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4. Educação médica

4.3. A Residência Médica

Durante a graduação em Medicina, é de fundamental importância a aprendizagem de conhecimentos - ponto de vista cognitivo - bem como o desenvolvimento de habilidades para realização de exames e procedimentos - ponto de vista psicomotor. Entretanto, “a característica mais distintiva do ensino em Medicina em relação a outras profissões é o aprendizado de atitudes que regem a conduta médica” (BACHESCHI, 1998, p. 369). Cumpre notar, segundo este autor, que, frente ao doente, o médico lança mão de inúmeros conhecimentos e habilidades aprendidos e assimilados para melhor definir suas hipóteses de trabalho, porém,

a atitude a ser tomada para a resolução do problema envolve importantes aspectos afetivos próprios do médico, do doente, da família deste e muitas vezes, da compreensão de aspectos sociais e econômicos que serão envolvidos para o diagnóstico e tratamento. Esta combinação de conhecimentos, habilidades e

sentimentos, que definirá a conduta médica, varia

substancialmente para cada doente atendido, mesmo que a doença seja a mesma. (BACHESCHI, 1998, p. 369).

Registramos no percurso da educação médica a importância da aprendizagem prática, considerada essencial e exercida ao longo da história de maneira indissociável. Data de 1889 a criação do primeiro programa de Residência Médica, na Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos. (BACHESCHI,1998, p. 369). Esta forma de treinamento foi tão bem-sucedida que multiplicou-se rapidamente nos EUA, tornando-se praticamente obrigatória para o exercício profissional a partir de 1930.

A institucionalização da Residência Médica sistematizou uma forma de ensino que expõe o jovem médico, selecionado previamente por uma avaliação rigorosa de conhecimentos, a inúmeros serviços e supervisores cuja principal missão consiste em torná-lo apto ao

desempenho da especialidade escolhida. A origem do termo, cabe apontar, refere-se ao fato de que o médico deveria residir na instituição em que o programa estivesse sendo desenvolvido, colocando-se à disposição do hospital em tempo integral para melhor acompanhamento da evolução dos doentes.

A Residência Médica é considerada, portanto, a melhor forma de aprimoramento e de especialização em Medicina, pois baseia-se no treinamento em serviço submetido à supervisão contínua, permitindo aquisições cognitivas que ocorre de maneira simultânea ao desenvolvimento de habilidades e vivências de atitudes, entendidos como elementos essenciais à prática médica (BACHESCHI, 1998).

No Brasil, o primeiro programa com as características da Residência Médica foi criado no HC, da FMUSP em 1944. Quatro anos depois, foi introduzida no Hospital dos Servidores do Estado no Rio de Janeiro. Gradativamente, todos os hospitais universitários e uma parte dos hospitais previdenciários passaram a adotar programas similares. Em 1958, a FMUSP criou o estágio hospitalar no sexto ano, com o nome de internato, que obedecia o regime de tempo integral; os estágios pós-graduados passaram a ser denominados Residência Médica. Entretanto, só se tornou obrigatória a partir de 1983 (BACHESCHI, 1998, p. 370).

O crescimento progressivo do número de vagas, em inúmeras escolas, sob forma de programas de Residência Médica, refletiu também a necessidade de se contemplar a especialização dos médicos recém-formados. A proliferação desordenada de escolas médicas, sobretudo nas décadas de 1960-70 foi plena de conseqüências: um grande contigente de médicos vinha de cursos de graduação pouco estruturados, com precárias condições materiais e técnicas, resultando numa base frágil para o exercício da profissão. Nesse sentido, a Residência Médica passou a ser vista como indispensável à complementação da formação médica. As instituições de saúde se beneficiaram com o trabalho do residente, na medida em

que este contribui com o atendimento, multiplicando a capacidade de recursos humanos necessários à demanda de assistência, ao mesmo tempo que ocupa uma posição central para o elevado nível de produção de conhecimentos, ensino e pesquisa, desenvolvidos com excelência nos hospitais-escolas (FEUERWERKWER, 1997; BACHESCHI, 1998).

Até 1973, cerca de 50% dos médicos formados na FMUSP completavam sua formação através dos programas de Residência Médica oferecidos pela instituição. Entre 1975-76, este número saltou para a faixa de 90 a 95%, conforme Sampaio (APUD FEUERWERKER 1997, p. 99). Como não existia nenhuma forma de regulamentação oficial desses programas, verificou-se uma multiplicação vertiginosa desta modalidade de trabalho em inúmeros hospitais, que ofereciam vagas “apenas para atrair mão-de-obra barata, sem qualquer intenção de propiciar aprendizado, fazendo com que o residente trabalhasse sem qualquer supervisão” (BACHESCHI, 1998, p. 370).

Os próprios médicos-residentes foram atores importantes na deflagração de um movimento nacional em torno de reivindicações para o exercício dos programas, bem como para a garantia de direitos trabalhistas, que culminou na criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), através de decreto presidencial em 1977.

A constituição da CNRM foi referendada pela Lei 6932 de 1981, regulamentando a Residência Médica e definindo-a como

modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, em nível de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, em regime de dedicação exclusiva, em instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais

médicos de elevada qualificação ética e profissional

(FEUERWERKER, 1997, p. 100-101).

Definiu-se, a partir de então, que os programas deveriam ser credenciados pela CNRM, que ao médico seria atribuído um título de

especialista na conclusão do programa, referendado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e que haveria uma bolsa mensal durante o programa, com um valor definido por lei. Registrou-se apenas 154 pareceres favoráveis às 205 instituições que solicitaram credenciamento à CNRM, nessa ocasião, gerando uma diminuição de vagas, seguido por um novo fenômeno de expansão nos anos seguintes. Em 1982, havia 1500 vagas para residentes, elevando o índice para 4097 em 1984. (FEUERWERKWE, 1997, p.101).

A partir de 1989, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) passaram a estabelecer exames promovidos pelas associações de especialistas, como requisito para a obtenção de título de especialistas, instituindo um sistema de avaliação para coibir os reflexos dos inúmeros e precários programas de Residência Médica disseminados pelo país.

De acordo com a pesquisa realizada por FEUERWERKER (1997, p. 107), foi possível concluir que “a CNRM evoluiu muito pouco na organização e sistematização dos dados sobre Residência Médica no país, (...) não investiu na definição de critérios e requisitos mínimos para os programas nas várias especialidades, (....) avançou insatisfatoriamente no estabelecimento de relações com o MEC, com o Ministério da Saúde e também com as sociedades de especialistas”.

Entre 1987-97 formaram-se em média 7167 médicos ao ano em todo o país, tendo sido oferecidos 4646 vagas para o primeiro ano de Residência Médica, portanto, para 65% dos recém-formados. De 1981 até 1992 a CNRM credenciou 28580 especialistas, metade dos residentes formados corresponde às áreas básicas, liderados pela Pediatria (FEUERWERKER, 1997, p. 113).

Considerando alguns fatores que foram apontados para a compreensão do cenário atual em relação a área da saúde, convém reafirmar a importância de se operar na transformação da educação médica como requisito básico para um redirecionamento das práticas de saúde. Concluindo com FEUERWERKER,

como momento privilegiado do treinamento clínico dos médicos e em função de sua interface com a prestação de serviços de saúde, a Residência Médica pode cumprir um papel importante nessa redefinição. Pode servir como cenário favorável à reorientação da interação/integração entre universidade e serviços e como palco de construção de novas práticas sanitárias (1997, p. 199-200).

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