas não se viam naquela situação de insalubridade a que estavam confinadas as classes operárias, mas controlar a saúde dos pobres era necessário como forma de reprodução da força de trabalho e como proteção para que as elites não fossem atingidas com as

doenças originadas naquele meio. Quem mantinha financeiramente a assistência médica aos pobres eram as classes ricas. A Medicina privada, portanto, surgiu para atender essa elite que pagava aos médicos mais notórios para cuidar da nobreza e dos ricos.

Nesse contexto histórico – cultural, surgiu a concepção de uma medicina de elite para os ricos e da Medicina pública voltada para os pobres – modelo que até hoje ocasiona uma divisão profunda e injusta entre quem tem acesso e quem não tem a atendimentos de saúde. A questão do público e do privado, portanto, permeia a relação médico-paciente e seu papel social, como também toda a discussão da epidemiologia e suas possibilidades.

Percebe-se uma medicina de patamares classistas nítidos que agrava a exclusão social. Uma exclusão determinada por uma conjuntura político-social de proteção à saúde da sociedade “em geral” (essa pulverização é outro problema, pois não há “sociedade em geral”, uma vez que há desiguais buscando acesso à saúde, com possibilidades diferentes), que tem como estratégia perversa o controle da doença das comunidades mais carentes, em níveis incipientes, insuficientes.

O conceito de exclusão (RIBEIRO; 1999) refere-se fundamentalmente, desde os mais remotos tempos da humanidade, à segregação justificada pelos mais diferentes motivos, desde discordâncias religiosas a diferenças étnicas, políticas e econômicas, entre outras. Esse conceito foi amplamente discutido por cientistas sociais dos anos 1950 e 1960, sobretudo em conseqüência do cenário de desemprego e pobreza que então se evidenciava na França, apesar dos proeminentes sinais de desenvolvimento econômico vistos no país.

Após a segunda guerra mundial, as dificuldades no setor de saúde foram se tornando cada vez mais críticas, em conseqüência da pobreza e desemprego que assolavam os países. Via-se que os escombros da guerra não haviam sepultado somente os corpos de

suas vítimas, como também a dignidade e os direitos das pessoas que daquele momento em diante tinham que ser resgatados. Em 1946, os países membros da OMS proclamaram que a saúde era um direito fundamental de todos os povos, sem distinção de raça, cor, religião ou opção política, e que a fruição desse direito compreendia uma cooperação tanto no plano individual quanto governamental entre os países. Reconhecia, ainda, que o bem-estar das pessoas como coletivo constituía o objetivo fundamental para o seu desenvolvimento social e econômico.

Quando da Declaração de Alma Ata7, foram definidos os elementos essenciais para o desenvolvimento de uma atenção primária à saúde que dessem respostas às necessidades de todos os povos, sendo, então, reforçados os conceitos éticos de eqüidade, solidariedade e justiça social como norteadores das políticas públicas para obtenção de saúde para todos para o século XXI.

A partir da Declaração de Alma Ata, o Movimento de Reforma Sanitária encontrou o contexto propício para fazer avançar um processo de democratização dos serviços de saúde, que teve sua configuração primeira no SUS.

O SUS, pois, emergiu no Brasil na década de 1980, objetivando mudar a estrutura do sistema de saúde até então vigente e que, no entanto, não dava cabo da problemática da saúde do País. Como instrumento de sua viabilização, foi criado o PSF (Programa de Saúde da Família), priorizando-se, de início, como lugares de atuação dos profissionais, os municípios de maior insalubridade e de piores indicadores de saúde. Já estava, então, diante de um novo paradigma: o da promoção à saúde. Pensar as determinantes que causam o processo saúde-doença e trabalhar tendo em vista a saúde como bem-estar social (e não simplesmente a ausência de doença) posta-se como desafio à própria prática dos profissionais de saúde que estavam frente a uma

7 Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, Alma-Ata, Cazaquistão de 6-12 de setembro de 1978, y referendada pela 32 Assembléia Mundial de Saúde na resolução WHA32. 20(maio, 1979).

abordagem pouco usual. Assim é que o paradigma de promoção da saúde e de prevenção às doenças altera o que se vinha a realizar em termos, sobretudo, de atenção primária.

Em estudo realizado por Pedrosa (2001), os médicos e enfermeiros entendem que o programa está voltado para a população pobre e que, politicamente, há um imenso risco de se tornar (segundo o autor, isso já acontece) uma medicina pobre para pobre.

Para se tomar consciência dos termos em que vem sendo implantado o PSF, uma vez que os profissionais que nele atuam são alvo de interesse desta pesquisa podemos tecer algumas reflexões pertinentes ao nosso estudo e, para isso, são considerados significativos alguns aspectos, entre eles: