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2. O surgimento da criança como objeto de atenção

2.4. A Saúde Pública e a Pediatria no Brasil

Entre os médicos brasileiros que estudaram na Europa, nas últimas décadas do século XIX, destacou-se Moncorvo de Figueiredo, que teve contato com a Puericultura na França e que ministrou os primeiros cursos sobre doenças infantis na Policlínica Geral do Rio de Janeiro, fundada por ele em 1881. Este foi um marco importante no estabelecimento de uma prática médica ambulatorial, independente de um hospital e juntamente com a Maternidade de Laranjeiras, foram consideradas “as primeiras instituições médicas modernas

fundadas no Rio de Janeiro” (NOVAES, 1979, p. 40). Data de 1882, a criação da Cadeira de Clínica Infantil na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, proposta por Moncorvo de Figueiredo, nomeado o “pai da Pediatria Brasileira” (segundo AGUIAR, 1996 e TELLES, 1996, citado por CARAFFA, 2001).

Destacou-se, nas primeiras décadas do século XX, o aumento do número de creches, escolas, maternidades e publicações sobre a infância baseados nos princípios do discurso da Puericultura. Fatores históricos e políticos como a proclamação da República no Brasil e a urgência de um projeto de modernização social contribuíram para o crescimento do interesse em torno da criança.

É conveniente assinalar o caráter filantrópico como forma predominante de assistência à criança no período compreendido entre o século XVII até a década de 30 do século XX, imprimindo uma marca profunda em relação ao modelo de práticas pediátricas que se desenvolveram nas décadas posteriores em nosso país (MENDES, 1996).

As ações de saúde voltadas para a criança transformaram-se através da prática de consultas de Puericultura, distribuição de leite e programas de educação sanitária consubstanciadas em dispositivos como os centros de saúde (tendo como protagonista Geraldo de Paula Souza, em São Paulo, na defesa de uma estruturação sanitária básica), dispensários e serviços de assistência médica. Portanto, este conjunto de ações do Estado e da sociedade caracterizou-se, principalmente, por estar dirigido à pobreza e não como um direito à saúde da população.

Somente em 1940 foi criado um órgão federal – o Departamento Nacional da Criança (DNC) – que passou a ser incorporado ao Ministério da Saúde, em 1953. As pesquisas médicas e científicas articuladas às orientações técnicas dirigidas às instituições de saúde materno-infantil coordenadas pelo governo, sob influência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP - fundada em

1910) , garantiram um expressivo avanço no desenvolvimento da Pediatria no Brasil, até a década de 1960.

Devido ao golpe militar, ocorrido em 1964, observamos uma reconfiguração das relações entre Estado e sociedade. A criação do Instituto Nacional de Previdência Social, que ofertava benefícios a todos aqueles que trabalhavam com vínculo empregatício acarretou incentivos à prática médica individual, curativa e hospitalar, concentrando recursos para um determinado tipo de assistência e favorecendo a expansão da medicina empresarial. Como conseqüência, ocorreu uma diminuição de recursos destinados às políticas sociais e às práticas sanitárias, referenciadas nos princípios da saúde coletiva (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1989, citado por CARAFFA, 2001).

No que se refere ao cuidado da criança, ocorreu uma fratura importante representada pela decrescente influência dos pediatras da SBP no planejamento das ações de saúde, já que o DNC ficou reduzido à Divisão Materno-Infantil. Este distanciamento perdurou até o início da década de 1980.

A criação do Ministério da Previdência e Assistência Social e do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social nos anos de 1970 foram uma tentativa de responder à exclusão de camadas sociais que não tinham acesso aos serviços, visando, através de várias estratégias, estender essa cobertura nas estruturas públicas estaduais e municipais de saúde, pois a crise econômica desencadeada nessa época, já repercutia de forma importante através dos índices relacionados à saúde da população.

Marcos históricos na cronologia de eventos relacionados à área de saúde tiveram amplo significado na constituição das políticas destinadas à assistência da criança, como a V Conferência Nacional da Saúde, em 1976 e a Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma Ata (antiga URSS), em 1978. Nota-se, claramente, a influência dos paradigmas propostos pela

Medicina Preventiva e Comunitária que preconiza um modelo de atenção, organização e práticas de saúde que valorizam a promoção, prevenção e proteção à saúde, cujos cuidados primários e básicos encontra solo fértil e privilegiado na área materno-infantil, sobretudo pelo seu alcance e eficácia.

Com o fim da ditadura, registrou-se, na década de 1980, um amplo e trabalhoso processo de redemocratização em nosso país, multiplicado em inúmeros movimentos políticos dos mais diversos segmentos sociais. Os profissionais de saúde reagiram de forma organizada em torno de propostas baseadas na efetiva participação dos especialistas do setor, lançando os alicerces da conhecida Reforma Sanitária.

A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986 demonstrou a pujança de um movimento contido até então, cuja traço essencial pode ser sintetizado pelo caráter democrático, de participação e debate entre os setores da sociedade civil e de profissionais. A resultante deste processo traduziu-se na criação do Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde (SUDS), em 1987, que avançou sobre o entendimento de três pontos fundamentais: “o conceito abrangente de saúde, a saúde como direito de cidadania e dever do Estado bem como a instituição de um Sistema Único de Saúde: com a defesa, pelo movimento da Reforma Sanitária, de uma reorientação dos modelos assistenciais para se alcançar o atendimento universal, de forma integral e eficiente socialmente” (CARAFFA, 2001, p. 56).

A Constituição, promulgada em 1988, legitimou os novos princípios que serviram como orientação para a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS) e que preconiza, como estratégia, um corpo de preceitos organizativos para todo o país, nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), cuja estrutura de base se efetua graças à municipalização de serviços.

É possível vislumbrar o valor atribuído ao projeto de uma assistência integral à criança, neste contexto, com a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC), em 1984, pelo Ministério da Saúde, voltado para crianças de até 5 anos, que propõe o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, o incentivo do aleitamento materno e o controle de doenças respiratórias, nutricionais e diarréias. Esta concepção de atenção à saúde repercutiu de forma relevante sobretudo na última década, na medida em que várias ações específicas passaram a ser incorporadas sob forma de estratégias de reforço à atenção básica, como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde de Família (PSF). Além de apresentarem um novo paradigma de modelo assistencial, estas práticas têm apontado a necessidade de um trabalho amplo e integrado (MARANHÃO, 2003).

Finalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consolidado como lei para todo o território nacional, a partir de 1990, fundamentou o compromisso do Estado com a assistência médica integral, dirigida à infância, através do SUS. Entretanto, vale afirmar que os indicadores atuais relativos à saúde da criança no Brasil sugerem claramente um enorme caminho a ser percorrido. E é neste contexto que a atividade apresentada como pesquisa neste trabalho se insere, ou seja, como colaboração dentro do processo de educação do futuro médico que poderá estar melhor instrumentalizado para o exercício de sua prática.

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