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3 IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE

3.2 DESAFIOS À IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

3.2.1 Reserva do possível

Tratando-se de direitos sociais, que consistem em obrigações de fazer, ou seja, prestacionais para o Estado, em que há escassez de recursos e incontáveis necessidades sociais, os gastos econômicos se tornam mais aparentes e onerosos. Assim, em razão das restrições orçamentárias, cria-se empecilhos para a implementação dos direitos e ofertas de todas as prestações materiais demandadas, surge uma limitação jurídico-fática que os Poderes Públicos poderiam apresentar.170

166 ARAÚJO, 2015, p. 109.

167 MENDES; BRANCO, 2012, p. 533.

168 FERRAZ, apud SCHULZE; GEBRAN NETO, 2015, p. 39. 169 Ibid., p. 40.

Não se desconhece que os direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988 devem ser efetivados. Todavia, em decorrência da cláusula de reserva do financeiramente possível, sua concretização deve ocorrer dentro das possibilidades do Estado, uma vez que exigem disponibilidade financeira.171

A reserva do possível pode gerar impacto nas situações em que se pretende assegurar o fornecimento de bens e serviços que já integram o esquema de políticas públicas, como é o caso do acesso universal aos serviços de saúde oficialmente disponibilizados pelo SUS. Mesmo com previsão de forma clara na legislação do conteúdo da prestação a ser alcançada ao particular, o problema continua, pois esse acesso pode ser interrompido, reduzido, ou negado em razão da indisponibilidade.172

Originalmente, a reserva do possível não tinha relação direta e unicamente “com as restrições de recursos materiais enquanto limites intransponíveis para a concretização do direito social, mas sim à razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação”, esclarece Masson.173

Esse argumento cria a necessidade de agir intermediando eficiência e distribuição, visando a resolução de um, mas acarretando problemas com o outro.174 Cumpre salientar que

esse princípio não deve servir de escudo, em que o Estado pode deixar de cumprir suas obrigações, alegando meramente não existirem recursos suficientes.175 Paulo e Alexandrino

acrescentam:

A não efetivação, ou efetivação apenas parcial, de direitos constitucionalmente assegurados somente se justifica se, em cada caso, for possível demonstrar a impossibilidade financeira (ou econômica) de sua concretização pelo Estado.176 Isto é, é necessária a demonstração de modo concreto que o fato implicaria em descontrole financeiro, inviabilizando as contas dos entes públicos, para evitar uma desorganização econômica.

171 PAULO; ALEXANDRINO, 2016, p. 237.

172 SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2014, p. 576 173 MASSON, 2016, p. 289/290.

174 ENGELMANN, Fabiano; FILHO, Marcio Camargo Cunha. Ações judiciais, conteúdos políticos: uma

proposta de análise para o caso brasileiro. Revista de sociologia e política. [Online], v. 21, n.45, p.57-72, mar. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v21n45/a06v21n45.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2017, p. 60-61.

175 SCHULZE; GEBRAN NETO, 2015, p. 43. 176 PAULO; ALEXANDRINO, loc. cit.

3.2.1.1 Garantia do mínimo existencial

Há, entretanto, uma limitação que atua como um contraponto à cláusula da reserva do financeiramente possível: o princípio da garantia do mínimo existencial, que também se encontra implícito na Constituição Federal de 1988.

Significa dizer que a dificuldade do Estado em decorrência de escassez dos recursos financeiros disponíveis não afasta o dever dos entes públicos de garantir um mínimo essencial para a subsistência digna da população. Não admite, portanto, que o Estado recuse sob a referida alegação, o direito a prestações sociais mínimas, bem como as prestações positivas estatais propiciadoras da fruição de direitos sociais básicos, como o direito à saúde.177

Como se nota, para a apreciação do mínimo existencial, torna obrigatória a compreensão do próprio conceito de dignidade humana. Então, para que seja reconhecida, a garantia do mínimo existencial independe de expressa previsão constitucional, pois decorre da proteção da vida e da dignidade da pessoa humana.

Mesmo que não esteja previsto expressamente no texto constitucional “consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, não se poderia deixar de enfatizar que a garantia de uma existência digna consta do elenco de princípios e objetivos da ordem constitucional econômica”, ponderam Sarlet e Figueiredo.178

A supremacia absoluta das diretrizes constitucionais e a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República impõem a aplicação da norma mais favorável à defesa dos Direitos Humanos, bem como escolher a interpretação que lhe garanta a maior e mais ampla proteção.179

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, já se faz presente uma percepção de mínimo existencial, ainda que não definida com esta denominação. Em seu artigo 25, §1º, dispõe:

§1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de

177 PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 238.

178 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e

direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região. Porto Alegre, n. 24, jul. 2008b. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html>. Acesso em: 15 fev. 2017.

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.180

Com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, não se permite que o Estado negue, nem mesmo sob a alegação de insuficiência de recursos financeiros, o direito a prestações sociais mínimas, aptas a assegurar à sociedade, condições adequadas para uma existência digna, com acesso efetivo à fruição de direitos sociais básicos, como o direito à saúde.181

É um princípio que contempla um valor fundamental para o sistema jurídico, potencializando os direitos fundamentais e o Estado Constitucional.182 Deste modo, os conflitos

de interesses que ocorram devem ser resolvidos com fundamento na dignidade da pessoa humana, demandando uma ponderação entre o bem-estar e a saúde dos cidadãos e as prerrogativas orçamentárias do Estado.183

Não se trata de uma discussão simples, tendo em vista que o Estado brasileiro possui um compromisso com a eficiência no gasto de recursos públicos. É uma imposição constitucional, que se encontra disposta no artigo 37 da Constituição Federal.184 Neste sentido,

Timm185 traduz eficiência como “a busca pelo ótimo, evitando-se o desperdício na utilização

de recursos”.

Uma ponderação para ser adequada deverá dar abertura para diversos resultados, pois não se pode negar a importância da necessidade de dinheiro em caixa para analisar a possibilidade fática de realização do direito à saúde, previsto e reconhecido constitucionalmente.186

Por estes motivos, é necessário que se ressalte que os direitos sociais não são direitos absolutos, dessa forma, submetem-se às limitações, e por consequência, “limitações das limitações”, de modo que a reserva do possível e o mínimo existencial assumem um papel

180 ONU. Resolução 217 A. Declaração universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em:

<http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2017.

181 PAULO; ALEXANDRINO, 2016, p. 238. 182 SCHULZE; GEBRAN NETO, 2015, p. 32. 183 ENGELMANN; CUNHA FILHO, 2013, p. 60-61.

184 TIMM, Luciano Benetti. Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva

de direito e economia. Disponível em:

<https://www.researchgate.net/profile/Luciano_Timm/publication/265527545_qual_a_maneira_mais_eficien te_de_prover_direitos_fundamentais_uma_perspectiva_de_direito_e_economia/links/544e41d00cf26dda088e eac1/qual-a-maneira-mais-eficiente-de-prover-direitos-fundamentais-uma-perspectiva-de-direito-e-

economia>. Acesso em: 15 maio 2017.

185 Ibid.

relevante. Por isso, uma ponderação torna-se adequada, para que se possibilite a efetivação do direito constitucional, da melhor forma que seja possível na situação.

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